Escola deve provocar ações da sociedade para combater a desinformação
Por Cleiton Donizete Corrêa Tereza
Uma jovem, de óculos, cabelo preso e boa aparência, em frente a uma prateleira de livros, essa era a imagem. O título dizia: “Aluna de Poços de Caldas é campeã mundial!”. Na sequência, o seguinte parágrafo: “É com muito prazer e alegria que noticiamos a vitória da poços-caldense Milena Cristina Califa, que representou o Brasil na Olimpíada Mundial de Física realizada na França. Milena ficou em 1º lugar, em disputa com 75 países. Como não tem futebol, ninguém noticiou. Fica aí os nossos parabéns!”
A publicação, veiculada pela página “Poços da depressão”, foi rapidamente compartilhada por várias pessoas, com mensagens de felicitações. Dentre elas, professores e professoras. Até um jornalista respeitado da cidade fez questão de exaltar a conquista. Porém, como já podem ter suspeitado os mais atentos, essa suposta notícia era falsa. Uma trolagem, como dizem.
A moça da foto é uma ex-atriz de filmes pornográficos, a libanesa Mia Khalifa. A competição não existiu. Porém, a imagem da jovem mulher, a divulgação no período da Olimpíada, o recado rápido com ares de exclusividade, foram suficientes para convencer imediatamente parte das pessoas que tiveram acesso à postagem, de que se tratava de algo louvável, digno de reconhecimento!
Essa não é a primeira vez que Khalifa vira notícia no Brasil. No período da pandemia de covid-19, a mesma imagem foi utilizada e, a atual influencer, apresentada como médica infectologista, PhD em biologia molecular e celular, genética e virologia, conduzindo pesquisa sobre a eficácia da cloroquina. A montagem trazia o seguinte clamor ao final: “Não vamos deixar nossa guerreira brasileira ser calada pelos comunistas. Repasse sem dó!”
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Curiosamente, Mia Khalifa virou assunto outra vez, durante a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou e debateu a nefasta atuação governamental durante a pandemia. O senador bolsonarista Luiz Carlos Heinze, do partido progressista, foi acusado pelo senador Randolfe Rodrigues, relator da CPI, de ter usado postagens falsas, envolvendo a jovem, para embasar sua fala. Heinze rebateu as críticas, afirmando que não tinha como referência esse tipo de publicação. Khalifa chegou a se manifestar nas redes sociais, lançando uma imagem montada, em que figurava como depoente na CPI e escreveu em tom zombeteiro: “vocês estão em crise... estou chegando!”
Vejam como o problema é grande! Se professores, jornalistas e políticos, que deveriam trabalhar o tempo todo com verificação e compartilhamento de informações seguras, estão sujeitos a serem capturados por mentiras ou “piadas” espalhadas pelas mídias, é possível pensar que crianças, adolescentes e suas famílias, de forma geral, estejam ainda mais sujeitas à desinformação. Essas confusões conduzem a impressões equivocados, histeria coletiva e costumam favorecer aqueles que buscam emplacar seus interesses de poder por meio da anunciação constante do perigo iminente, do crescimento do mal, do terror do fim do mundo!
Situação complexa
No início deste ano tive que me esforçar, primeiro para entender e, segundo, para demonstrar a fragilidade de um vídeo para uma aluna adolescente. A peça afirmava que o caos estava próximo, porque uma mancha em movimento no Oceano Atlântico permitia ver que o Leviatã (monstro de origem fenícia citado na Bíblia) estava despertando, isso, nos dias em que acontecia o desastre provocado pelo excesso de chuvas e pela ação humana no estado do Rio Grande do Sul.
E a circulação desse tipo de material provoca problemas dos mais diversos, ao nível da barbárie explícita, como demonstraram os casos de linchamentos públicos de pessoas inocentes, confundidas com supostos bandidos, ocorridos dentro e fora do Brasil.
Como sabemos, estamos em tempos de eleições e os fanáticos religiosos, extremistas políticos, chantagistas e vigaristas do mundo empresarial e da onda coaching, não farão nada de significativo para combater a difusão de comunicações falsas, pois isso faz parte do conjunto de ações que lhes proporcionam vantagens econômicas e eleitorais.
Diante dessas situações, é imperativo que redes de ensino desenvolvam estudos e atividades consistentes de análise de informações e responsabilidade quanto ao compartilhamento de conteúdos. Projetos e programas pedagógicos que esclareçam sobre enganações, formas para detectá-las e mecanismos para interromper a circulação, devem ser constantes e precisam ser feitos não somente com estudantes, mas com todos os profissionais da escola e, se possível, com a comunidade.
Não é fácil! Mas é urgente! Muitos se sentirão incomodados, as forças de manipulação são amplas e dissimuladas. Porém, no âmbito de sua função social, a escola não pode jamais abrir mão de seu compromisso com a verdade.
E pode, assim, fomentar uma percepção e um conjunto de ações da própria sociedade para combater firmemente o califado da desinformação.
Cleiton Donizete Corrêa Tereza é professor Doutor do Departamento de Educação, Informação e Comunicação (DEDIC) da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da Universidade de São Paulo (USP).
Foi professor de História nas redes municipal de Poços de Caldas e estadual de Minas Gerais por quase duas décadas.
É especialista em História Contemporânea (PUC Minas), especialista em Planejamento, Implementação e Gestão de Educação a Distância (UFF), mestre e doutor em Ciências Humanas (Diversitas-FFLCH-USP).
Tem atuado em órgãos e movimentos sociais em defesa da educação pública, democrática e de qualidade.
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Leia outros artigos sobre educação e literatura na coluna Cidades das letras: Literatura e Educação no Brasil de Fato MG
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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal
Edição: Elis Almeida