Minas Gerais

ENTREVISTA

“Elitização urbana já está em curso”, diz pesquisador, sobre mudança no nome do Mercado Central

Professor da UFMG, Luiz Alex Saraiva fala sobre o processo de gentrificação na capital mineira

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
Ponto turístico teve nome alterado pela iniciativa privada - Guilherme Dardanhan/ALMG

O Mercado Central de Belo Horizonte, um dos pontos mais tradicionais da capital mineira, passou a se chamar “Mercado Central KTO”, em referência à marca de uma casa de apostas, no dia 7 de setembro. A venda de naming rights do espaço acompanha um movimento que toma conta da região central do município, onde o mercado está localizado. 

Na avaliação de especialistas, o processo pode ter como consequência a gentrificação, transformando a área urbana, aumentando o custo de vida na região e expulsando a população com menor poder aquisitivo que frequenta aquele espaço. 

O Brasil de Fato MG conversou com o professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Luiz Alex Saraiva,  para entender sobre esse processo e as suas consequências. 

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Brasil de Fato MG - Como podemos entender essa mudança no Mercado Central, local tão tradicional em BH?

Luiz Alex Saraiva - Originalmente, o Mercado Central de Belo Horizonte estava vinculado à comercialização de produtos hortifrutigranjeiros e, ao longo do tempo, foi incorporando outros negócios, outras lojas e outros segmentos específicos, de acordo com o crescimento da cidade. 

Hoje, a característica que ele possui atrai um público diferente daquele voltado apenas ao hortifruti, mas isso tem relação com uma característica da cidade como um todo. Essa alteração não é necessariamente negativa, pois não estamos falando de um passado idealizado e de funções estáticas do mercado.

O passado puro e a função original tendem, naturalmente, a se modificar, com o passar do tempo, porque os equipamentos urbanos, assim como a cidade, tratam-se de elementos bastante dinâmicos, que vão incorporando novas funções e, portanto, alterando o público que faz uso desses equipamentos, à medida que a própria história da cidade evolui.
 

Sem intervenção governamental, sem organização e planejamento desse processo, a tendência é de que um grupo muito pequeno se beneficie
 

Apesar disso, podemos entender esse processo como uma espécie de gentrificação?

A rigor, podemos dizer que se trata de um tipo de gentrificação. Esse processo surge,  no primeiro momento, da decadência e do esvaziamento dos grandes centros urbanos, principalmente com as classes média e alta migrando para outras regiões, como, no caso de Belo Horizonte, para condomínios fechados em Nova Lima e outras áreas mais afastadas da cidade. 

Em seguida, ocorre o retorno dessas populações ao mercado e às regiões centrais. Esse processo é normalmente associado à recuperação e requalificação urbana e, consequentemente, ao aumento dos preços, o que resulta no afastamento e na eventual expulsão das populações de renda mais baixa para regiões periféricas. É o que estamos vendo no Centro de Belo Horizonte hoje, e que já ocorreu em vários lugares do país e do mundo.

Certamente, trata-se de um tipo de gentrificação, talvez ainda não tão agressiva, devido às características da cidade, mas, sem dúvida, um processo de elitização urbana e especulação imobiliária já está em curso.

Como alterar esse cenário?

A mudança nas cidades é um fenômeno natural, tanto quanto qualquer outro fenômeno social. A mudança é incorporada como um meio que as sociedades encontraram para sobreviver, adaptando-se continuamente ao seu contexto histórico. 

A questão é que, sem intervenção governamental, sem organização e planejamento desse processo, a tendência é de que um grupo muito pequeno se beneficie dessas mudanças, fazendo com que elas sejam dirigidas por seus próprios interesses. 

Isso é uma pauta que precisa ser considerada com muita atenção, principalmente em um momento como este, em que estamos falando de eleições municipais. Sem a problematização desse processo que está em curso em Belo Horizonte, veremos um grupo que já se beneficia das melhores condições da cidade – das melhores localizações, dos melhores endereços, etc. – ampliando esse domínio e selecionando as partes mais interessantes da cidade, ao mesmo tempo em que ocorre a expulsão daqueles que não se encaixam nesse perfil para áreas com menos infraestrutura. 

Essa é uma questão que interessa a todos nós enquanto sociedade.

Por se tratar de uma casa de apostas, atividade que inclusive não é regulamentada no país, podemos esperar por mudanças no local e no público?

Provavelmente, essa mudança de nome, associando-o a uma empresa de apostas, vai consolidar uma tendência de elitização do local, pois o mercado passa a ter múltiplas funções, principalmente as esperadas de um equipamento turístico. 

 

Isso é uma pauta que precisa ser considerada com muita atenção


Por conta disso, é provável que as funções tradicionais de um mercado sejam reduzidas, ao longo do tempo, em favor de uma ênfase em produtos e serviços de maior valor agregado. Isso ocorre porque, como equipamento turístico, o mercado passa a atender a um tipo de demanda mais qualificada do ponto de vista econômico.

É possível prever as consequências?

Essa é uma questão polêmica e eu diria que há pelo menos dois pontos a serem observados. Um se refere à questão do patrocínio, da associação do nome de um equipamento público tradicional e histórico na cidade a uma marca privada. 

Isso, por si só, traz desdobramentos relacionados a quanto aquele equipamento urbano passará a ser usado como display da marca e dos interesses dessa empresa. Eu desconheço as questões contratuais, mas nunca se trata apenas de um aporte de recursos, sempre há uma contrapartida. 

Imagino que, de alguma maneira, os equipamentos urbanos que passam por isso começarão a ser utilizados como parte da estratégia mercadológica da empresa que adquire ou que tem sua marca associada a esse equipamento urbano.
Por outro lado, pode ser que, além da questão dos contratos e do uso econômico da marca, vivenciamos um processo de adaptação, no qual haverá uma reação da população a essa apropriação e a esse uso específico da marca. Ainda não temos elementos suficientes para verificar como isso vai se desenrolar no contexto de Belo Horizonte.

Ou, eventualmente, esse mercado poderá se tornar parte de um processo de politização da população em relação à apropriação por uma marca privada. Isso, realmente, só o tempo dirá, mas há muitas outras nuances relacionadas a essa questão.

Edição: Ana Carolina Vasconcelos