Classificada em nível de emergência 3, o mais alto da escala de risco, desde 2019, a barragem da Vale Forquilha III, que fica em Ouro Preto, a poucos quilômetros da capital mineira, apresentou, nesta semana, trincas superficiais. Ao todo, foram identificadas quatro fissuras, de 2, 4, 5 e 10 metros de comprimento.
A mineradora afirma que a situação está sob controle e que a estrutura é monitorada permanentemente. Porém, Marta de Freitas, coordenadora do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) e pesquisadora dos direitos dos trabalhadores da mineração, enfatiza que é necessário o alerta da população e das instituições.
Ela relembra que, as barragens da mineradora que romperam em Mariana e em Brumadinho, em 2015 e 2019, respectivamente, foram consideradas estáveis pelas auditorias.
“Notícias sobre o aparecimento de anomalias e trincas acendem o alerta, mesmo depois da mineradora e das autoridades afirmarem que os riscos estão sob controle”, destaca.
“Passados mais de cinco anos do crime contra os trabalhadores e populações de Brumadinho e de toda a bacia do Rio Paraopeba, que resultou na morte de 272 pessoas e milhares de atingidos, continuamos a ter barragens como a Forquilha III, que, apesar de ter sido classificada em nível 3 de emergência, não foi descomissionada e continua com risco de ruptura iminente”, continua.
Prazo para esvaziar barragem era 2022, mas Zema autorizou passar para 2035
Em abril deste ano, outra anomalia, no dreno da barragem, foi identificada. A Agência Nacional de Mineração (ANM) classifica estruturas como nível 3 de emergência “quando a ruptura da barragem de mineração está iminente ou já está ocorrendo”.
Descaracterização
Ainda em 2019, com a aprovação da Lei Mar de Lama Nunca Mais, a mineradora passou a ser obrigada a descaracterizar a barragem Forquilha III, eliminando a retenção de rejeitos e de água.
Inicialmente, a finalização do processo deveria acontecer até 2022. Porém, a Vale assinou um termo de compromisso com o governo de Minas, sob gestão de Romeu Zema (Novo), e com o Ministério Público de Minas Gerais, estendendo o prazo para 2035.
Desde então, segundo a mineradora, estão sendo construídas medidas de contenção da lama, para possíveis situações de rompimento. A estrutura possui aproximadamente 77 metros de altura e armazena 19,4 milhões de metros cúbicos de rejeito.
“Apenas neste século, tivemos oito rompimentos de barragens de grandes proporções em Minas Gerais e 30 estruturas estão em algum nível de emergência no estado. A única certeza que o povo mineiro tem é de que Fundão não foi a primeira e, infelizmente, a B1, em Brumadinho, não será a última barragem a romper, se não formos capazes de construir um novo modelo mineral, que respeite os direitos humanos e o meio ambiente”, avalia Marta de Freitas.
A Forquilha III fica no complexo minerário Mina de Fábrica, onde também estão localizadas as barragens Forquilha I e II, construídas na década de 70. As duas outras estruturas também foram reclassificadas em 2019 como nível 3 de emergência.
Impactos
No mesmo ano, moradores das comunidades próximas à Zona de Autossalvamento (ZAS) da Forquilha III foram retirados de suas casas e estão até os dias de hoje, de acordo com a coordenadora do MAM, sem saber se um dia retornarão.
Mesmo assim, Marta destaca que não é possível afirmar com certeza se, em um eventual rompimento, famílias não seriam surpreendidas.
“As violações de direitos continuam em curso, para antigos moradores da ZAS. Além disso, por não sabermos exatamente qual seria a área impactada pela lama, não é possível afirmar se, além dos moradores que foram retirados em 2019, existem outras localidades que podem ser atingidas, se houver o rompimento”, explica.
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Ainda assim, mesmo que não haja vítimas humanas, a especialista enfatiza que os impactos ambientais seriam imensuráveis, uma vez que a estrutura fica próxima ao Rio das Velhas e ao Rio Paraopeba.
“Se a lama chegar no Rio da Velhas, o abastecimento hídrico da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) vai ficar comprometido. Ou seja, não teremos água em quantidade suficiente para cerca de 5 milhões de pessoas”, alerta Marta.
:: Relembre: Moradores de BH vivem em alerta diante do risco de rompimento de barragem da Vale ::
Em nota, publicada após a identificação das fissuras na Forquilha III, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) caracterizou a situação como uma “tragédia anunciada”.
“A história se repete? Em 2015, vimos Mariana. Em 2019, choramos por Brumadinho. Quantas vidas mais serão colocadas em perigo? Quantos outros crimes a Vale precisa cometer, para agir com responsabilidade?”, questionou, nas redes sociais.
O outro lado
A Vale afirma, em nota, que “mantém seus compromissos de avançar na descaracterização da estrutura e de buscar a redução de seu nível de emergência”. A empresa ainda diz que investiga a situação e reafirma que a ZAS da barragem foi evacuada, não restando “presença de comunidades”.
Edição: Elis Almeida