Belo Horizonte é conhecida por ter em sua história as marcas de gestões progressistas da prefeitura municipal. A capital mineira foi berço de políticas públicas voltadas para a promoção da cidadania que se tornaram referências para todo o país, como o Orçamento Participativo (OP), os Restaurantes Populares e o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu).
O professor de ciência política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Juarez Guimarães destaca que o auge desses avanços aconteceram na década de 1990, quando a cidade pôde experimentar as gestões petistas de Patrus Ananias e Célio de Castro. Para ele, diante da proximidade das eleições municipais, relembrar esse passado é fundamental.
“A memória da política é muito importante e, certamente, a cidade ainda guarda a memória das experiências democráticas e populares. O OP, por exemplo, foi um exercício de cidadania organizada, de democratização da gestão da prefeitura, que chamava a população a decidir sobre o futuro da cidade e nos permitiu ousar nas políticas públicas”, relembra.
Disputa pela cidade é parte de uma guerra que existe no mundo todo
“Foi nesse período que se criaram as principais estruturas da saúde pública da nossa cidade, houve o esforço da universalização das creches, um grande trabalho na área da segurança alimentar, o avanço da urbanização das favelas. Foi também um momento muito rico para a cultura, etc”, continua Juarez Guimarães.
A jornalista e coordenadora do Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-Brasileira (Cenarab) Célia Gonçalves Souza, conhecida como Makota Celinha, também enfatiza que as políticas criadas pelas gestões petistas foram inovadoras para a administração pública.
“Eram novidades que mobilizaram toda a cidade. Os Restaurantes Populares são um sucesso até os dias de hoje, com alimentação de qualidade a baixo custo. Foram grandes avanços para a política. Somente uma administração democrática e popular compartilharia com a população a definição sobre os rumos do orçamento público”, comenta.
Berço de lutas
Jô Moraes, que foi vereadora de Belo Horizonte na década 1990, deputada estadual e deputada federal por Minas Gerais, dá ênfase à tradição de modernização e de construção progressista do município.
Para ela, essa característica vem desde a fundação da cidade e guarda uma das principais marcas da capital mineira: além de ser berço de políticas públicas essenciais, é berço de lutas operárias e populares.
Capital mineira é berço de políticas públicas essenciais e de lutas populares
“BH também é uma cidade na qual a presença dos trabalhadores na sua construção foi marcante. Então, desde o início, temos um movimento operário e popular muito significativo. Para se ter uma ideia, lá em 1912, nossa cidade já teve uma greve expressiva, com presença majoritária de mulheres da indústria têxtil”, relembra.
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“Toda essa história mostra que BH sempre conviveu com a luta, nos permitindo avançar, embora a cidade ainda guarde muitas desigualdades. No plano institucional, tivemos avanços significativos, conquistando gestões municipais que tinham vínculo com essa história de resistência”, continua.
Jô Moraes também faz referência ao mandato de Patrus Ananias (PT) que, segundo ela, “marcou a ideia de uma cidade com participação e políticas públicas voltadas para a população mais pobre”.
Ela avalia que, ainda que a memória desse processo esteja viva, ele foi descontinuado com o “interrompimento do processo democrático no Brasil, com o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff”.
Avanço da direita
Nas últimas eleições presidenciais, a cidade votou majoritariamente no candidato da extrema direita e, nas municipais, elegeu prefeitos de centro ou de direita. Ainda sim, Juarez Guimarães acredita que o que explica esses resultados não é essencialmente o perfil do eleitorado, mas a combinação de dois processos mais amplos.
“O nacional, com uma movimentação política muito organizada da extrema direita, e o municipal, em razão de uma certa desorganização da identidade e do programa das esquerdas da nossa cidade, após estabelecer alianças não programáticas com políticos neoliberais, como Márcio Lacerda e Aécio Neves”, avalia.
Em concordância com o professor da UFMG, Jô Moraes ainda amplia a escala do desafio. Ela explica que o crescimento das forças conservadoras não é um fenômeno local e sim mundial.
“Empresários que representam o que há de mais atrasado no capitalismo usam a tecnologia para criar uma nova dinâmica de controle das consciências de pessoas que, muitas vezes com dificuldade financeira e de sobrevivência, não encontram alternativa, diante desse período de crise e barbárie. A situação que BH vive é parte de uma guerra que existe no mundo todo”, argumenta.
‘BH continua tendo vocação para a liberdade’
Para Makota Celinha, mesmo diante deste cenário, a capital mineira ainda guarda sua marca desenvolvimentista e de cuidados com a população. Ela acredita que para a superação desse estágio, é necessária uma melhor organização da esquerda.
“Nossa cidade continua tendo vocação para a liberdade e para a democracia, mas, nos últimos períodos, tem feito escolhas que demonstram uma certa incoerência em relação ao perfil de BH. Precisamos retomar as ruas, fortalecer o movimento sindical e superar o cenário de encolhimento das nossas próprias iniciativas”, avalia.
Queremos uma BH inclusiva, democrática, plural e que cuide da nossa gente
“Precisamos mobilizar, participar, mostrar para a população quem é a direita e quem é a esquerda, para além, inclusive, do período eleitoral. Precisamos retomar a construção social de vínculo da cidade com a esquerda”, continua.
Esperança de retomada democrática
Para as eleições deste ano, as pesquisas de intenção de votos indicam que parte do eleitorado progressista está dividido entre as candidaturas de esquerda, com Rogério Correia (PT), de centro, com Duda Salabert (PDT), e até da direita, com Fuad Noman (PSD).
Diante desse cenário, Juarez Guimarães defende que o eleitor da esquerda deve votar na candidatura que melhor expressa um projeto político para a cidade.
Além disso, ele acredita que o candidato do PT, junto ao terceiro mandato de Lula, teria condições de recolocar Belo Horizonte no sentido de seu desenvolvimento social, econômico e ambiental.
“A candidatura de Rogério apresenta as condições para vivermos uma fusão entre programas municipais que atendam aos trabalhadores e a terceira experiência do governo Lula. Por diversas razões, entre elas a trajetória do candidato e as forças que o apoiam, que englobam cerca de 200 movimentos sociais. Isso traduz um esforço de reunificação e de retomada da identidade e do programa da esquerda em nossa cidade”, explica.
“A candidatura de Duda Salabert representa, no contexto da nossa cidade, algo importante também, por expressar uma identidade pública que sofre muitas opressões diante das culturas conservadoras. Ela se insere no campo progressista, mas não carrega relação orgânica com os movimentos sociais. Ela não representa também um esforço de unidade entre as forças de esquerda, que é fundamental no período atual”, avalia.
Makota Celinha também acredita que a candidatura de Rogério Correia representa o sonho de retomada de uma cidade mais participativa e inclusiva, mas que o quadro atual, com candidaturas fortes da direita e da extrema direita, é “difícil e dolorido”.
“Sem sombra de dúvidas, a eleição de Rogério seria a ideal. A relação que ele poderia ter com o governo federal também o coloca em vantagem, porque o diálogo entre as duas administrações seria fundamental. Rogério hoje tem trânsito livre em Brasília e representa a política do governo Lula”, afirma.
Voto útil é em projeto
Juarez também explica que não considera o candidato à reeleição Fuad Noman (PSD) como um dos representantes progressistas na disputa. Portanto, não seria uma boa opção para os eleitores da esquerda, já que não acumula para reorganização do campo no município.
“A candidatura de Fuad Noman, apesar de ser filiado a um partido da base do governo Lula, tem características de direita. As dinâmicas neoliberais na sua gestão são dominantes. Quando a esquerda abre mão de sua identidade e programa, ela se desestrutura e perde bases populares, fortalecendo a direita e a extrema direita”, conclui.
Diante da possibilidade do município ter um segundo turno disputado apenas por candidatos de direita e extrema direita, Jô Moraes alerta a população sobre a necessidade de se atentar aos projetos.
“O morador de BH precisa compreender que os atores da extrema direita têm um projeto completamente contrário a tudo o que a população pobre necessita e criam uma agenda moralista que nada tem a ver com as necessidades reais do povo”, finaliza.
A ideia é reforçada por Makota Celinha.
“O cidadão progressista precisa pensar em qual cidade nós queremos, que é inclusiva, democrática, plural e que cuide da nossa gente. Essa política só será possível se BH for governada pelo campo da esquerda. A direita não se preocupa com a nossa vida, se na nossa mesa tem comida ou não”, conclui.
Edição: Elis Almeida