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Coluna

Encontro Nacional dos Povos de Terreiro (EGBE): a união faz a força

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Reprodução - Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN)
Entre 2022 e 2023, denúncias de violações aos terreiros aumentaram em 80,7%

Em junho deste ano, Belo Horizonte recebeu, pelo terceiro ano consecutivo, o Encontro Nacional dos Povos de Terreiro (EGBE), reunindo em um evento histórico, mais de 500 representantes de diferentes religiões e nações de matriz africana.

Homens e mulheres de todos os estados brasileiros e de sete países da América Latina com o objetivo de, coletivamente, construir estratégias e táticas que garantam o direito à prática, à liberdade religiosa, à democracia e à vida sob perspectivas afro centradas. Que acolham e atendam as reais necessidades de quem carrega saberes ancestrais que vão muito além da visão de mundo capitalista e reducionista do pensamento eurocêntrico cristão.

Um evento feito por e para pais e mães de santo negros e negras, para discutir políticas públicas, formalizar suas demandas sociais, praticar suas religiosidades e defender suas práticas ancestrais como parte fundante da nação brasileira e patrimônio histórico e cultural do país.

E, principalmente, propor mecanismos de defesa contra o racismo religioso, que tem sido cada vez mais crescente no país. Mais de 70% das denúncias são contra terreiros e religiões de matriz africana.

Religiões de matriz africana, como o candomblé e a umbanda, estão entre as cinco mais seguidas no Brasil, com mais de um milhão de adeptos. Em contrapartida, dados do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania apontam um aumento de 140,3% no caso de denúncias de intolerância religiosa contra povos de Terreiros e mais de 240,3% de aumento nos casos de violações desde 2018. Entre 2022 e 2023 o aumento de denúncias foi de 64,5% e o de violações, 80,7%.

Em 2022, a Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras apresentou um mapeamento do racismo religioso no Brasil durante uma conferência da ONU em Genebra, onde consta que mais da metade dos 255 terreiros entrevistados em todo o país sofreram cerca de cinco ataques nos últimos dois anos.

O Brasil é um país de Estado laico desde a conquista da democracia e concretização da Constituição Brasileira de 1988, informalmente conhecida como constituição cidadã. Nesse mesmo contexto de informalidade, vimos o nascimento e a institucionalização de uma chamada bancada evangélica que, em 2024, é composta por 228 congressistas, sendo 202 deputados federais e 26 senadores. Isso representa aproximadamente 20% da Câmara dos Deputados e 16% do Senado.

Fome e racismo

Considerando um recorte econômico da população brasileira, temos uma proporção de pretos e pardos de quase o dobro da porcentagem de brancos abaixo da linha da pobreza. Fome e racismo religioso são situações bem reais e cotidianas para boa parte de homens e mulheres territórios de matriz africana. É para defender a dignidade, a possibilidade de plena cidadania e a justiça social que o Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afrobrasileiro (CENARAB) existe e realiza eventos como EGBE.

Se, por um lado, existe muita vulnerabilidade entre os povos de terreiro, também existe muita força e resistência. Muitos pais e mães de santo que são gestores, acadêmicos, ativistas pela busca de plenos direitos e que se mostram ávidos pela oportunidade de coletivizar suas urgências e torná-las públicas, oferecendo, não somente as demandas, como as soluções estratégicas dentro de suas realidades culturais.

Maior encontro de povos de terreiro da América Latina

O sucesso do EGBE, que se tornou o maior encontro de povos de terreiro da América Latina, é a prova de que o povo de Santo não vai aceitar mais seguir sofrendo as violências e fará resistência e luta com estratégia, articulação política e muitas parcerias que também acreditam que é possível construir um mundo justo e com respeito à todas as religiosidades.

Esse grande movimento só foi possível porque existem instituições governamentais e não-governamentais da sociedade civil organizada, que atuam em prol da justiça para todas as pessoas, independentemente de credo, crença, raça, deficiência, gênero ou qualquer segregação que hierarquize a pluralidade de corpos brasileiros, diminua a sua diversidade e neguem a importância de promover uma inclusão real e equânime.

Quando o Estado se mostra ausente e o mercado não consegue ver valor cultural naquilo que não pode ser tornado mercadoria, as instituições assumem o papel de serem os ventos que sopram as velas de barcos que não mais carregam a morte, mas lutam e defendem a vida.

Nesse contexto, cabe destacar em especial, a força simbólica de ter no 3° EGBE, a parceria e o patrocínio da Fundação Banco do Brasil (FBB) que, sendo uma instituição sem fins lucrativos que atua principalmente em prol das comunidades mais vulneráveis, reconhece o potencial do evento como tecnologia social que consegue reunir povos de diferentes territórios de matriz africana, quando os órgãos públicos municipais sequer conseguem mapear e acessar.

A FBB, não somente atuou financeiramente, como esteve presente com a sua diretoria em todos os momentos do evento, participando da abertura, dos debates setoriais promovidos pelas mesas de trabalho e, principalmente, compartilhando seus mecanismos de fomento e capacitando sobre a forma de inscrição, de maneira a tornar seus recursos acessíveis para outros projetos semelhantes.

Como resultado, o evento provou que os povos de terreiro congregam em uníssono pelo direito à liberdade de rezar – ou de não rezar e acreditar – e pelo respeito a todas as relações com a espiritualidade. E a presença da Fundação Banco do Brasil demonstrou na prática a importância da instituição aliada das causas que defendem os Direitos Humanos.

Makota Celinha Gonçalves é jornalista, empreendedora social da Rede Ashoka e coordenadora geral do Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-Brasileira (CENARAB)

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Leia outros artigos de Makota Celinha em sua coluna no Brasil de Fato MG

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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Elis Almeida