Minas Gerais

ARTIGO

Sebastião (91 anos) e Sebastiana (87 anos): na luta pela casa onde moram há 60 anos

Família se vê ameaçada de despejo por não aceitar indenização que entende injusta

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
Créditos: - Viviane Delmaschio

Sebastião Delmaschio, de 91 anos, e sua esposa Sebastiana Maria Delmaschio, de 87, estão enfrentando o que pode ser o maior desafio de suas vidas. Depois de quase seis décadas vivendo no número 1080 da Rua Corcovado, no bairro Jardim América, eles agora se veem à beira do despejo.

O motivo? A abertura de uma rua, planejada pela Prefeitura de Belo Horizonte, que ameaça não só o importante espaço físico que é a casa que habitam, mas toda a estrutura de vida que construíram desde 1969. Para além do concreto, é a história de uma família que pode ser diluída pela força da urbanização.

Viviane Delmaschio, filha mais nova do casal, descreve o que para muitos seria o ápice da estabilidade e da tranquilidade, agora transformado em uma dolorosa incerteza. Sebastião comprou o terreno há quase 60 anos, sem imaginar que a ausência de um registro formal em cartório deixaria sua família vulnerável. "Nessa casa, meus pais criaram seus filhos, cultivaram amizades e viveram seus melhores momentos", conta Viviane, emocionada. "Hoje, eles enfrentam a possibilidade de perder tudo o que construíram e viveram".

O caso dos Delmaschio não é isolado

Ele evidencia um problema recorrente nas grandes cidades brasileiras: o direito à moradia digna, garantido pela Constituição Federal, ainda é uma realidade distante para muitos. O artigo 6º da Constituição assegura a moradia como direito social, e o Estatuto do Idoso, em seu artigo 3º, reforça que é dever da sociedade, da família e do Estado garantir a preservação da dignidade e do bem-estar da pessoa idosa.

Em 2013, o projeto participativo da Prefeitura de Belo Horizonte aprovou a abertura da rua onde os Delmaschio moram, uma medida que, segundo Viviane, desconsidera o impacto social e emocional para quem, como seus pais, vive ali há tanto tempo.

A filha descreve a angústia: "Minha mãe tem demência, e a prefeitura está oferecendo um valor que não é suficiente para garantir uma realocação digna. A casa foi toda adaptada para as necessidades dos meus pais, com barras de apoio e pisos especiais, seguindo o Estatuto do Idoso. Retirá-los daqui sem uma solução adequada é colocar em risco a saúde e a vida deles".

A família Delmaschio buscou respaldo técnico para contestar a proposta da prefeitura. Um engenheiro particular foi contratado para reavaliar o valor do imóvel, e o laudo foi claro: a prefeitura subestimou o preço da casa, desconsiderando o valor de mercado e a importância social daquela residência para seus moradores. "Recusamos a proposta, mas a prefeitura não quis sequer negociar. Meu pai, que trabalhou a vida toda para garantir um lar para sua família, agora vive a angústia de não saber o que será de nós", lamenta Viviane. "Somos os últimos moradores que restam na rua, tentando negociar uma solução justa".

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A questão, no entanto, não é a mera resistência em deixar o local. A família, entre as transformações urbanas, não se recusa a obedecer às ordens de desapropriação, mas o valor oferecido pela prefeitura os empurra para longe, para um lugar onde não terão as condições mínimas que hoje garantem o bem-estar de seus pais. O sentimento de perda não é apenas financeiro, mas humano.

A proposta atual não apenas desconsidera o valor afetivo e histórico do lar, mas também compromete a possibilidade de realocação digna em uma área que permita a proximidade dos filhos, responsáveis pelos cuidados com Sebastião e Sebastiana.

Viviane faz um apelo: "Estamos falando de seres humanos, com vidas construídas, memórias formadas, amigos e uma história que se confunde com o próprio bairro. Não é justo que tudo isso seja descartado em nome de uma rua. A vida dos meus pais vale mais do que isso".

Cynthia Camargo é jornalista & José Flávio R. Meireles é ativista

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Este é um artigo de opinião, a visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Elis Almeida