Minas Gerais

COMPARATIVO

Falta de detalhes pode impedir cobranças, diz especialista sobre plano de governo de Engler

Cientista política diz que propostas genéricas do candidato limitam a possibilidade de prestação de contas à sociedade

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
Engler versa suas propostas apenas como ideias, sem detalhamento sobre como chegará a concluí-las - Foto: Guilherme Dardanhan/ALMG

Dois projetos distintos disputam a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) no 2º turno em 2024: o do candidato à reeleição Fuad Noman (PSD) e o do candidato bolsonarista Bruno Engler (PL). 

Para destrinchar os programas de governo dos dois postulantes ao executivo municipal, o Brasil de Fato MG entrevistou especialistas, que avaliaram propostas para três áreas primordiais da cidade:  saúde, educação e mobilidade urbana. 

Ananda Ridart, cientista política e pesquisadora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), alerta que, no que se refere à educação, Engler foca em diretrizes mais amplas, como construção de novas escolas e ampliação de vagas em tempo integral no ensino infantil e fundamental, mas não traz detalhes sobre como as vagas seriam oferecidas. 

“É uma proposta mais genérica, o que deixa a execução e os impactos do seu programa menos claros para a população”, revela. 

Do outro lado, Fuad apresenta metas mais específicas, como a construção de 11 novas Escola Municipais de Educação Infantil (Emeis), com a disponibilização de 4840 vagas em tempo parcial ou 2200 em tempo integral; o atendimento de 100% do cadastro escolar de crianças de 0 a 2 anos e a ampliação do atendimento em tempo integral para crianças de 3 a 5 anos, passando de 36,5% para 50% do total de alunos.

“A diferença do detalhamento de propósitos traz uma questão importante, que é a capacidade dos eleitores de cobrar esse resultado, é uma transparência, uma prestação de contas. Quando um candidato como Fuad apresenta metas específicas, como número de vagas ou a construção de escolas públicas, ele estabelece um compromisso mais transparente para a população, que pode verificar se as promessas estão sendo cumpridas”, destaca a pesquisadora. 

Embora crítico de Fuad por não se comprometer a fornecer o atendimento integral para crianças de 0 a 2 anos, Fábio Garrido, mestre em educação e integrante do Movimento Brasil Popular, acredita que o atual prefeito responde melhor às demandas da área do que Bruno Engler, que, segundo ele, demonstra desconhecimento do mapeamento das questões na educação infantil. 

“Engler busca responder, na sua proposta, o alcance à universalização da educação infantil por meio da ampliação da rede conveniada, ou seja, de creches de organizações não governamentais que façam convênio com a prefeitura. A proposta do Fuad é uma reivindicação antiga do setor educacional de Belo Horizonte de fazer a expansão com a rede própria, que onera menos o estado”, pondera.  

Gestão cívico-militar 

Uma outra proposta controversa toma conta do projeto de Engler para educação: a criação de novas parcerias para implementar o modelo de gestão cívico-militar em unidades de ensino com maior vulnerabilidade social e a designação de Guardas Municipais para a promoção da segurança no ambiente escolar.

“É fundamental considerar os efeitos colaterais que essas medidas podem ter sobre o ambiente educacional e o desenvolvimento dos estudantes. Há estudos e relatos que indicam que as escolas cívico-militares podem limitar o desenvolvimento de competências críticas nos alunos. Tendem a enfatizar a questão da disciplina rígida e o controle hierárquico, o que, em muitos casos, restringe a liberdade de expressão e o protagonismo dos estudantes”, chama a atenção Ananda Ridart. 

A designação de guardas municipais, segundo ela, também levanta questões sobre a abordagem ideal para garantir a segurança escolar. Para a pesquisadora, colocar forças de segurança dentro da escola pode transmitir uma mensagem de criminalização, especialmente para estudantes e regiões que já são estigmatizadas pela violência e exclusão social. 

“Em muitos casos, a presença ostensiva dessas forças de segurança em ambiente escolar têm se mostrado ineficazes para resolver problemas de violência que tem suas raízes no contexto social ao redor da escola e não necessariamente dentro dela”, ressalta. 

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Fábio Garrido lembra que a implementação do modelo cívico-militar não deu certo e proporcionou vários escândalos durante a sua expansão no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), com abuso de autoridade e negação de direitos de diversidade às crianças e aos adolescentes.  

“Introduz nas escolas públicas um formato de gestão de militares que estão na reserva e que buscam complementar a sua renda, por meio da política pública de educação, sem ter o necessário conhecimento específico e qualificação para implementação dos projetos político-pedagógicos em escolas públicas. É uma proposta que desrespeita o princípio da gestão democrática da escola pública”, pontua. 

Saúde

Para a saúde, Fuad Noman também especifica como chegará aos resultados pretendidos. Entre diversas propostas, o atual prefeito diz que criará uma nova unidade de atendimento de pacientes oncológicos, com destinação 100% SUS, realizando o atendimento de pelo menos 250 novos usuários a cada mês, com ciclo completo de exames e tratamento. 

Promete ampliar a oferta de 113 leitos de oncologia no Hospital Mário Penna; implantar o Fila Zero, com a expansão e aceleração do rastreamento do Câncer de Mama e inaugurar a nova maternidade do Hospital Municipal Odilon Behrens, com a criação de 100 leitos; e concluir a implantação de todos os 77 novos centros de saúde previstos no atual contrato de Parceria Público Privada – PPP.

Já Engler versa suas propostas apenas como ideias, sem detalhamento sobre como chegará a concluí-las. Entre os projetos está a integralização e digitalização de todas as informações do sistema de saúde municipal; e a expansão e melhoria da infraestrutura, com a construção de novas UBSs e UPAs. 

“Especialmente em uma cidade como Belo Horizonte, que enfrenta desafios complexos, o detalhamento das metas é fundamental para que a população compreenda como essas propostas poderão aliviar a pressão sobre o sistema. O programa do Fuad traz uma continuidade e uma expansão das iniciativas iniciadas no primeiro mandato, algumas que foram parcialmente cumpridas e outras que permanecem como desafios”, analisa Ananda Ridart. 

Fábio Garrido avalia que Fuad tem utilizado o conhecimento que tem sobre o Plano Plurianual (PPA) e que muitas das coisas que está prometendo já estão em andamento, ou em fase de implementação de política pública, como a maternidade do Hospital Odilon Behrens. 

Em relação às parcerias público-privadas, o militante lembra que caberá, aos movimentos sociais e moradores da cidade, fiscalizar e rever os contratos, que muitas vezes são abusivos para o orçamento do município. 

Para Ananda, Bruno Engler, ao adotar propostas mais genéricas e menos quantificáveis, reflete um estilo de fazer política que é uma herança bolsonarista, caracterizada por discursos mais amplos e de impacto, mas muitas vezes vagos, que dificultam a avaliação concreta de resultados.

“Essa abordagem limita a possibilidade de prestação de contas efetivas e transparência com a sociedade, já que os compromissos apresentados de forma genérica tornam difíceis para a população medir o sucesso ou a falta dele ao longo do mandato”, critica. 

Mobilidade urbana 

Na mobilidade, Engler diz, entre outras coisas, que quer fiscalizar e aprimorar a gestão dos contratos do transporte coletivo de BH e realizar intervenções pontuais para solucionar os gargalos de trânsito, que serão apontados pela inteligência artificial. 

Já Fuad quer realizar a licitação e dar início à operação do novo contrato do transporte coletivo, para minimizar a tarifa pública e garantir serviços de excelência com ônibus novos, baixa emissão de poluentes e alta tecnologia. Além disso, propõe implantar um sistema de transporte coletivo totalmente integrado, com a possibilidade do pagamento de uma só tarifa para a realização de todas as viagens necessárias para alcançar o destino.

“Engler se concentra na supervisão dos contratos vigentes, o que pode não ser suficiente para resolver problemas estruturais no sistema de transporte da cidade. O contrato atual já é problemático e carece de uma revisão mais profunda. A fiscalização é importante, mas é preciso uma reestruturação contratual. A fiscalização por si só pode não alcançar mudanças importantes no serviço”, lembra Ananda. 

Fábio Garrido endossa o mesmo pensamento, alertando que é preciso rever todos os contratos em BH. 

“A proposta do Fuad está correta, mas, além disso, a gente precisa continuar lutando pela tarifa zero em Belo Horizonte, que é possível. Já foi implementado em outras cidades e é uma bandeira histórica da luta urbana da nossa capital”, observa. 

Edição: Ana Carolina Vasconcelos