Às vésperas das eleições, o debate sobre o papel do Estado e o impacto das políticas públicas para a população mais pobre intensifica-se em Belo Horizonte. Com a possibilidade de uma gestão que siga os princípios do neoliberalismo, representada pelo candidato Bruno Engler (PL), cresce a preocupação entre especialistas sobre as consequências na vida da população mais vulnerável.
Especialistas apontam que uma gestão de cunho privatista pode ocorrer, com cortes em políticas sociais e na participação popular, em um cenário que já enfrenta desafios estruturais de habitação e acessibilidade a serviços essenciais.
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Para Marina Sanders, arquiteta e urbanista, doutora pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), há uma visão partilhada entre Engler, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), seu apoiador, e o governador de Minas Gerais Romeu Zema (Novo), que é a de reduzir a atuação do Estado em políticas sociais.
“A gente teria menos servidores destinados ao trabalho social e às diversas políticas sociais. No caso da moradia, por exemplo, no governo federal, Bolsonaro acabou com o Ministério das Cidades. O Zema também tem uma dedicação muito pequena à pasta da habitação, num estado como Minas Gerais, que tem um déficit habitacional de meio milhão de domicílios”, lembra.
Além da questão habitacional, Sanders menciona a redução de espaços participativos e a criminalização dos movimentos sociais.
“No governo Bolsonaro, vimos o esvaziamento dos conselhos. Zema, em Minas, só convocou a Conferência das Cidades após pressão pública. Essas posturas são perigosas, porque afastam a população da discussão e da defesa de seus direitos”, pontua.
Ela ainda ressalta que, sem esses canais, fica mais difícil garantir direitos fundamentais, especialmente para aqueles em situação de vulnerabilidade.
Silenciamento de vozes
Elerson Silva, assessor da Cáritas Regional Minas Gerais, aponta que Zema, Bolsonaro e Bruno Engler têm em comum o pouco apreço pelo que é entendido por Estado Democrático de Direito.
“Uma democracia não se consolida somente pelo direito ao voto dos cidadãos, mas também pela participação direta da sociedade civil na elaboração e implementação das políticas públicas. Em uma democracia, a soberania é do povo, de modo que os representantes são eleitos para dar voz às demandas de seus eleitores, mas nunca para substituí-los”, afirma.
Para ele, a política representada pelos três é uma ameaça à população mais pobre porque eles demonstram ter pouco diálogo com as camadas mais populares da população.
“Estas pessoas são eleitas por uma camada privilegiada da sociedade e governam somente para ela. O pior é que, via de regra, são camadas enriquecidas, não pelo trabalho próprio ou ‘empreendimento próprio’, como gostam de alegar, mas sobretudo mediante isenções fiscais, créditos e parcerias muito generosas dos próprios governos, ou seja, do nosso próprio dinheiro”, reforça.
Para ele, é dever do Estado a erradicação da pobreza e a prioridade deve ser sempre a vida humana.
“Se você tem governantes que se regem em uma lógica capitalista de favorecimento do mercado, do lucro a todos custo, que enxerga qualquer política de proteção e de benefício da população mais pobre como um gasto a ser cortado, isso é desconsiderar o outro. E isso é uma ameaça não só à população mais pobre, mas as crises climáticas têm demonstrado que é uma ameaça a existência da vida na Terra”, acrescenta.
Moradias ameaçadas
Se o Engler for eleito, segundo Marina Sanders, o Fundo Municipal de Habitação será comprometido, já que está constantemente ameaçado por uma investida do setor empresarial, que busca enfraquecer o mecanismo da outorga onerosa do direito de construir, um instrumento de política urbana previsto em no Plano Diretor da cidade.
“Esse mecanismo tem sido atacado, especialmente na Câmara Municipal, e o partido de Engler [PL] tem apoiado esse desmonte, assim como a redução dos recursos destinados ao fundo de habitação”, observa.
Outra questão importante, segundo a arquiteta, é o terreno do aeroporto Carlos Prates, que está sendo cotado para a produção de moradias em parceria com o governo Lula (PT), por meio do programa Imóvel da Gente, que transferiu o terreno do local ao município.
“Esse terreno está em disputa, pois sabemos que partidos de direita, incluindo o de Engler, não apoiam essa proposta. Assim, corremos o risco de não conseguir expandir a política habitacional através da produção de unidades habitacionais nesse terreno, que é fundamental para a cidade”, justifica.
Edição: Ana Carolina Vasconcelos