Minas Gerais

DESMONTE

Educação em risco: trabalhadores denunciam privatização e perda de direitos em Nova Lima (MG)

Prefeitura do município inicia PPP no setor e anuncia cortes de direitos dias após a reeleição do atual prefeito

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
Ensino pode ser prejudicado por PPP na educação - Prefeituta de Nova Lima/reprodução


Os trabalhadores da educação de Nova Lima, município da Região Metropolitana de Belo Horizonte, criticam a adoção de uma Parceria Público Privada (PPP) nas escolas municipais. Eles também acusam o prefeito reeleito João Marcelo (Cidadania) de “enganar” os servidores e praticar “estelionato eleitoral”, já que  cortes em salário e benefícios foram anunciados apenas quatro dias após as eleições. 

A professora Roberta Zanon afirma que antes da votação para a prefeitura, o discurso do político era outro.

“Antes das eleições, foi informado para as servidoras que elas teriam os todos os direitos garantidos e não sofreriam nenhum tipo de perda com a PPP, que teriam o benefício de serem contratadas via CLT, o direito ao FGTS e à estabilidade. Eles não falaram exatamente o que ia acontecer, para não ter prejuízo eleitoral. Isso é um estelionato eleitoral”, denuncia. 

De acordo com as trabalhadoras, os atuais contratos serão encerrados no dia 4 de novembro e os novos têm um aumento na carga horária, que passará de 30 horas para 44 horas semanais, sem contrapartida salarial e com corte dos benefícios, como a redução no valor do vale refeição. Ainda, de acordo com elas, a medida foi anunciada sem diálogo com a categoria. 

Roberta explica que os auxiliares de serviço da educação básica (ASB) eram contratados pela prefeitura e tinham direitos semelhantes aos dos funcionários concursados. De acordo com ela, o executivo chegou a realizar um concurso para as vagas, mas não houveram nomeações. Agora, as trabalhadoras deixam de ser contratadas pela prefeitura e têm a possibilidade de ser contratadas pelo consórcio.

Roberta esclarece que a empresa responsável pela PPP oferta um contrato em condições inferiores e trata como um “favor” manter as trabalhadoras em suas funções. Ou seja, segundo a professora, as servidoras perdem direitos e têm como opções aceitar a situação ou perder o emprego, já que os contratos são feitos pela empresa e não existe critério legal que obrigue a concessionária a manter as condições anteriores. 

“A empresa diz que não tem obrigação nenhuma de contratar as funcionárias e que irá contratá-las a pedido do governo, do prefeito”, relata.

As PPPs

Otávio Henrique Ferreira da Silva, doutor em educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), explica que o autoritarismo é uma das características das PPPs, que tornam os servidores reféns das atitudes de empresas privadas para manterem os próprios empregos. Ele cita como exemplo os professores, mas essa situação se reflete em todo o funcionalismo. 

“Há uma fragilidade no acesso aos postos de trabalho e as relações de trabalho se tornam marcadas pelo autoritarismo, com restrições ao direito de questionar medidas ou posturas que contrariem os princípios de uma educação pública, democrática e de qualidade”, afirma. 

“Os professores acabam submetidos a uma ‘mordaça’, sem plena liberdade para exercer a docência, elaborar projetos pedagógicos ou abordar conteúdos curriculares que possam divergir das diretrizes do governo local, municipal ou da empresa. Esses profissionais podem ser ameaçados de demissão ou sofrer assédio moral”, continua Otávio.

A PPP da educação em Nova Lima foi aprovada pela Câmara Municipal no dia 22 de novembro de 2022, com 9 votos favoráveis e apenas um contrário, da vereadora Juliana Salles (PT). Já naquela época, os servidores se mostraram contra a iniciativa, mas tiveram suas reivindicações ignoradas pelo poder público. 

Roberta Zanon ainda argumenta que denunciou ao Ministério Público indícios de irregularidades na PPP e solicitou à câmara a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a situação, já que a empresa que ganhou o consórcio tem o mesmo quadro de sócios de uma outra empresa que venceu uma licitação de R$ 44 milhões para revitalizar praças. 

“Tem a questão da PPP ser feita por uma empresa que não cumpre os requisitos que foram firmados no dia da audiência pública, porque é uma empresa recém fundada com o objetivo de pegar esse contrato. Há também um conflito de interesses, porque um dos acionistas da empresa da PPP é o responsável técnico que assinou o estudo de viabilidade dessa PPP”, critica.

Riscos para a educação

Além das funcionárias que já estão à mercê da parceria, Roberta afirma que não existe garantias de que essa parceria não se estenda para outros setores e interfira diretamente no ensino, com o consórcio escolhendo professores, por exemplo. 

Ela cita que houve um concurso para as escolas do município, mas ainda sem resultado. O professor Otávio ressalta que essas medidas neoliberais interferem diretamente sobre os trabalhadores.

“Na medida em que essas parcerias são implementadas, a continuidade dos concursos públicos é comprometida. Muitos concursos em andamento não realizam as nomeações previstas, mesmo havendo candidatos aprovados, pois os cargos passam a ser preenchidos por meio de relações de trabalho fragilizadas”, comenta o especialista.

Ele também fala sobre uma questão fundamental para o ensino público: a alimentação fornecida nas escolas. Muitas crianças e adolescentes, em especial os que vivem em regiões mais pobres, fazem suas únicas refeições nas escolas e as PPPs podem impactar no fornecimento da alimentação. 

Em Nova Lima, as trabalhadoras com contrato encerrado são, em maioria, responsáveis pela limpeza  das escolas e pela alimentação dos estudantes. 

“Observamos em modelos de privatização relatos de trabalhadores sobre o controle rigoroso da alimentação das crianças. Houve situações em que o controle era tão severo que até a divisão dos alimentos era estritamente monitorada, resultando em uma precarização e subalternidade no fornecimento da alimentação escolar”, explica Otávio.

Entenda 

Uma PPP é uma espécie de acordo entre o setor público e o privado, onde o setor privado faz investimentos em aparelhos públicos em troca de contrapartidas. Por exemplo, uma empresa privada faz o recapeamento de uma estrada e passa a operar os pedágios do local. 

Na cidade de Nova Lima, o consórcio Educa Nova Lima foi o vencedor das licitações. A concessão tem um prazo de 30 anos, com um contrato no valor de mais de R$ 1,2 bilhão. Em contrapartida, além de administrar, a concessionária precisa reformar todas as 29 escolas do município e construir novas em um prazo de dois anos, que começam a contar em novembro deste ano.

Otávio explica que essas parcerias são o resultado do aprofundamento do capitalismo por meio do sistema neoliberal, que tomou conta da América Latina após os regimes militares. De acordo com ele, a educação é um dos setores fundamentais mais sujeitos a essas medidas e que em Minas essa iniciativa tem sido estimulada pelo governo de Romeu Zema (Novo). 

“Quando chegamos à questão da educação, percebemos uma fragilidade muito grande, em relação à privatização em outras áreas do setor público. O atual governo de Minas tem colocado como proposta a entrega do ensino público para escolas público-privadas, o que representa uma problemática com consequências seríssimas para a gratuidade da educação e para a manutenção desse direito fundamental”, conclui o pesquisador. 

O outro lado

A prefeitura de Nova Lima foi procurada pela reportagem, mas informou que o prefeito está de férias. O Brasil de Fato MG também tentou conversar com o secretário de educação, mas não tivemos retorno até o fechamento desta matéria. 
 

Edição: Ana Carolina Vasconcelos