Pessoas em situação de privação de liberdade, população que já costuma ser invisibilizada, vem sofrendo ainda mais com a emergência climática. Segundo ativistas dos direitos humanos, com a intensificação dos eventos extremos, a situação dos presídios em Minas Gerais se tornou ainda pior.
Eles denunciam que, além de não tomar medidas para minimizar os efeitos da crise climática, o governo do estado, sob gestão de Romeu Zema (Novo), tem atitudes que pioram a situação e que poderiam ser enquadradas como “tortura”. É o que afirma o jornalista, sobrevivente do cárcere e membro da Assessoria Popular Maria Felipa, Luan Cândido.
“Em vez de instalar ventiladores ou ar-condicionado, Zema cortou a energia das celas, deixando as pessoas no escuro, o que é considerado desumano, de acordo com os códigos internacionais de direitos humanos, com as Regras de Mandela e com outras convenções internacionais”, denuncia.
“Com o agravamento das condições climáticas, a situação se torna ainda pior, especialmente em celas superlotadas e sem ventilação. Muitos presídios ficam sem água potável, havendo horários limitados para o fornecimento de água. Em alguns casos, os presos precisam armazenar água em garrafas PET para beber. Esse problema é comum em muitos presídios de Minas Gerais. Eu mesmo, quando estive preso, cheguei a ficar seis dias sem água”, continua Luan.
Além do calor, outra preocupação são as chuvas que causam alagamentos em unidades prisionais e a proximidade dessas unidades com barragens de rejeitos de mineração com risco de rompimento.
“Quando há chuva em excesso, as áreas mais baixas dos presídios são inundadas. Além disso, em Minas Gerais, existe o risco de rompimento de barragens em alguns municípios, o que afeta os presídios e não apenas por questões climáticas, mas também pela exploração mineral desregulada, que já levou à desativação de presídios, como em Itabira”, destaca o jornalista.
Luan conta que, desde a pandemia, a associação recebe muitas denúncias dos familiares de presos, que afirmam que as pessoas estão em locais superlotados e abafados. Ele cita o exemplo do Complexo Penitenciário Feminino Estevão Pinto (Piepe).
“Na Piepe, desde a pandemia, as pessoas são mantidas em locais abafados, sem ventilação adequada. Todos os anos, as mulheres reclamam da falta de celas adequadas com ventilação. Desde a pandemia, o calor aumentou e a estrutura não mudou, tornando a situação desumana”, explica.
Dados do último relatório do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos de Minas Gerais (Conedh) mostram que, entre janeiro e novembro de 2023, das 840 denúncias de violações recebidas, 775 são relativas ao sistema prisional, ou seja, mais de 92%. Após fazer a análise das denúncias, o conselho as encaminha para os órgãos competentes.
A deputada estadual Andreia de Jesus (PT), presidenta da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), afirma que o principal problema enfrentado nessas unidades é a superlotação. Ela conta que o Conselho Nacional de Direitos Humanos fez uma visita aos presídios do estado e um relatório está sendo preparado.
“Essa movimentação também gerou uma resposta de vários órgãos do estado ao Ministério, explicando a situação dos presídios. O que motivou a vinda do Conselho foi o alto número de mortes no sistema prisional, incluindo suicídios não só por parte dos indivíduos privados de liberdade, mas também de agentes e profissionais que trabalham nesse ambiente”, destaca.
Risco em caso de incêndios
Outro ponto levantado por Andreia é que não existe previsão do aumento do orçamento de combate a incêndios em Minas Gerais e esse orçamento está sujeito ao teto de gastos imposto por Romeu Zema, o que impediria, por exemplo, a evacuação de um presídio em caso de incêndio.
“Considerando que a maioria dos presídios está localizada em áreas rurais ou de mata, a situação é crítica. Em caso de incêndios de grandes proporções, a evacuação dos presídios é praticamente inviável, o que torna essencial a adoção de medidas preventivas. Estamos buscando, junto ao governo do estado, ações de prevenção e controle de queimadas, uma vez que o estado é responsável pela gestão do sistema prisional”, relata a deputada.
Detentas são liberadas, mas sem diálogo com entidades
Luan afirma que uma das medidas tomadas em casos de crise é a liberação de algumas detentas, mas que isso é feito sem que exista diálogo sobre a situação das pessoas que continuam privadas de liberdade e enfrentando condições precárias de sobrevivência.
“Uma das medidas adotadas pelo Juiz da Vara de Execuções Penais foi liberar algumas presas. No entanto, nem o Judiciário nem o Poder Executivo dialogaram com os familiares ou com os integrantes da Frente pelo Desencarceramento, e não houve resposta do governo de Minas ou de qualquer instância para enfrentar a crise climática prisional”, relata.
Recurso destinado, mas não utilizado
A deputada Andreia de Jesus informa que foi destinado recurso ao Estado para que equipes de saúde sejam disponibilizadas para o atendimento em presídios por meio da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (Pnaisp), mas esse recurso ainda não foi aplicado.
“Foi destinado um valor significativo, mais de R$30 milhões, para Minas Gerais executar esse programa e montar equipes médicas e de saúde nos municípios para atender o sistema prisional. No entanto, até o momento, a maioria das prefeituras não implementou as ações previstas e muitos municípios estão respondendo judicialmente ao Tribunal de Contas, pois receberam os recursos, mas não montaram ou cadastraram as equipes para trabalhar”, destaca.
O outro lado
Procurado pela reportagem, o governo de Minas não respondeu até o fechamento desta matéria. O espaço segue aberto para manifestações.
Edição: Ana Carolina Vasconcelos