Minas Gerais

MOBILIZAÇÕES

Movimentos sociais recebem vitória de Fuad com ‘alívio’ e preveem intensificação das lutas

Prefeito reeleito firmou compromissos, mas estado de mobilização deve ser permanente

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
Foto - - Júnia Garrido

Movimentos populares de Belo Horizonte receberam a reeleição de Fuad Noman (PSD), que venceu a disputa pela prefeitura da cidade no último domingo (27), com “alívio”. Para as organizações, derrotar a candidatura de Bruno Engler (PL) foi um passo importante para impedir o avanço da extrema direita na capital mineira. 

Ao mesmo tempo, a renovação do mandato do atual prefeito aponta para um período de intensificação das lutas e de reorganização da esquerda no município. É o que explica Sílvio Netto, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). 

“O conjunto dos movimentos populares preservam a sua autonomia, diante de qualquer governo. Nos alegramos muito com a rejeição, no segundo turno das eleições, à extrema direita, ao fascimo e ao ódio da candidatura bolsonarista. Porém, é importante deixar claro que Belo Horizonte segue com milhares de pessoas famintas, com déficit de moradia, e precisa avançar na saúde e na educação”, explica. 

Esquerda foi importante para a vitória

Fuad Noman foi reeleito com 53,73% dos votos, contra 46,27% de Bruno Engler, vencendo em todas as regionais eleitorais da cidade. O prefeito foi quem mais atraiu o apoio de eleitores que, no primeiro turno, depositaram o voto em outros candidatos, incluindo postulantes do campo progressista e de esquerda. 

Uma pesquisa Datatempo, divulgada na sexta-feira (25), dois dias antes da votação, indicou que 72% dos que votaram em Rogério Correia (PT) no primeiro turno afirmaram que votariam em Fuad na segunda etapa da disputa. Entre os eleitores de Duda Salabert (PDT), 88,9% disseram apoiar o candidato do PSD no segundo turno. 

Eleição de Fuad é um marco, mas será preciso lutar para melhorar a realidade

Por isso, na avaliação Sílvio Netto, o resultado eleitoral também é uma sinalização para o prefeito reeleito sobre a importância de manter o diálogo com o campo progressista, popular e de esquerda da cidade. 

“Nós não vamos nos furtar a fazer a denúncia e a luta. É importante que o prefeito tenha aprendido uma lição: só foi possível essa reeleição porque nós somamos forças. Então, que ele [Fuad] esteja aberto ao diálogo e à participação popular na construção de políticas públicas que possam melhorar a vida da população”, comenta. 

Rejeição à extrema direita foi o principal saldo  

“Também esperamos que ele saiba reconhecer que foi a aliança democrática que o elegeu e que ele seja coerente com essa aliança durante o governo. Não se flerta com o fascismo”, finaliza o dirigente do MST. 

Jairo dos Santos, do Movimento de Trabalhadores Sem Teto (MTST), reforça a posição. Para ele, a atuação do campo progressista foi fundamental para impedir que Belo Horizonte tivesse uma administração alinhada a interesses autoritários e antipopulares. 

“A rejeição à extrema direita foi o principal saldo político desta eleição. Mas isso não basta, para a construção de um conjunto de políticas públicas que materializem direitos e tenham impacto na vida do nosso povo.  Qualquer um que ande pela capital vai ver muitas famílias em situação de rua e, nos morros, aglomerados e bairros periféricos, muitas famílias morando em área de risco sem qualquer alternativa”, comenta o dirigente do MTST.  

“Somado a isso, o transporte público continua ruim e caro, e a fome ainda é a realidade de muita gente. Assim, a eleição de Fuad é um marco na rejeição dos representantes do autoritarismo, mas as lutas continuam, uma vez que a vida do povo continua precária”, conclui Jairo dos Santos.

Questão do transporte será central no próximo período

Um dos temas que protagonizaram os debates e as campanhas dos postulantes ao cargo de prefeito de Belo Horizonte foi a questão da mobilidade urbana. 

Isso porque, além de ser um tema sensível para a população, a próxima gestão da prefeitura será responsável por rever o contrato com as empresas que administram os ônibus da cidade, previsto para encerrar em 2028. 

Na avaliação dos movimentos populares, o atual contrato é a raiz dos principais problemas enfrentados pelos moradores da capital mineira no que tange ao transporte público, por ser maleável com as empresas e abrir brecha para cobranças de tarifas altas, mesmo com veículos danificados, superlotação e alto período de espera dos usuários. 

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O economista André Veloso, que faz parte do Movimento Tarifa Zero BH, destaca que a fiscalização e a cobrança da prefeitura por um novo arranjo, mais favorável às necessidades da população, devem começar desde já. 

“A licitação para uma nova concessão precisa ser pensada a partir de agora. Viemos de um contrato que, claramente, não deu certo e é descumprido tanto pelas empresas quanto pela prefeitura. Precisamos criar mecanismos que aumentem o poder público sobre o sistema de ônibus, em detrimento do poder econômico e político das empresas”, avalia. 

Atualmente, as concessionárias possuem as garagens, o sistema de bilhetagem e os veículos, além de ser responsável pela manutenção e pela operação do sistema. À prefeitura, cabe somente o pagamento de um subsídio, que ultrapassa R$ 300 milhões. Para André Veloso, isso gera um desequilíbrio.

“A gente luta, por exemplo, para que o sistema seja com garagens públicas e bilhetagem eletrônica públicas. E que a licitação do fornecimento de veículos seja separada da operação, para que, caso uma empresa não esteja funcionando bem, você possa substituí-la”, explica. 

Defesa do meio ambiente

A defesa do meio ambiente e a preservação das áreas verdes é outro tema que pauta a atuação dos movimentos populares. Durante a campanha eleitoral, Fuad Noman assumiu o compromisso com entidades ambientalistas da capital mineira de proteger as serras e parques da cidade e de enfrentar de forma planejada e ambientalmente viável os efeitos da emergência climática. 

O prefeito reeleito também protagonizou embates com Bruno Engler sobre a questão da mineração e se comprometeu a proteger a Serra do Curral, cartão-postal e região estratégica para o abastecimento hídrico da capital, de empreendimentos minerários. 

Juliana Minardi, ambientalista do movimento SOS Mata do Jardim América e do Instituto Árvore, avalia que as perspectivas são positivas.

“As lutas seguem ativas. A preservação das áreas verdes e corpos d’água que resistem na cidade seguirá entre as prioridades dos movimentos ambientalistas. As perspectivas são positivas, dadas algumas sinalizações do Poder Executivo com agendas e iniciativas importantes, como o Plano Municipal de Arborização Urbana, instrumentos em curso que reforçam a participação da sociedade civil no planejamento, execução e fiscalização de atividades da gestão ambiental”, destaca. 

“A criação de novas Unidades de Conservação, como o Parque Ecológico Mata do Jardim América, é também um compromisso que nos deixa esperançosos em relação à gestão que se reinicia”, continua Juliana Minardi. 

Luta contra o racismo

Entidades do movimento negro de Belo Horizonte também firmaram compromissos com Fuad Noman durante a campanha. Em um evento de apoio, o prefeito destacou a importância da inclusão social e do combate ao racismo.

Alexandre Braga,  da União de Negras e Negros pela Igualdade (Unegro), avalia que, para a população preta e da periferia, a derrota de Bruno Engler foi uma conquista importante. Ele acredita que a nova gestão de Fuad Noman pode abrir espaço para o avanço das lutas antirracistas na cidade. 

“Recebemos a vitória com alívio. Agora, nosso desafio é avançar na luta antirracista. Nós aprovamos uma lei que proíbe pessoas que já cometeram crime de racismo de assumirem cargos públicos. Temos a perspectiva, por exemplo, dessa lei entrar em vigor no próximo mandato do prefeito eleito. Também esperamos um maior diálogo”, comenta. 

“A prefeitura vai precisar abrir um espaço maior para as questões étnico-raciais, na educação, ampliando os programas destinados aos jovens e adolescentes negros, para diminuirmos, nos próximos anos, a incidência de violência, que está muito grande na cidade”, continua Alexandre Braga. 

Há espaço para conquistas

Diante dos compromissos firmados pelo prefeito, Natália Ramos, do Movimento Brasil Popular, avalia que há espaço para os setores progressistas e populares vislumbrarem conquistas nos próximos quatro anos. Mas, para isso, ela enfatiza que é necessário manter um estado permanente de mobilizações. 

“É só com muita luta que nós, os movimentos sociais e sindicais, vamos cobrar dele [Fuad] a gestão que ele prometeu fazer, de uma BH com transporte de qualidade, com saúde, com moradia, com todas as políticas públicas fortalecidas. Nós esperamos diálogo, trabalho e que ele consiga dar respostas para o povo de Belo Horizonte, para os nossos problemas”, comenta.

 

Edição: Elis Almeida