O Sindicato dos Professores de Universidades Federais de Belo Horizonte e Montes Claros (Apubh), que representa os docentes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ganhou uma nova gestão no dia 15 de outubro.
Tendo tomado posse para o biênio 2024-2026, a chapa “Diálogo, Solidariedade e Luta” é encabeçada por Helder de Figueiredo e Paula, professor do Colégio Técnico da UFMG.
Além dele, foram empossados os eleitos para as diretorias executiva, setoriais, conselho fiscal e conselho de representantes da entidade.
Poucos dias após tomar posse como presidente do Apubh, Helder concedeu ao Brasil de Fato MG uma entrevista, na qual avalia o cenário da educação e indica as principais lutas e desafios para o próximo período.
“A universidade é uma arena de disputa. Há um projeto de acomodação neoliberal, mas há também uma orientação da universidade em uma perspectiva popular, a partir dos interesses do povo brasileiro, em contraposição aos interesses de mercado”, comenta.
Além disso, o professor tratou sobre o processo de greve da categoria no primeiro semestre de 2024 e os atuais desafios à organização sindical.
Confira a entrevista na íntegra:
Brasil de Fato MG - O APUBH é o sindicato que reúne e representa os professores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Qual o papel da entidade atualmente e qual é o cenário enfrentado pela categoria docente da instituição?
Helder de Figueiredo e Paula - O papel do sindicato é defender a universidade pública, gratuita, inclusiva e socialmente referenciada, assim como os direitos trabalhistas da categoria docente. Desde 2015, enfrentamos um subfinanciamento da educação federal, com a Emenda Constitucional (EC) 95, conhecida à época como “PEC da morte”, além de uma série de ataques que vêm comprometendo o orçamento e ameaçando a existência da universidade pública.
Justamente por isso, o papel do sindicato foi agudizado e se tornou ainda mais relevante, já que a universidade tem sofrido esse processo. Até o governo Lula 3, tínhamos a iminência até da privatização das universidades públicas.
A chapa eleita para a próxima gestão do sindicato, “Diálogo, Solidariedade e Luta”, tomou posse no último dia 15. Quais são os principais objetivos para essa nova gestão?
Primeiro, sobre a escolha do nome, de um tempo para cá, as chapas que se candidatam costumam escolher palavras de referência, que orientam o objetivo da própria chapa. As palavras escolhidas foram essas três: diálogo, solidariedade e luta.
A palavra diálogo está relacionada à importância que a chapa atribui ao diálogo em si, mas também, a necessidade de um sindicato de trabalhadores e trabalhadoras estar em comunicação com sua base, conseguir mobilizá-la, organizá-la e representá-la efetivamente, engajando a categoria na luta em defesa dos seus direitos.
Até o governo Lula 3, tínhamos a iminência da privatização das universidades públicas
A solidariedade vem do reconhecimento de uma função importante de qualquer sindicato, que é acompanhar as condições de trabalho, não deixando nenhum trabalhador sozinho. O sindicato é um órgão que zela, cuida e gera acolhimento.
Já a palavra luta se liga ao contexto, ao qual já me referi, em um recorte amplo de conjuntura, no qual o que mais temos feito, como categoria, é lutar. Além disso, este ano tivemos uma greve, que se inseriu na luta pela recomposição de salários e dos orçamentos universitários. Deste modo, entendemos que, no Brasil, um país de capitalismo periférico, não só conquistar, mas manter os direitos, é um processo de constante luta, o que justifica a palavra no nome da chapa.
Você tomou posse substituindo a professora Maria Rosaria Barbato, que esteve na presidência do APUBH no último biênio e, por isso, enfrentou a pandemia de covid-19 e o governo Bolsonaro. Na sua opinião, quais lições ficam do último período?
A gestão anterior, frente a esse contexto complicado, tinha um projeto geral que coincide com nossa gestão. Além de uma articulação do sindicato com outros sindicatos, entidades nacionais e também locais, e movimentos populares.
Então, talvez, a maior lição seja de que é preciso persistir no esforço de organizar o conjunto da classe trabalhadora, de organizar os docentes e as docentes da UFMG, que são a base do nosso sindicato, mas também, contribuir com esse esforço de outras entidades e movimentos populares.
Com a mudança de governo em 2022, a educação no Brasil passou a ter uma nova condução. Diante disso, como você enxerga a atual conjuntura da educação? Quais avanços já foram alcançados e quais entraves ainda permanecem?
Eu acho que muitos docentes das instituições federais naquele momento de eleição, em que o Lula se apresentou como candidato novamente, se posicionaram a favor da chapa Lula/Alckmin. Então, o APUBH, em assembleia, entendeu que era muito importante derrotar o governo Bolsonaro e, por isso, se declarou a favor de Lula. Lutamos pela eleição dele para o seu terceiro mandato.
Por outro lado, o governo Lula 3 é um governo de frente ampla, em uma configuração diferente dos primeiros governos do PT, e, por isso, possui muitas contradições. Além disso, vivemos no Brasil um cenário de “semiparlamentarismo”, com uma presidência enfraquecida, autonomia do Banco Central e emendas impositivas, com as quais Jair Bolsonaro (PL) evitou os processos de impeachment. Então, temos um governo em condições excepcionalmente difíceis.
Vivemos no Brasil um cenário de “semiparlamentarismo”
Apesar disso, o ministro da Educação é uma indicação direta do próprio presidente e é um um ministro sobre o qual temos muitas críticas. Camilo Santana foi, antes de se tornar ministro, governador do Ceará e, mesmo na sua gestão como governador, teve uma política educacional completamente orientada por fundações privadas.
Um claro exemplo é a questão do Novo Ensino Médio, que foi instituído por medida provisória durante o governo Temer. Já temos estudos demonstrando que essa medida retira dos filhos e filhas da classe trabalhadora o direito à educação. Entendemos que o Ministério da Educação fez uma condução pouco democrática desse processo, aceitando a tramitação do projeto, que, na verdade, manteve pontos muito problemáticos.
Com exceção de retornar a carga horária mínima de 1800 para 2400 horas das disciplinas clássicas, todos os outros retrocessos foram mantidos.
Basicamente, do ponto de vista da educação, não tivemos grandes mudanças. Tivemos uma interrupção dos ataques às universidades, mas não tivemos, na prática, avanços.
No início deste ano, parte da categoria aderiu a uma greve de professores de instituições federais que durou por volta de dois meses e terminou com o fechamento de um acordo junto ao governo federal. Qual é a sua análise sobre a greve e os seus resultados para a categoria?
A adesão à greve foi grande. Nenhuma greve tem 100% de adesão e, nesse caso, consideramos que a mobilização foi muito significativa e robusta. Nós estivemos entre as primeiras universidades que entraram em greve e, como a UFMG é grande, avaliamos que a adesão logo no início, teve uma importância para reforçar e construir uma greve ampla. Ao longo das primeiras semanas, o movimento foi se encorpando e ficando mais forte.
Do ponto de vista da avaliação, há ao menos dois critérios, o econômico e o político. Politicamente, num cenário de muitos anos sem mobilizações contundentes, construir um movimento grevista tão forte tem uma importância muito grande. Então, por esse critério, a avaliação é muito muito positiva.
O sindicato é um órgão que zela, cuida e gera acolhimento
No que diz respeito ao critério econômico, o que nós tivemos de concreto foi uma melhoria não desprezível da proposta inicial do governo em termos de reajuste salarial. Além de uma recuperação parcial dos orçamentos das universidades, foram então feitas duas liberações sucessivas de recurso, aumentando um pouco o orçamento, ainda que sem chegar ao patamar reivindicado.
Estamos vivenciando um momento de crescente negação da ciência, com frequentes ataques às universidades públicas, aos estudantes e aos profissionais da educação. Em sua opinião, qual é o papel da universidade pública e quais são os caminhos de reabertura de diálogo com a população?
Esse obscurantismo e negacionismo crescente na sociedade brasileira, relacionado ao crescimento da extrema direita, que também costumamos nomear como neofascismo, é um fenômeno mundial. Eu acredito que esse crescimento tem a ver com uma descrença no conjunto das instituições da democracia liberal burguesa. Existe uma falência em curso.
Esse sentimento social difuso e confuso tem sido capturado pela extrema direita, que precisa do obscurantismo como base para o seu projeto. Nesse sentido, as fake news e a criação dessa realidade paralela é necessária para eles. As universidades entram não como alvo dessa captura do sentimento anti-sistema pela extrema direita, mas como efeito colateral.
Manter os direitos é um processo de constante luta
O desafio não é pequeno. Assim, a universidade é, como qualquer outra instituição educacional, uma arena de disputa. Dentro da própria universidade há um projeto de acomodação da mesma a um projeto neoliberal.
Por outro lado, há uma orientação da universidade em uma perspectiva popular, a partir do entendimento dos interesses do povo brasileiro, em contraposição aos interesses de mercado.
É importante que a orientação vença na disputa interna, porque, na medida em que a universidade se torna mais socialmente referenciada, é possível combater a desilusão geral que alimenta o crescimento do neofascismo.
Diante desse cenário, quais devem ser as lutas do próximo período para a categoria?
Durante a nossa gestão, ocorre o cinquentenário do sindicato e o centenário da UFMG. Então, parte da nossa proposta é preparar essas celebrações, recuperando a história de lutas do sindicato e da universidade.
Além disso, nossa gestão vai ser atravessada por uma eleição de reitor, em 2026, que é uma disputa muito importante para a universidade. Essa eleição é muito estratégica para a defesa da universidade pública como um direito dos filhos da classe trabalhadora.
É possível combater a desilusão geral que alimenta o crescimento do neofascismo
Além disso, 2026 também terá a eleição para governador, que está diretamente ligada a uma pauta fundamental para a universidade, que é o processo de intervenção do governo Zema (Novo) na Fapemig, principal agência de fomento à pesquisa no estado, que teve sua autonomia reduzida e vivenciou cortes orçamentários.
Temos clareza de que esse governo ataca não só os direitos dos professores e professoras, mas de todos os cidadãos. Assim, nós vamos participar dos esforços de movimentos sindicais e populares, defendendo um projeto popular de país.
Edição: Ana Carolina Vasconcelos