Temos que dialogar com a desesperança e construir coletivamente um outro projeto de país
Saídas fáceis para problemas complexos sempre aparecem para turvar a realidade. Com certeza, esse é um aspecto que tem impulsionado as ideias da extrema direita neofascista pelo mundo. Coaches, influencers do "tigrinho", gurus religiosos, trumps e bolsonaros têm poder de persuasão diante da população trabalhadora que perdeu seus direitos, seu poder de compra e sua perspectiva de futuro.
Nós, que defendemos saídas anticapitalistas e coletivas, estamos lutando em condições muito difíceis
O discurso das saídas individuais por dentro do capitalismo, mas por fora da democracia, tem ganhado cada vez mais adeptos.
Esta é a primeira lição que devemos tirar das eleições municipais no Brasil: nós, que defendemos saídas anticapitalistas e coletivas, estamos lutando em condições muito difíceis e isso reflete a situação mundial na qual estamos inseridos.
Derrotamos Bolsonaro, mas ainda não vencemos o bolsonarismo. Os processos eleitorais têm demonstrado essa tendência e nossas vitórias são fundamentais, mas ainda parciais, a exemplo da própria eleição de Lula em 2022. E a pergunta que fica é: o que fazer?
‘A esquerda precisa dialogar com a periferia’
Sem dúvidas. Como parlamentar, tenho construído há anos um trabalho de base nas periferias de Belo Horizonte, em especial na região do Barreiro, em Belo Horizonte. Guilherme Boulos, nosso deputado federal e candidato à prefeitura em São Paulo, tem dedicado sua vida à luta por moradia.
O vereador mais votado do PSOL no Rio de Janeiro, Rick Azevedo, debate o tema do fim da escala 6x1, Proposta de Emenda Constitucional (PEC) elaborada por Erika Hilton no Congresso Nacional. A vereadora eleita do PSOL em Salvador, Eliete Paraguassu, é a primeira parlamentar quilombola da capital baiana.
Não só dialogamos com a periferia, mas somos parte da periferia. Não podemos cair no esquerdismo, que, muitas vezes, escolhe apagar o trabalho político desenvolvido por muita gente. Territórios periféricos e favelados são especialmente onde a democracia brasileira nunca chegou a ser plena. É onde, antes de chegar qualquer direito, chega a violência, a repressão e o controle, seja por parte do Estado, com a polícia, ou do crime organizado.
Não só dialogamos com a periferia, mas somos parte da periferia
A grande questão é que parte da juventude periférica tem sido cooptada pelo discurso da extrema direita, como o de Pablo Marçal e Nikolas Ferreira. Eles ressignificam a "esquerda" como parte de "tudo o que está aí" e a saída seria buscar individualmente o enriquecimento próprio.
Vendendo, por exemplo, o sonho de que se houvesse educação empreendedora nas escolas, ao invés do conhecimento científico, seria possível ascender socialmente. O falso discurso "antissistema", na verdade, é uma defesa do capitalismo neoliberal contra as ideias anticapitalistas.
Não foi por falta de diálogo com a periferia que Boulos não venceu as eleições em São Paulo. Mas porque ele enfrentou uma máquina eleitoral, midiática, econômica e política poderosíssima em um contexto no qual a correlação de forças para a esquerda está desfavorável e não pode ser resolvida apenas no período eleitoral.
‘Precisamos abandonar o discurso identitário e falar dos problemas da população’
Esse discurso é perigoso e pode transformar uma derrota política eleitoral em uma derrota estratégica. E, geralmente, vem acompanhado de uma ideia propagandeada pela imprensa empresarial de que a esquerda precisa recuar, ir ao centro, fazer alianças eleitorais que não coloquem candidatos do PT ou do PSOL para os governos. Se cairmos para esse lado, assinamos nossa derrota e recuaremos da nossa própria reorganização.
Aliás, o que seria abrir mão do discurso identitário? Seria recuar na necessidade de mulheres negras ocuparem os espaços de poder? Ou seria não lutar diante da ofensiva contra as LGBTI+ no parlamento? Seria abrir mão da disputa sobre a justiça reprodutiva e do direito de crianças que sofreram estupro de não serem mães?
O fato de a esquerda não ter chegado ao segundo turno em BH não podem significar um recuo da nossa estratégia
Esses são problemas muito concretos da população. Negar isso é nos excluir da disputa política. Pior ainda, é ignorar que as mulheres foram decisivas nas últimas eleições e evitaram que os resultados fossem ainda piores. Somos nós, mulheres negras e LGBTI+, que temos sido a vanguarda da resistência, inclusive entre a juventude.
Precisamos, ao contrário, estar cada vez mais conectados com as mulheres e construindo novas lideranças periféricas que sejam a cara do povo brasileiro. O identitarismo dos homens brancos que representam a velha política, esse sim, deveríamos abrir mão.
Não há atalhos, é preciso trabalho
Há diversas saídas e todas elas passam pela organização política e pelo trabalho de base. Na prática, nossas bases se desfizeram pelo avanço do capitalismo neoliberal dos últimos anos, com o fim dos direitos trabalhistas, as privatizações e a falta de perspectiva de futuro para a juventude.
É com essa realidade que precisamos dialogar e encontrar novas formas de organização da nossa classe que passam pelo debate do trabalho, mas também pelo remédio no posto, pela vaga na creche, casa para morar e terra para plantar. Passa também pelo combate à violência contra as mulheres, pelo fim do racismo e pelos direitos das pessoas LGBTI+. Passa por repensar as cidades neste contexto de emergência climática, passa pela preservação ambiental e transição energética.
:: Receba notícias de Minas Gerais no seu Whatsapp. Clique aqui ::
A derrota de Boulos em São Paulo, o fato de a esquerda não ter chegado ao segundo turno em BH, as votações do PL pelo país não podem significar um recuo da nossa estratégia. Essas são etapas de uma luta política muito mais profunda e não podem servir para nos desmoralizar. Na verdade, construímos mais uma trincheira.
E precisamos tirar boas conclusões para avançar, intensificar a luta política-ideológica contra o neofascismo e não recuar. Precisamos de mais organização e não menos, mais paciência e mediações políticas com a realidade. Nosso trabalho precisa continuar. Temos que dialogar com a desesperança e construir coletivamente um outro projeto de país.
Iza Lourença é vereadora em BH pelo PSOL.
--
Leia outros artigos de Iza Lourença em sua coluna no Brasil de Fato MG.
--
Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.
Edição: Ana Carolina Vasconcelos