No dia 5 de novembro de 2015, Minas Gerais viveu o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, que ficou conhecido como o maior crime ambiental da história do Brasil. O desastre-crime ceifou a vida de 19 pessoas e condenou o Rio Doce à lama, da nascente à foz.
O crime da Samarco/Vale/BHP expôs as debilidades do modelo de mineração no estado, que continua resultando em graves problemas, como o rompimento da barragem em Brumadinho, ocorrido em janeiro de 2019, que matou 272 pessoas.
A indústria da mineração é um grande contribuinte para as drásticas mudanças climáticas no mundo, sendo responsável por 20% das emissões globais de carbono e obrigando o deslocamento de comunidades vulneráveis.
Desde 2015, o território atingido pelo rompimento da barragem vive em estado de luto permanente em memória dos mortos. As famílias também vivem em luta pelos direitos das pessoas atingidas e construindo alternativas populares de recuperação da bacia. Um dos exemplos é a ação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em torno do Programa Popular de Reparação da Bacia do Rio Doce.
Cenário atual
Ao longo dos últimos nove anos, o MST construiu ações de resistência ativa, denunciando, por meio de ocupações, marchas e manifestações, o crime cometido pelas empresas.
Inúmeras vezes, as famílias sem terra estiveram sobre os trilhos da mineradora Vale para reivindicar justiça. Além de denunciar o projeto de exploração dos territórios pela mineração, o movimento também construiu propostas de reparação que trazem melhorias na qualidade de vida dos atingidos em toda a bacia.
Novo acordo
No dia 24 de outubro de 2024, o governo federal firmou um novo acordo de reparação para os atingidos, pessoas que tiveram suas vidas devastadas pelo rompimento, que impactou do município de Mariana, em Minas Gerais, até o município de Regência, no Espírito Santo.
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Segundo Silvio Netto, da direção nacional do MST, o novo pacto é uma vitória da luta dos movimentos populares e dos atingidos, mas o momento é de esperança vigilante.
“Não temos dúvidas de que o acordo pode significar uma grande mudança para melhor na vida do povo de todo território do Rio Doce. É uma grande oportunidade de mudar a história de degradação ambiental e social na região”, afirma.
O movimento entende que a repactuação proposta pelo acordo de reparação só foi possível em razão da organização de lutas populares e que é preciso fazer justiça, para que crimes ambientais movidos pela ganância e pelo lucro não sigam ocorrendo no Brasil e no mundo.
Construindo agroecologia no território minerado
Para o MST, uma das dimensões fundamentais dessa luta é a garantia da alimentação saudável e da recuperação ambiental, pois, na avaliação do movimento, é a partir da reforma agrária e da produção desenvolvida nos territórios que os atingidos podem refazer as suas vidas com dignidade.
A organização visa a construção de territórios reflorestados e agroecológicos, para produzir vida e alimento saudável para o povo brasileiro e irá plantar 100 milhões de árvores até 2030, em todo o país.
Na região atingida, o MST estruturou o Programa Agroecológico de Recuperação da Bacia do Rio Doce. O objetivo é recuperar, reflorestar, capacitar e prestar assistência técnica aos atingidos pelo crime.
Pautado nos princípios agroecológicos do cooperativismo, do não uso de veneno, da construção de novas relações entre os seres e de novos valores e práticas de cuidado com os recursos naturais, o movimento construiu três linhas principais de atuação: a educação, por meio de cursos de formação técnica; a produção de alimentos saudáveis; e o reflorestamento.
Segundo Silvio, o trabalho já está sendo realizado.
“Hoje, nós temos pouco mais de 2 mil hectares em processo de reflorestamento, em especial nas nascentes, nas áreas de recarga hídrica e nas áreas de preservação permanente (APPs). No próximo período, incluiremos mais 5 mil hectares. O acordo nos permitirá isso, pois obriga as empresas a fornecer as estruturas para o trabalho nos assentamentos”, explica.
Atualmente, a região tem se fortalecido na produção e na comercialização de alimentos saudáveis, a partir da construção de uma agroindústria de beneficiamento de polpa de frutas no assentamento Oziel Alves, em Governador Valadares.
Esses alimentos chegam à população urbana e também estão nos mercados institucionais, como a merenda escolar da rede pública.
O Programa Agroecológico de Recuperação da Bacia do Rio Doce também já construiu 150 barraginhas (tecnologia para captar água da chuva e abastecer o lençol freático), 59 biodigestores (equipamento que garante o tratamento do esgoto do banheiro nas áreas rurais) e diversos cursos técnicos de formação em agroecologia no território.
Edição: Ana Carolina Vasconcelos