Não é de agora que entidades estudantis e a reitoria da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) têm embates em relação ao comércio ambulante na universidade. Desde os anos 2000, a condução do assunto gera atritos no campus Pampulha da instituição. Porém, de acordo com estudantes e trabalhadores, o cenário ficou ainda mais complexo neste ano.
“Os ambulantes passaram a sofrer ainda mais pressões para desocupar o espaço, sob a alegação de que suas atividades são irregulares e prejudiciais à comunidade acadêmica, o que fortaleceu o monopólio das cantinas”, denuncia Maria Vitória Domingos, estudante de psicologia e membro do Centro Acadêmico do curso.
O movimento estudantil defende que o espaço público seja usado livremente, uma vez que esses trabalhadores cumprem um papel importante na universidade e dependem da arrecadação das vendas para o seu sustento.
É o que explica Lorrayne Lourença, estudante de terapia ocupacional e ex-diretora de Assuntos Estudantis do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFMG.
“Muitos deles estão dentro da UFMG há mais de 30 anos. Entendemos que a universidade pública é um espaço para todas as pessoas. Esses trabalhadores fazem o bem para os estudantes e a venda é a principal fonte de renda dessas pessoas”, afirma.
Venda é uma estratégia para se manter estudando
Além disso, muitos comerciantes são também estudantes e realizam esse tipo de atividade como uma maneira de se manter na universidade e em Belo Horizonte.
Aluno do Instituto de Geociências (IGC) entre os anos de 2005 e 2011, Daniel Russo, que hoje atua como comerciante de comida vegana na UFMG, conta que começou a vender pães, pastas e sanduíches naturais a fim de custear a permanência na faculdade.
“Eu era assistido pela Fundação Mendes Pimentel (Fump), que é a fundação de assistência estudantil da UFMG. Era aluno de baixa renda e, para subsidiar minha estadia na universidade, em termos de xerox, transporte e alimentação, eu precisava de alguma renda. Minhas aulas eram de manhã e de tarde. Então, a alternativa era tentar comercializar alguma coisa ali”, relembra.
Ele afirma também que, naquela época, a venda de produtos era uma prática cultural no campus e não gerava tantos atritos, mas, segundo Daniel, a repressão da universidade foi piorando com o tempo.
“Quando eu entrei, essa cultura de venda ambulante era uma coisa que convivia com o contexto acadêmico. Eu sinto que essa relação sempre foi saudável, porque é algo que é necessário para a comunidade acadêmica”, opina o vendedor.
Muitos comerciantes são também estudantes da universidade
Em 2016, anos após ter concluído a graduação, ao retornar ao convívio no campus como trabalhador ambulante, Daniel observa uma mudança enorme no tratamento.
“Eu percebi que tinha uma postura diferente dos guardas, da própria segurança universitária, no sentido de tentar coibir as vendas. Tentar impedir, perseguir, ameaçar e recolher algum material que estava sendo vendido”, comentou.
Importância da presença dos ambulantes
Para os discentes, o convívio com os ambulantes é sadio e proveitoso. Lorrayne afirma que os trabalhadores são fundamentais, uma vez que o valor dos produtos nas cantinas, por vezes, ultrapassa a possibilidade de gasto financeiro dos estudantes.
“Temos cantinas na UFMG que são extremamente caras e estudantes que entram na universidade cada vez mais vulnerabilizados socioeconomicamente. Mesmo com a assistência, o valor é insuficiente e não condiz com a realidade”, ressalta.
Além disso, por conta da alta demanda, as lanchonetes costumam ficar muito cheias. É o que relata Daniel Russo.
“O bandejão e as cantinas são super sobrecarregados de pessoas, que, mesmo precisando comer, não se alimentam em função do tamanho das filas. Quanto a minha produção, por exemplo, não existem alternativas veganas ", explica.
Apesar da perseguição, Daniel diz se sentir acolhido por estudantes e professores.
“Eu sinto, com relação a professores, alunos e servidores, muito respeito e cumplicidade, porque eu sou muito bem recebido. Me sinto parte da comunidade acadêmica”, afirma o ambulante.
Posição da UFMG
Por sua vez, a UFMG se posiciona contrária à presença dos ambulantes na universidade, com a argumentação de que a venda de alimentos dentro do campus é de exclusividade das empresas que administram as cantinas.
Procurada pelo Brasil de Fato MG, a instituição declarou que “mantém contratos formais, de diversas naturezas, com empresas dos ramos de alimentação, reprografia, bancos, entre outros, em consonância com a legislação aplicável ao assunto”.
Segundo a universidade, por isso, “a UFMG está impedida de aceitar a presença de ambulantes informais em suas dependências, sob risco de sofrer sanções”.
Como medida paliativa, a universidade recebe ocasionalmente feiras nas unidades acadêmicas, que permitem a venda de itens alimentícios, artesanatos e demais produtos, em dias específicos.
Porém, na avaliação de Lorrayne, isso não é o suficiente, uma vez que as feiras são pontuais e, dessa forma, não são capazes de garantir o sustento desses trabalhadores. Ela denuncia ainda que a universidade se recusa a abrir o cadastro de novos trabalhadores, o que restringe a efetividade das feiras.
“Tem algumas feiras organizadas pela instituição com vendedores ambulantes, que são registrados, mas eles não querem abrir um novo cadastro para registrar as outras pessoas da Associação de Vendedores Ambulantes e Autônomos da UFMG (AVAAU) para as feiras”, afirma a estudante de terapia ocupacional.
A associação
Como uma tentativa de estabelecer diálogo e resguardar-se, os trabalhadores ambulantes da UFMG criaram a AVAAU. Mas Daniel pontua que, mesmo com a formalização, o diálogo com a reitoria da universidade não melhorou.
“Mesmo formalizando e nos organizando, nós, ambulantes, que dependemos das vendas no campus para sobrevivência, não temos reconhecimento”, lamenta.
Proibição da venda nos centros acadêmicos
No caso da Fafich, os estudantes também levantam outra problemática: a proibição de qualquer tipo de comércio nas sedes das entidades estudantis. Segundo os discentes, a medida é equivocada, já que os centros acadêmicos são autogeridos, não recebendo verbas da UFMG e, portanto, dependem do que arrecadam para fazer a manutenção do espaço e de suas atividades.
“Nem os vendedores, nem os alunos e, agora, nem os centros e diretórios acadêmicos estão permitidos de comercializar”, denuncia Maria Vitória.
Diante deste cenário, Lorrayne afirma que as entidades estudantis continuam na luta em defesa dos comerciantes ambulantes da UFMG e por um espaço universitário mais democrático.
“A gente tem passado por um período de resistência às políticas higienistas e de desocupação do campus", finaliza.
Edição: Ana Carolina Vasconcelos