No mês em que se comemora o Novembro Negro, a prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) trouxe como tema da redação “Desafios para a valorização da herança africana no Brasil” e utilizou como texto base o enredo “Hitórias para ninar gente grande”, da Estação Primeira de Mangueira, que reconta a história do Brasil, dando ênfase à luta popular de negros e indígenas.
A escolha do tema aponta para a valorização das escolas de samba enquanto espaços de manutenção de saberes dos povos originários e afrodiaspóricos.
As tradições e elementos presentes nas agremiações, como o culto aos Orixás, Inquices e Voduns, os ritmos tocados pelas baterias e o girar das baianas carregam por gerações uma história que se mantém viva por meio da força popular.
O professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Marcos Alexandre afirma que as escolas de samba usam não só o enredo mas todas as suas práticas para manter viva a cultura das comunidades que vivem às margens das cidades e carregam a herança dos povos que foram subalternizados.
“É interessante pensarmos que, nessas comunidades, tem toda uma valorização de uma cultura que se dá a partir da memória. Esses espaços são compostos por pessoas que têm uma relação muito intrínseca com a questão da ancestralidade”, comenta.
Os saberes ancestrais são marcados pela oralidade e passados de geração a geração. As escolas de samba têm um papel fundamental na manutenção desses saberes, já que, de forma lúdica e poética, recontam essas histórias em espaços onde muitas vezes elas não chegariam facilmente.
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Ao levar a mitologia africana e narrativas ligadas aos povos negros e indígenas para avenidas geograficamente distantes das comunidades e ocupar espaços que, na maior parte do tempo, são negados aos povos negros, as escolas de samba fazem um movimento de resistência fundamental para a manutenção da herança que foi tema da redação do Enem.
O presidente da Escola de Samba Cidade Jardim, de Belo Horizonte, Alexandre Silva, afirma que as escolas são o maior espaço de resistência urbana do povo negro, ao lutar contra a invisibilizção que é imposta há séculos.
“Os nossos filhos e netos terão a oportunidade de saber que nós sempre fomos resistentes. Os escravizados, os nossos antepassados, sempre foram resistência à escravização. Houve muita luta”, destaca.
Alexandre afirma que todas essas histórias que a história não conta, como afirma o samba enredo da Mangueira, resistem nas escolas de samba e foi fundamental o tema ter sido abordado pelo Enem.
“Há muito a conquistar ainda, mas ser tema para a inclusão no nível superior de ensino é excelente e faz com que mais pessoas possam saber da verdadeira história”, comemora.
Escolas de samba evitam a morte simbólica do povo negro
Ao atuar na manutenção da cultura e dos saberes negros, as escolas de samba combatem o chamado epistemicídio do povo negro, que é a morte simbólica, ou apagamento da história, da religiosidade, da cultura, da linguagem e dos aspectos particulares desse povo.
“Um agrupamento de pessoas em torno de um ideal que envolve não só a cultura, mas também as práticas de sociabilidade dos povos africanos ensina aos mais novos a terem o pensamento da coletividade sempre em primeiro plano”, comenta o carnavalesco da Estação Primeira de Mangueira, Sidnei França.
Ele também destaca que a capacidade de ser alegre e festejar, mesmo em meio às dificuldades, faz parte da ancestralidade africana.
“Os saberes, os valores e todos os códigos comportamentais e simbólicos da negritude se encontram exaltados pelas escolas de samba nos pavilhões, nas alas de baianas, nas velhas guardas, e nos compositores, que compõem uma musicalidade popular coletiva, fazendo da informação um caminho de aprendizado por meio da alegria genuína do carnaval”, finaliza.
Edição: Ana Carolina Vasconcelos