Minas Gerais

BALANÇO ELEITORAL

Vereadores eleitos da capital identificam desafios e apontam perspectivas após eleições

Ampliação da bancada de vereadores e derrota de Engler: qual foi o saldo para a esquerda em BH?

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
Reprodução - Guilherme Dardanhan e Daniel Protzner/ALMG - Redes Sociais

Passado o segundo turno das eleições municipais, abriu-se no campo da esquerda um momento de avaliações e apontamentos de perspectivas para o próximo período da luta política. Na terça-feira (5), três dos vereadores progressistas eleitos em Belo Horizonte participaram de um debate público sobre o tema.

O encontro, organizado pelo Comitê Fora Zema, que reúne mais de 200 movimentos populares e sindicais, contou com a presença de Bruno Pedralva (PT), Iza Lourença (PSOL) e Luiza Dulci (PT). O crescimento de setores extremistas, os desafios do trabalho de base nas periferias, o papel da esquerda no interior da frente ampla democrática e a falta de acesso a direitos básicos por parte da população mais vulnerável foram alguns dos assuntos abordados pelos debatedores. 

Combate à extrema direita

Para derrotar o candidato bolsonarista Bruno Engler (PL) no segundo turno das eleições para a prefeitura, formou-se na capital mineira uma frente democrática em apoio à reeleição de Fuad Noman (PSD). A esquerda, que se unificou em torno da candidatura de Rogério Correia (PT) e Bella Gonçalves (PSOL) no primeiro turno, participou ativamente do movimento. 

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Para o Bruno Pedralva, esse foi um dos principais saldos da disputa, que, na avaliação dele, além de ter sido influenciada pela polarização nacional, será determinante para os rumos do município e do país. 

“Nós tivemos três grandes vitórias. A primeira foi a ampliação da bancada progressista na Câmara de Vereadores, quando quase ninguém previa isso. A segunda é que propagandeamos o nosso projeto, de denúncia da mineração, de defesa da renda mínima, da melhoria do transporte público, da educação, da saúde e da assistência. E a terceira foi derrotarmos o candidato bolsonarista”, elenca o vereador reeleito. 

“Ao longo da eleição ficou evidente a polarização. A maioria dos conservadores escolheram Bruno Engler e a maioria do campo democrático votou no Fuad. Dois projetos ainda disputam o Brasil: o neofascista, autoritário, ultraliberal e conservador, organizado pelo bolsonarismo; e o projeto democrático, que derrotou Bolsonaro nas urnas em 2022,  liderado pelo presidente Lula”, continua.

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O PL, partido de Jair Bolsonaro, foi o que fez mais cadeiras na Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH), com 6 vereadores eleitos. A segunda sigla como mais representantes na CMBH a partir de 2025 será o PT, que elegeu 4. Ao todo, a esquerda belo-horizontina conseguiu dobrar a quantidade de representantes no Legislativo. 

Ainda assim, diante da presença considerável da extrema direita na Casa, Iza Lourença reforçou a necessidade de observar com cautela como tem se dado a dinâmica política no país. 

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“Derrotamos Bolsonaro em 2022 e Engler em 2024, mas ainda não derrotamos o bolsonarismo. O PL, infelizmente demonstrou uma grande força nesta eleição. Existe uma frase muito marcante de um filósofo que diz: ‘não rir, nem lamentar, mas compreender’. Eu acho que essa é uma tarefa nossa no pós eleições. Precisamos compreender o cenário para identificar como devemos atuar”, orienta a vereadora reeleita.

“Vivemos uma profunda crise mundial, econômica, política e ideológica. Saídas fáceis para problemas complexos não serão suficientes. A extrema direita está crescendo não só no Brasil, mas no mundo inteiro. A grande questão que fica é como vamos construir uma alternativa anticapitalista em um mundo cada vez mais individualista. Como vamos construir uma consciência coletiva no nosso povo?”, indagou.

Passamos por três eleições que não aconteceram em condições normais no país

Em Minas Gerais, o Partido dos Trabalhadores conseguiu impor à extrema direita outras duas derrotas que, na avaliação de Luiza Dulci, também foram fundamentais: as eleições  de Marília Campos em Contagem e de Margarida Salomão em Juiz de Fora.  Para a capital mineira, a vereadora eleita, que assume o seu primeiro mandato no próximo ano, acredita que é necessário ter um pensamento mais estratégico e de longo prazo. 

“Passamos por três eleições que não aconteceram em condições normais no país. Em 2016, estávamos no processo do golpe contra Dilma Rousseff. Em 2020, foi ano de pandemia. E, agora, também não foi uma eleição normal, pelo avanço da extrema direita e o peso que tiveram as emendas parlamentares, que contribuiram para a eleição de representantes de partidos da direita”, relembra.

“Temos um cenário ainda incerto sobre o que vai acontecer na prefeitura, mas, sem dúvidas, é o melhor cenário, diante do que estava posto no segundo turno. Mas falta algo que consiga nos unir, uma agenda maior, que amarre as diversas questões que tocam a vida do nosso povo. Precisamos de um projeto que acumule. BH tem um histórico de gestões do campo democrático e popular que são referencia para todo o Brasil”, continua Luiza. 

Programa, periferias e frente ampla

Diante do resultado das eleições, nas redes sociais e internamente aos partidos, lideranças políticas defendem suas teses sobre o balanço da participação da esquerda no pleito e quais deveriam ser os próximos passos a serem tomados. 

Os três vereadores eleitos de BH chamam a atenção para algumas das ideias defendidas que, na avaliação deles, podem ser traiçoeiras. Uma delas é a defesa de que, para enfrentar a extrema direita, a esquerda deveria vestir uma roupagem mais ao centro e abandonar parte de suas pautas.  

“Esse discurso vem muitas vezes aliado a ideia de que a esquerda deveria abrir mão de se colocar nas eleições, de que não deveria ter apresentado candidatos em algumas capitais do Brasil. Eu me pergunto ‘se a gente não tivesse tido uma candidatura de esquerda em BH, teríamos ampliado a nossa bancada?’. É óbvio que devemos avaliar o processo, mas abrir mão da disputa é abrir mão da possibilidade de ganho”, contrapõe Iza Lourença.

A vereadora do PSOL avalia que, na realidade, a postura do campo progressista deveria ser o oposto, ampliando a disputa de projetos na sociedade: “A saída é a organização política e mais trabalho de base”.

Só vamos ter força se levarmos o nosso programa e as nossas pautas

Parte dos setores que defendem uma suposta “descaracterização” da esquerda, o fazem com o argumento de que essa tática seria necessária para manter organizada a frente ampla democrática - unidade entre segmentos de diferentes espectros políticos que se contrapunham ao projeto defendido por Jair Bolsonaro - que possibilitou a eleição de Lula em 2022. 

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Todavia, Bruno Pedralva acredita que, para manter essa articulação forte e com capacidade de vencer as eleições de 2026, na realidade, a esquerda precisa ampliar as suas forças. 

“E nós só vamos ter força se levarmos o nosso programa e as nossas pautas”, defende. 

Também foi levantado por alguns setores da esquerda a hipótese de que o resultado eleitoral aquém das expectativas seria fruto da ausência de trabalho de base nas periferias e de um suposto “abandono” das pautas populares, em razão do crescimento do “identitarismo”. Iza Lourença e Luiza Dulci também divergem dessas avaliações. 

“Não resta dúvidas de que a esquerda precisa aumentar o diálogo  com as periferias. Mas precisamos reconhecer que tem gente fazendo este trabalho. Nós, inclusive, somos parte da periferia. Tem muita gente fazendo trabalho nas periferias, criando cozinhas solidárias, por exemplo. Sim, nós precisamos de mais, mas não dá para esquecer de quem tá fazendo esse trabalho árduo”, pontua a vereadora do PSOL. 

“‘Identitarismo’ é uma palavra péssima e chama a atenção como a extrema direita conseguiu trazer candidatas mulheres, pessoas negras e LGBTs para disputar as eleições. São lidernaças que estão sendo oportunistamente aproveitadas pelos partidos de direita e de extrema direita”, alerta Luiza Dulci.

Edição: Elis Almeida