PEC já tem mais de 200 assinaturas
Deus ajuda quem segue na luta. Falta pouco para derrubarmos uma legislação, promulgada há 81 anos, que define nossas jornadas de trabalho até os dias de hoje. O Movimento Vida Além do Trabalho (VAT), encabeçado por Rick Rodrigues, o vereador eleito mais bem votado do Psol no Rio de Janeiro, mobilizou as redes sociais pelo fim da escala 6x1 e já conseguiu mais de 2 milhões de assinaturas favoráveis em uma petição online. Esse regime de seis dias de trabalho e um de descanso está previsto na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) de 1943.
O debate sobre a mudança nas escalas de trabalho ganhou tanta força na última semana que a deputada federal Erika Hilton (Psol-SP) transformou a demanda em uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que muda a redação do artigo 7º da Constituição.
Nikolas Ferreira (PL) e Zema (Novo) estão esbravejando contra o projeto que determina o fim da escala 6x1. Nikolas recebe mais de R$ 39 mil por mês e Zema aumentou o próprio salário em 300%
Em cinco dias, a parlamentar e seus apoiadores conseguiram mais de 200 assinaturas favoráveis ao projeto. É bom lembrar que ainda temos chão pela frente. A aprovação de uma PEC depende dos votos favoráveis de três quintos dos deputados (308), em dois turnos de votação.
Com o apoio de parlamentares do Partido Socialismo e Liberdade (Psol) e do Partido dos Trabalhadores (PT), a proposta enfrenta resistência de partidos da direita, inclusive bolsonaristas de Minas Gerais. O deputado federal Nikolas Ferreira (PL) e o governador Zema (Partido Novo) têm esbravejado nas redes sociais contra o projeto que beneficia os trabalhadores mais explorados. Logo eles. Nikolas recebe mais de R$ 39 mil por mês e Zema aumentou o próprio salário em 300%.
Zema declarou, nas redes sociais, que as relações de trabalho devem ser feitas em acordo entre empregador e empregado, sem leis trabalhistas: "Isso deveria ficar a cargo da empresa e de seu trabalhador. A relação de emprego deveria ser tratada igual a de casamento. Ninguém é obrigado a casar e a tolerar coisas com as quais não concorda. E você deveria ver nestes contratos, na minha opinião, caso a caso. Nós ficamos acreditando que lei é que resolve. Na minha opinião, o que resolve é gente responsável e que cumpre contrato".
A direita que resiste ao fim da escala 6x1 é a mesma que diz defender “Deus, pátria e família”.
No entanto, nós, trabalhadores, sabemos que, na grande maioria dos casos, os patrões não cumprem os contratos. E nós, mulheres, sabemos que as relações de casamento são tão abusivas quanto as relações de trabalho. Essa fala neoliberal de Zema não me surpreende. Ela só favorece a hegemonia de pessoas que já estão no poder, como o próprio governador. Os deputados federais de Minas têm a obrigação de votar a favor dos trabalhadores, tendo em vista que o estado está no topo da lista suja dos casos de trabalho análogo à escravidão. E também no alto da lista de estados com mais feminicídios.
As contradições não param por aí. A direita que resiste ao fim da escala 6x1 é a mesma que diz defender “Deus, pátria e família”. Mas, família para quem? Família quando, se quem trabalha seis dias por semana não tem tempo de conviver com os seus parentes ou de acompanhar o crescimento dos filhos? Deus quando, se o trabalhador não tem tempo de participar de seus cultos e rituais? Pátria para quem, se quem segura a economia do país não tem tido o direito de desfrutar do que produz?
E, por falar em pátria, atos contra a escala 6x1 aconteceram em todo o Brasil no dia 15 de novembro, Dia da Proclamação da República. Em Belo Horizonte, a manifestação saiu da Praça Sete, no Centro da capital.
Entenda a proposta
A proposta que Erika Hilton emplacou no Congresso tenta adaptar o nosso país a modelos de trabalho mais flexíveis, reconhecendo as demandas por mais qualidade de vida e as novas realidades do mercado.
A PEC propõe uma jornada máxima de trabalho de 36 horas semanais, em contraposição às 44 horas previstas na CLT, e também tenta abrir espaço para o modelo de quatro dias de trabalho, que já é utilizado em vários países do mundo e que têm apresentado bons resultados, levando em conta o aumento da produtividade dos trabalhadores. Na lei atual, é facultada a compensação de horários e a redução de jornada, o que ocorre em acordos ou em convenções coletivas.
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“Isso tira do trabalhador o direito de passar o tempo com a sua família, de cuidar de si, de se divertir, de procurar outro emprego ou até mesmo se qualificar para um emprego melhor. A escala 6x1 é uma prisão, e é incompatível com a dignidade do trabalhador”, é o que defendeu Hilton na rede social X.
Se “Deus ajuda quem cedo madruga”, por que só os pobres se levantam de madrugada para pegar ônibus e metrô lotado para ir trabalhar, limpando e organizando a vida para que o restante da população possa acordar mais tarde e curtir a casa limpa nos fins de semana? Quando essas pessoas descansam? Elas descansam?
Os patrões sempre vão tentar manter tudo como está, enquanto trabalham para retirar os direitos que já existem.
Desconstruindo mitos
Empresários, setores que se beneficiam com a exploração dos trabalhadores e a maioria dos políticos de direita têm inventado todo o tipo de falácias e fake news para tentar barrar a PEC. Uma delas é que o fim da jornada 6x1 será prejudicial para a economia. Essa fala se repete no Brasil a cada tentativa de avanço no universo dos direitos dos trabalhadores.
Foi assim em 1888, quando a escravidão foi abolida, em 1936, quando foi instituído o salário mínimo, em 1962, com a conquista do 13º salário e em 2013, com a PEC das Domésticas. Os patrões sempre vão tentar manter tudo como está, enquanto trabalham para retirar os direitos que já existem.
Vários países já experimentam este modelo com redução de jornada, sem crises econômicas, sem aumento no preço dos produtos e ainda com redução nos custos com saúde e maior consumo de cultura e lazer.
A proposição da deputada federal sugere que a redução da carga de trabalho poderia, inclusive, gerar 6 milhões de postos de emprego, além de reduzir o número de demissões e a rotatividade, o que gera economia para os empregadores, pois reduz treinamentos e substituições frequentes. Outra vantagem é a possível diminuição de faltas dos empregados, que terão mais tempo livre para prevenir e tratar questões de saúde, por exemplo.
O regime 4x3 tende a contribuir para aumentar a produtividade dos profissionais, tendo em vista que pode ajudar a tornar o ambiente de trabalho mais saudável. Com a mudança, as pessoas terão mais tempo para descansar, estudar, encontrar amigos, cuidar de si mesmas e de outras pessoas.
E, por falar em cuidado, a redução do tempo no trabalho vai ser benéfica sobretudo para as mulheres, as grandes responsáveis por este trabalho invisível e invisibilizado. As mulheres dedicam o dobro de seu tempo ao trabalho doméstico e de cuidado com familiares e pessoas com deficiência ou com outras condições de vulnerabilidade. Com isso, sofrem com impactos em suas carreiras, em sua autonomia, sobretudo econômica, e na saúde física e mental.
Pesquisas mostram que, no Brasil, as mulheres são mais afetadas pela síndrome de burnout, que é causada pelo estresse crônico no trabalho. Dados da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamt) apontam que cerca de 30% dos trabalhadores brasileiros sofrem com a síndrome.
O país é o segundo com mais casos diagnosticados no mundo, superado apenas pelo Japão, que tem cerca de 70% da população afetada. É o que diz um estudo da International Stress Management Association (Isma).
Que a dignidade se faça costume
É por isso que vamos seguir pressionando para que a PEC que quer exterminar a escala 6x1 avance e seja debatida e aprovada com celeridade. Não temos mais tempo a perder.
Queremos celebrar esta vitória, como comemoramos na terça-feira (12) a aprovação da Política Nacional de Cuidados na Câmara dos Deputados, que seguirá para o Senado Federal.
A defesa dos direitos trabalhistas, da CLT e a luta contra a precarização do trabalho está mais viva do que nunca, é uma pauta histórica em nosso país que voltou com tudo
E festejamos também a retomada do debate de um tema tão importante para todas as pessoas que trabalham e sustentam o país e os privilégios de quem não trabalha e quer manter tudo como está.
Em poucas semanas, a PEC ganhou a boca do povo e trouxe de volta o sentimento de luta, de pertencimento e de revolta com um sistema que nos explora, nos desumaniza e nos obriga a correr por falsas urgências. Correr tanto para quê? Para adoecer mais rápido, para ficar tão exausto que não consegue reagir? Esse modelo é um atraso de vida. Urgente é a dignidade. Urgente é ter tempo para viver e não somente sobreviver.
A defesa dos direitos trabalhistas, da CLT e a luta contra a precarização do trabalho está mais viva do que nunca, é uma pauta histórica em nosso país que voltou com tudo. A saída continua sendo pela esquerda. E vale lembrar, inclusive para a esquerda centrista, que tanto critica o identitarismo, que foi justamente uma mulher trans e negra quem conseguiu trazer a luta de classes de volta para as massas. Saudemos Érika Hilton, líder da nossa bancada do Psol, que nos recorda a cada passo de seguirmos firmes por essa luta que é de 99% da população.
Bella Gonçalves é uma mulher, lésbica, lutadora pelo direito à cidade e deputada estadual de Minas Gerais (PSOL).
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Leia outros artigos de Bella Gonçalves em sua coluna no jornal Brasil de Fato MG.
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Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.
Edição: Ana Carolina Vasconcelos