Minas Gerais

Coluna

Reconstruir o modo petista de lutar e de governar

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Reprodução - MST
Temos história e não podemos renunciar aos nossos princípios, valores e experiências

por Adriana Souza e André Luan Nunes Macedo

Neste artigo, buscamos refletir sobre as eleições municipais, a partir de alguns resultados do Partido dos Trabalhadores de Minas Gerais e, especialmente, de Contagem.  O intuito é identificar nossos desafios e tirar lições dos processos eleitorais de 2024. 

Em Minas Gerais, assim como em boa parte do país, a situação do PT é difícil e exige um esforço coletivo de reflexão. Comemoramos as reeleições em primeiro turno da prefeita Marília Campos - um feito histórico, sendo a prefeita mais votada do Brasil, caminhando para o seu quarto mandato – e de Margarida Salomão, em Juiz de Fora. 

Em Belo Horizonte, sofremos uma dura derrota, onde o campo progressista, democrático e popular foi a campo com duas candidaturas, uma fragmentação que dividiu nossa força política e social e impediu que a candidatura petista do deputado federal Rogério Correia fosse para o segundo turno. 

Nas dez maiores cidades de Minas, o PT teve candidaturas em seis delas, sendo vitorioso somente em duas, dado que merece uma atenção especial. 

Centro vence em cidades importantes

O centro saiu vitorioso e a extrema direita avançou em Minas Gerais, elegendo seus candidatos em Ipatinga e Governador Valadares, deixando saudosas lembranças do cinturão vermelho formado por gestões progressistas na Região do Vale do Aço, durante os anos 1990, ou na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), em meados dos anos 2000. 

Além disso, Bruno Engler (PL) chegou ao segundo turno em Belo Horizonte. Apesar de ter perdido, o candidato da extrema direita acumulou politicamente, obtendo 577.537 votos (46,27% dos votos válidos). A capital mineira ficou com Fuad Noman (PSD), prefeito reeleito. 

Ampliação no parlamento

Do ponto de vista parlamentar, comemoramos o aumento da bancada do PT em Belo Horizonte, em Contagem e em algumas cidades do interior e da RMBH. Saltamos de duas candidaturas eleitas para quatro em Belo Horizonte e de duas para três em Contagem, o que ampliará nossa força de contenção ao avanço da plataforma política neoliberal e conservadora nas cidades. 

Pensando na centralidade da disputa do parlamento na conjuntura atual, essa pequena ampliação nos dá um certo alento na conjuntura adversa em que vivemos. 

A vitória política e eleitoral em Contagem

No caso de Contagem, a correlação de forças foi mais favorável. Marília Campos contou com uma ampla aliança política com mais 13 partidos em uma frente ampla e democrática na defesa da continuidade do seu projeto de cidade. O processo contou com partidos de esquerda, centro esquerda e centro direita.

Marília Campos conseguiu derrotar o extremismo, construindo uma polarização de outro tipo, onde a avaliação da sua gestão foi o cerne da disputa. Ao priorizar a agenda afirmativa do seu projeto de cidade, evitou a nacionalização da disputa, consolidou a municipalização do debate, mantendo sua identidade petista e apresentando as marcas de sua gestão. 

Marília recebeu, em 2020, uma Contagem abandonada, com sua infraestrutura precarizada, obras paradas e políticas sociais quase inexistentes. Hoje, a cidade retomou o seu projeto desenvolvimentista e popular, com suas ruas devidamente pavimentadas, praças e parques revitalizados, novos equipamentos públicos entregues, política de valorização do SUS, do SUAS, da educação e dos servidores públicos, geração de emprego e renda, popularização da cultura, entre outros avanços. 

Do ponto de vista financeiro, as contas estão em dia, mostrando que é possível ter uma cidade dinâmica, próspera e desenvolvida, com investimentos e equilíbrio fiscal.  

O resultado foi uma grande vitória política e eleitoral: em 2020, Marília venceu as eleições com 147.768 votos no segundo turno e, em 2024, venceu em primeiro turno com 188.228 votos, ganhando em todas as regiões da cidade e em quase todas as escolas, como se pode ver no mapa abaixo.


Os círculos representam as escolas. Em vermelho, estão todas as escolas em que Marília obteve mais votos. O tamanho dos círculos representa o tamanho da votação dela. / Reprodução

Do ponto de vista do Partido dos Trabalhadores em Contagem, aumentamos nossa bancada de vereadores. Reelegemos nossos dois parlamentares e elegemos a terceira, ampliando nossa votação em números absolutos. 

Em 2020, o partido obteve 19.532 votos e, em 2024, alcançou 32.137 votos. Para a nossa surpresa,  a votação na candidatura de Adriana Souza foi maior que a votação de legenda, obtendo 8.205 votos, a quarta maior da cidade, sendo a mulher mais votada da história de Contagem para a Câmara Municipal e única vereadora petista a ultrapassar os votos da legenda na cidade. 

Vale destacar que a campanha da companheira foi combativa, militante, mobilizada e identificada com os símbolos do partido e da esquerda, tendo realizado, uma semana antes das eleições, uma Marcha por Justiça Climática, que reuniu centenas de pessoas que caminharam quase 3km para se comprometer com a agenda ambiental e climática.

Mesmo diante deste cenário de vitória do nosso campo, a extrema direita conseguiu garantir um crescimento relativo no município, já que elegeu três parlamentares com votações expressivas e identificados com o seu programa político. 

Nesse sentido, apesar de Marília ter conseguido conter o avanço de uma polarização nacional que, como a própria prefeita diz, seria jogar na “arena do adversário”, podemos ver seus efeitos reais no município na eleição dos vereadores do PL, que teve 21.214 votos em 2020 e 32.782 votos em 2024. 

A configuração que saiu das urnas para a Câmara de Contagem garantiu maioria ao governo eleito, sendo 16 dos 25 vereadores eleitos filiados aos partidos da coligação. Além disso, três dos quatro vereadores que faziam oposição ao governo, não conseguiram se reeleger, resultado que reforça a força da aprovação do governo Marília. 

Diante desse quadro, podemos extrair algumas contribuições dessa experiência para o longo debate que deve se dar em torno dos desafios do próximo período para o partido e para todo o campo das esquerdas. 

Retomar o fio da história e reconstruir o “modo petista de lutar e governar”

Assistimos mais uma vez o debate público entre companheiros do PT refletindo sobre o baixo desempenho eleitoral durante o pleito de 2024. O debate é saudável e merece uma discussão profunda. Afinal, isso é que faz com que o PT seja o partido mais democrático do Brasil. 

Neste primeiro momento de balanços espontâneos, três posições ganharam mais destaque em Minas Gerais. De um lado, membros da direção majoritária que estão há anos conduzindo o partido “exigem”, por meio das redes sociais, uma “renovação” e “atualização” do PT. 

Uma segunda posição apostou, quase exclusivamente, na nacionalização da disputa eleitoral, tentando atrelar a imagem de Lula à busca dos votos no município, em especial na capital. 

E uma terceira, que defendeu a municipalização do debate eleitoral, assumindo um projeto de disputa pautado nos projetos e interesses locais das cidades, capitaneado por Contagem e, em alguma medida, por Juiz de Fora. 

As três posições têm elementos importantes e, ao nosso ver, deveriam dialogar entre si. O partido não pode apostar em uma renovação “que parta do zero” e se articule, artificialmente, às novas demandas do mundo do trabalho e a uma reconexão com o povo pautada em valores forjados pela subjetividade neoliberal e conservadora. 

Temos história e, após termos sido a força que mais promoveu mudanças para as maiorias no século XXI, não podemos renunciar aos princípios, valores e experiências que nos constituíram. 

O futuro do partido e a sua renovação dependem da retomada das duas outras posições, que supostamente não deveriam conflitar entre si e, pelo contrário, deveriam ser complementares.  

O Partido dos Trabalhadores preparou o terreno para a eleição do presidente Lula quando se municipalizou, por meio de experiências exitosas em cidades estratégicas, e tinha estreitos laços com as maiorias populares, seja nas associações de bairro, no movimento sindical e em outras organizações de luta. 

Esse perfil combativo consolidou uma inovação institucional, combinando democracia representativa e participação popular: o Orçamento Participativo. A construção de uma experiência democrática a partir da institucionalidade foi um momento importante que marcou a memória histórica da população que governamos. 

A despeito das contradições das últimas gestões petistas, em especial no governo de Minas Gerais, essa história precisa ser recuperada, estudada e profundamente analisada. É dessa reflexão histórica que conseguiremos construir um presente alternativo que recupere a linha de massas do PT e a tradição bem-sucedida destas gestões. Portanto, nossa renovação não pode prescindir do resgate do nosso passado. 

A experiência de gestão e a tradição do partido ser visto como a legítima alternativa das maiorias populares, capaz de costurar alianças heterogêneas que têm como finalidade a construção de um governo de mobilização, desenvolvimentista, democratizante, mesmo com amplitude ideológica, foram a marca do petismo enraizado nas cidades. 

É dessa tradição que, a nosso ver, Marília Campos se alimenta e tem conseguido se manter como uma importante liderança do PT em Minas Gerais. Sua defesa de uma frente ampla combativa, em defesa de um projeto claro de cidade merece ser estudado, estadualizado e nacionalizado.

Atualizar a nossa agenda para o século XXI passa por traduzir o que representou e ainda representa o “projeto político Lula” para a realidade local

Em meio a tantos ataques e golpes que o PT sofreu nos últimos tempos, Marília traduz o bom e velho “modo petista de lutar e governar”, mostrando que ter tradição não impede a inovação na gestão, nem tampouco a conexão com as agendas contemporâneas, como a questão ambiental.

Trata-se da criação de uma linha que liga passado, presente e futuro. Ou seja, a experiência de Marília é uma tradição que gera uma energia de futuro e de alternativa política.  

Atualizar a nossa agenda para o século XXI passa por traduzir o que representou e ainda representa o “projeto político Lula” para a realidade local: o município. Afinal, como poderemos colocar o pobre no orçamento das cidades? De que maneira vamos contribuir para a geração de empregos verdes nos territórios? Como exigiremos que os mais ricos possam dar maiores contribuições tributárias para o desenvolvimento dos municípios? 

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Como podemos reduzir a informalidade em nossas cidades? Quais instrumentos de democratização do poder local poderiam ser criados por meio das novas tecnologias? Muitas perguntas poderiam ser incluídas aqui para atualizar o modo petista de governar e de disputar a agenda municipalista.

Essas perguntas também trazem consigo a necessidade de retomarmos a discussão universal da política. Por vezes aceitamos, em nome da causa nobre da discussão sobre as identidades e as opressões, o lugar exclusivo em defesa desta pauta, deixando tantas outras de lado. 

Tornamo-nos vértices exclusivos de uma agenda específica, algo que facilita o nosso cercamento político. Tal exclusivismo nos deixa reféns da propaganda do adversário, que cria estereótipos e caricaturas sobre nossos quadros, incapazes de debaterem questões mais amplas, tanto do ponto de vista do município, como também do país e do mundo. Nesse sentido, não podemos marginalizar os debates  sobre o tipo de desenvolvimento que queremos e sobre a centralidade da geração de trabalho digno, emprego e renda. 

O estudo e a reflexão sobre como devemos dirigir o Estado brasileiro, sobre quais parâmetros, concepções e princípios que devem guiar nossa atuação também são fundamentais.  

Reconstruir o “modo petista de lutar e governar” para o século XXI não é tarefa simples, mas é urgente e passa pela recuperação e reinvenção das nossas experiências conectadas aos anseios daqueles que vivem do trabalho em nosso tempo. 

Tempo esse, marcado fundamentalmente pelo aprofundamento da crise capitalista, pelo aumento vertiginoso da desigualdade social com seus marcadores de gênero, raça e orientação sexual, emergência climática, recrudescimento estrutural das contradições entre capital e trabalho, expresso numa grande massa de trabalhadores em situação de informalidade. 

Informalidade essa que é um prato cheio para a extrema direita que prega uma prosperidade individual fantasiosa por meio de seus aparelhos ideológicos. 

Nesse sentido, apresentar alternativas de desenvolvimento – ou ecodesenvolvimento – é cada vez mais urgente. Isso passa por retomarmos a centralidade do trabalho, a luta por igualdade, liberdade, justiça social e ambiental no cerne das nossas discussões. Universais que jamais devem ser abandonados e que precisam ser traduzidos em novas formas de lutar, se organizar e governar, a partir das cidades. 

Considerações finais

Portanto, em tempos de crise, as avaliações precisam considerar os desafios e derrotas como oportunidades para refletirmos, reorganizarmos nossa atuação e acumularmos força, por meio de uma linha política correta e que se comunique diretamente com os anseios de quem vive do trabalho. 

Afinal, defender a municipalização do debate eleitoral não significa encastelarmo-nos de forma fragmentada em nossas cidades. Pelo contrário. Deve implicar em retomarmos o espírito das nossas experiências bem-sucedidas ainda vigentes – como as de Contagem e Juiz de Fora – e as anteriores, e conectá-las com as tradições das lutas que fizeram com que Lula e o PT se transformassem na alternativa real da classe trabalhadora em nosso país.

A saída para a construção de um Brasil soberano, democrático, popular e com justiça social perpassa invariavelmente pelo Partido dos Trabalhadores. Nosso protagonismo é e deve ser coletivo. Vamos nos renovar, sem que isso signifique o abandono da tradição municipalista. Vamos retomar o fio da história do bom combate, reconstruindo o “modo petista de lutar e governar”, voltado para os anseios da agenda dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiras do século XXI. Essa é nossa missão mais urgente.  

Adriana Souza é a vereadora eleita mais bem votada de Contagem (MG), professora de História, ativista socioambiental do SOS Vargem das Flores e fundadora do coletivo Com Elas

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Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.

Edição: Ana Carolina Vasconcelos