Desde a sua primeira eleição, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), defende a privatização de empresas que atuam em setores estratégicos para o Estado, como saneamento e energia. Na última semana, a gestão encaminhou à Assembleia Legislativa (ALMG) dois novos projetos de lei (PL) para entregar a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) e a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) para a iniciativa privada. A medida foi protocolada por Mateus Simões (Novo), vice-governador.
No modelo de privatização encaminhado, chamado de ‘corporação’, Minas Gerais deixaria de ser o Estado gestor das companhias, mas as entidades não teriam um controlador definido. Porém, especialistas alertam para o fato de que abrir mão do controle das empresas traria impactos negativos para o desenvolvimento do estado e para a população, que depende dos serviços públicos.
“Privatizar a água e a energia elétrica é um grave retrocesso para Minas Gerais. Ao transformar dois bens públicos essenciais em mercadorias, Zema coloca, mais uma vez, o governo a serviço dos interesses privados, ignorando as necessidades da população. Uma lógica perversa, que coloca os lucros acima da dignidade humana e do acesso universal a serviços básicos”, destacou o bloco Democracia e Luta, de oposição ao governo na ALMG, em nota.
Governador é insistente
Anteriormente, Zema havia encaminhado uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) ao Legislativo para extinguir a necessidade de realização de um referendo popular para privatizar as estatais. No entanto, a medida segue na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e encontrou resistência da população mineira.
Em maio deste ano, mais de 300 mil mineiros participaram do Plebiscito Popular em Defesa das Estatais de Minas Gerais. Desses, 95% votaram pela permanência das empresas nas mãos do poder público.
Zema só conseguirá aprovar a privatização caso a PEC também seja aprovada. Do contrário, a ALMG deverá realizar o referendo popular.
Impactos
Especialistas alertam que experiências de privatização demonstram que a venda do patrimônio público traz consequências negativas para a população.
Entre os impactos, a crescente piora na qualidade dos serviços oferecidos e o aumento das tarifas chamam a atenção, em especial quando se trata de áreas estratégicas, como saneamento, transporte e energia.
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“O objetivo central da privatização é o aumento do lucro dos acionistas. As formas de aumentar a maximização de lucro é aumentando a tarifa, diminuindo o custo de pessoal e de investimento em custos gerenciais, como manutenção e operação”, destacou o secretário-geral do Sindicato Intermunicipal dos Trabalhadores na Indústria Energética de Minas Gerais (Sindieletro-MG), Jefferson Leandro.
No Rio de Janeiro, por exemplo, após a venda da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), o percentual de tratamento de esgoto caiu 7%, entre 2020 e 2021, e cresceu a quantidade de reclamações por falta d’água.
Em Alagoas, Ceará, Rio Grande do Sul e Manaus, a população lida com a queda de cobertura de água tratada, altas tarifas e falta de transparência por parte das empresas.
“Não tem nenhuma vantagem e é só prejuízo para a população como um todo. Mas, os mais vulneráveis socialmente e economicamente são mais atingidos”, comenta Lucas Tonaco, do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgotos do Estado de Minas Gerais (Sindágua-MG).
Outro exemplo que merece destaque é o da venda da Companhia Energética de Goiás (Celg) para a italiana Enel, em 2017. Desde então, o estado convive com uma crise no fornecimento de energia elétrica, que causa prejuízo aos consumidores e danos no setor produtivo.
“Temos regiões e cidades que ficaram 72 horas no puro escuro e temos regiões na zona rural que ficaram mais de semanas sem energia elétrica”, aponta João Maria de Oliveira, do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Urbanas de Goiás (Stiueg).
O recente apagão na cidade de São Paulo também serve de alerta à população mineira sobre os riscos da privatização. Mais de 2,1 milhões de endereços ficaram sem energia elétrica após fortes chuvas no município, em outubro deste ano. Após uma semana sem luz, a concessionária Enel ainda não havia retomado a normalidade.
“A cidade de São Paulo passou a ter, na gestão de sua energia, uma empresa cujo objetivo não é atender a população, mas aumentar seus lucros, razão pela qual demitiu vários trabalhadores que conheciam a cidade e seu sistema elétrico. A fim de reduzir custos, ela contratou, com menores salários, pessoas sem nenhuma experiência ou conhecimento específico na área”, avaliou João Bosco Senra, doutor em saneamento, meio ambiente e recursos hídricos pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Empresas são fundamentais para o desenvolvimento
Atualmente, a Copasa realiza a distribuição e o tratamento de água de 75% dos municípios mineiros e a Cemig faz a produção e distribuição de energia em 90%.
A Copasa oferece tarifas diferentes a cada setor econômico, como estímulo ao desenvolvimento do estado. Um setor que também possui tarifa especial são os equipamentos públicos como escolas, creches e postos de saúde no estado.
As tarifas especiais são possíveis pelo caráter estatal da empresa que, controlada pelo governo mineiro, pode integrar o planejamento estatal para a economia.
Além disso, as duas estatais disponibilizam o cadastro de famílias de baixa renda a programas de descontos na tarifa. As residências podem receber até 40% de desconto na conta de água e até 65% na conta de luz. Com a privatização, a tarifa social também tende a acabar.
A economista e cientista política Maria Rita Pinheiro de Oliveira destaca ainda a instabilidade de uma empresa privatizada quanto aos preços das tarifas, o que pode gerar impactos em empresários, industriais, comerciantes e na população em geral.
“Quando você privatiza e deixa por conta do mercado, os preços começam a ficar muito voláteis. A tarifa pode aumentar consideravelmente e muitas pessoas deixam de ter acesso a esses serviços, o que não pode acontecer. É um direito da população que tem que ser garantido”, afirma Maria Rita.
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Edição: Elis Almeida