Minas Gerais

ARTIGO

Janja falou para Elon Musk o que boa parte dos brasileiros gostariam de falar

“Não vi esses mesmos, que agora têm crucificado a Janja, dando um pio para enquadrar Elon Musk”

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
Reprodução - ABr / AFP

O ano era 2002, em plena campanha para a Presidência da República, quando, após subir a rampa da Escola de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte, cheguei ao auditório onde Lula, favorito naquela disputa eleitoral, falava rodeado de estudantes e apoiadores. Vi dona Marisa Letícia sentada em uma mesa e me aproximei.

Era uma ótima oportunidade de estar com aquela que havia sido alvo de sórdido ataque da mídia comercial por ter tirado os sapatos durante uma festa de aniversário do PT. Eu era repórter de um tradicional jornal mineiro, na época.  Depois de me apresentar e perguntar sobre a maratona de viagens e as expectativas de vitória do PT nas eleições, introduzi o assunto da foto publicada pela revista Veja, na qual a primeira-dama aparecia com os pés descalços sob a mesa, ao fim da festa de aniversário do PT. 

Dona Marisa era, inclusive, sempre comparada com outras primeiras-damas e  tratada com certo desprezo por parte da mídia comercial, tal como Janja também é atualmente. 

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Me  fazendo de uma amiga, dando um “toque” sincero e suave,  minimizei o fato, emendando com um  “eu sei que nós, mulheres, gostamos de tirar o salto em festas, depois de muitas horas de pé, mas a senhora, enquanto for a primeira-dama, vai ter que se cuidar, pois a imprensa vai sempre te atacar”. E ela respondeu com aquele sotaque paulistano: “eu não tô nem aí. Se eu estiver com o pé doendo, eu tiro mesmo”. 

Essa cena me veio à memória recentemente, diante da repercussão negativa que a frase dita em inglês por Janja durante o G20 provocou. Ela mandou o “Kiko dos Foguetes” — apelido dado ao bilionário Elon Musk no Brasil — fazer o que grande parte da nação brasileira gostaria de mandá-lo fazer.  

Os detratores costumeiros que chamam Janja de apelidos agressivos e extremamente machistas, mas até certos setores da esquerda, que ajudaram a dar munição à  mídia empresarial, não perdoaram. 

Ora, não vou nem repetir aqui o que os “menos agressivos” pontuaram sobre o fato de que “na qualidade de primeira dama”, Janja deveria ter se atentado ao decoro, ao recato e blá, blá, blá.  Mas tenho que refrescar a memória de alguns e mandar uma real: o bilionário Elon Musk desrespeitou nossas leis de forma acintosa, atacou um juiz da nossa Suprema Corte de forma vil e violenta e tentou desestabilizar a nossa democracia de modo criminoso.

Eu não vi esses mesmos, que agora têm crucificado a Janja, dando um pio para enquadrar o tal sujeito, naturalizado estadunidense. “Ditador brutal”, “desrespeitou as leis do seu país” e memes comparando Alexandre de Moraes a vilões do cinema são apenas alguns exemplos da ingerência de Musk no ordenamento jurídico brasileiro. 

E a mídia apenas cuidou do “leva e trás”, ou seja, não se escandalizou com o descalabro orquestrado por Musk.

Voltando ao G20, que  inclusive teve ampla colaboração de Janja mesmo sem ela ocupar cargo no governo, o evento foi grandioso e ajudou a sedimentar o nome do Brasil para um pedestal no centro do mundo. 

Quanto à primeira dama, que “atire a primeira pedra” quem nunca cometeu uma gafe em situações que exigiam um mínimo de centramento e comportamento protocolar. Eu mesma, certa vez, ao entrevistar Almir Sater, que recentemente havia atuado em novelas, fiquei tão nervosa que disse a ele,  à queima roupa: "acho que você é melhor cantor que ator". 

Percebi o meu vexame tão logo fechei a boca e fiquei sem saber onde esconder minha cara, de tanta vergonha. Ele, muito educado, deu um sorrisinho sem graça e disse: "eu também acho”. 

Me martirizei por muito tempo lembrando desse fato — imagino que a Janja esteja desfrutando de um sentimento parecido — e confesso que só fui desencanar desse vacilo  (ou ligar um “give a fuck” para combinar com o "fuck you" que abalou a nação), tempos depois, quando li de algum pensador a seguinte frase: "todo mundo tem cinco minutos de idiota todos os dias e a sabedoria consiste em não ultrapassar esta marca”. 

Pilar Batista é jornalista. 

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Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.

Edição: Ana Carolina Vasconcelos