Ambientalistas e pesquisadores têm se mobilizado para impedir a instalação da Central Geradora Eólica Gameleiras, prevista para ser construída na Serra do Espinhaço, nos municípios de Santo Antônio do Retiro, Espinosa e Monte Azul, no Norte de Minas Gerais.
O empreendimento, que conta com 98 aerogeradores, já recebeu licenciamento simplificado, mas é alvo de críticas, devido aos riscos à biodiversidade e à população local. Na última sexta-feira (22), o tema foi debatido em uma audiência pública promovida pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
O licenciamento foi concedido pela Superintendência Regional de Meio Ambiente (Supram), que considerou o empreendimento de grande porte, mas com pequeno potencial poluidor. A rapidez do processo gerou controvérsia. Segundo Ligia Vidal, assessora jurídica da Associação Mineira de Defesa do Ambiente (Amda), a aprovação foi feita em apenas 45 dias e desconsiderou impactos significativos.
“Houve supressão de vegetação para abertura de 60 quilômetros de estrada, e esse impacto sequer foi avaliado adequadamente”, afirmou.
Miguel Ângelo Andrade, professor da PUC Minas e coordenador da Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço, defendeu, durante a audiência pública, a realização de estudos mais detalhados antes da aprovação do projeto. Para ele, a criação de uma unidade de conservação seria a melhor alternativa para proteger o território.
“Estamos lidando com uma área insubstituível, que abriga espécies endêmicas e ameaçadas de extinção. Um empreendimento dessa magnitude não pode ser tratado de forma simplificada”, afirmou.
Preservação da biodiversidade em risco
A Serra do Espinhaço, reconhecida pela Unesco como a única cordilheira do Brasil, é uma região de transição entre os biomas Cerrado, Caatinga e Mata Atlântica. Esse mosaico de ecossistemas confere ao local uma biodiversidade única, com espécies que não existem em nenhum outro lugar do mundo. O Pico do Formosa, com 1,8 mil metros de altitude, é uma das áreas ameaçadas pelo projeto.
Jeanine Oliveira, ambientalista do Projeto Manuelzão, explica que a altitude e o isolamento da área são fatores que permitiram sua preservação até agora.
“O Pico do Formosa guarda várias espécies que dependem dessas condições específicas para sobreviver. Estamos falando de um local que nunca foi habitado ou destinado a qualquer uso humano. É um santuário ecológico”, ressaltou.
Além disso, a ambientalista chama a atenção para os serviços ecossistêmicos proporcionados pela Serra do Espinhaço.
“Esses topos de morro não são apenas refúgio de biodiversidade. Eles também garantem o abastecimento hídrico de toda a região. Muitas nascentes e riachos se originam ali, abastecendo bacias importantes. Quando uma área como essa é afetada, o impacto não é apenas local; ele reverbera em toda a rede ecológica e nas comunidades que dependem dessa água”, explicou.
Impactos
Durante a audiência pública, Ravi Fernandes Mariano, engenheiro florestal e membro da Amda, alertou que o empreendimento impactará três áreas prioritárias para a conservação ambiental no estado.
“Além de afetar diretamente nascentes e riachos, a abertura de estradas e o trânsito de carretas e maquinário pesado representam uma ameaça significativa à integridade da cordilheira”, pontuou.
Já Marcio Verdi, do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, alertou para a perda de espécies ainda não catalogadas.
“Desde 2015, temos explorado a região para identificar novas espécies de plantas. Muitas delas são exclusivas desse território e podem desaparecer antes mesmo de serem conhecidas pela ciência”, destacou.
Energia eólica: solução ou problema?
Jeanine, do Projeto Manuelzão, também questiona o conceito de “energia limpa” associado à energia eólica, que, segundo ela, não considera os danos ambientais causados pela instalação dos complexos.
“Há muito tempo, essa ideia de que a energia eólica é sustentável precisa ser revisada. Complexos eólicos destroem vegetação nativa, impactam ecossistemas frágeis e ainda forçam a migração de espécies que não conseguem se adaptar às mudanças. Isso não é energia limpa”, argumentou.
Para a ambientalista, o problema não é apenas técnico, mas também político e econômico.
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“Precisamos perguntar: para quem essa energia será destinada? Muitas vezes, essas grandes usinas servem a interesses privados, gerando lucro para poucos e prejuízo para o meio ambiente e para a população local. Não há planejamento estratégico para garantir que a energia gerada beneficie a sociedade como um todo. Esse modelo atual não é sustentável”, criticou.
Ela destaca que a localização dos complexos eólicos deve ser repensada.
“A construção desses empreendimentos não pode ser feita em locais de alta relevância ecológica. A Serra do Espinhaço não é só uma área de preservação, é um patrimônio natural, que também carrega potencial científico e econômico, como investimentos em pesquisa e turismo sustentável”, completou.
Próximos passos
Como desdobramento da audiência, a deputada Bella Gonçalves (Psol) anunciou que irá apresentar requerimentos para uma visita técnica à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) e para anular o licenciamento do empreendimento.
“A instalação (de usinas eólicas) em áreas de alta relevância ambiental traz impactos irreparáveis. Além disso, prejudica plantações, a criação de animais e força o êxodo de agricultores”, afirmou.
O outro lado
O Brasil de Fato MG procurou o governo de Minas para comentar sobre as denúncias. A matéria será atualizada, caso haja um posicionamento.
Edição: Ana Carolina Vasconcelos