Hospitais sob a gestão da Ebserh continuam com infraestrutura e pessoal insuficiente
Por Mariana Gonzalez
Criada em 2011, pela então presidenta Dilma Roussef e assinada à época pelo Ministro da Educação Fernando Haddad, a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) é uma empresa pública de direito privado, cuja finalidade é a prestação deserviços médico-hospitalares e o apoio ao ensino e aprendizagem.
Ela foi pensada com o objetivo de recuperar os Hospitais Universitários Federais, que enfrentavam dificuldades ligadas principalmente à infraestrutura precária e escassez na contratação de trabalhadores. Na prática, a Ebserh atua assumindo a gestão dessas instituições, e substituindo os concursos públicos por processos seletivos simplificados.
Até janeiro de 2024, a Ebserh já era responsável por mais de 40 dos 51 hospitais que compõem a rede de hospitais universitários federais. No mês de junho deste mesmo ano, a empresa assinou contrato com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), passando a conduzir três dos hospitais que compõem o complexo hospitalar desta universidade: o Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), o Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG) e a Maternidade Escola (ME).
Ainda que a empresa seja desconhecida para a maior parte da população e para os próprios usuários do SUS, a pauta vem sendo discutida entre os trabalhadores da saúde e a comunidade acadêmica, e tem sido fonte de preocupação entre esse público.
Problemas e preocupações
As principais problemáticas referentes à empresa dizem respeito à perda da autonomia universitária, à fragilização dos regimes de trabalho e ao caráter privatista da Ebserh.
Os hospitais universitários federais (HU) são instituições que existem na interseção entre a saúde e a educação. Além da assistência direta à população por meio de consultas, exames e cirurgias, promovendo cuidado integral aos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), os HU são um dos principais cenários de formação de recursos humanos em saúde, que se realizam meio de seus programas de internato, estágios e residências médicas e multiprofissionais.
É destes espaços que saem os profissionais que farão atendimento em saúde de toda a população, seja no SUS ou fora dela.
Para manter um padrão de ensino e aprendizagem que seja coerente com as demandas da sociedade, é fundamental que as universidades ligadas aos HU possam exercer sua autonomia, decidindo quanto aos critérios de investimento e pesquisa, por exemplo. Essa autonomia, que é tão preciosa às universidades públicas, é justamente o que se tornaameaçado uma vez que a gestão esteja nas mãos de uma empresa que, ainda que pública, pode ter interesses não compatíveis com os interesses da população e dos trabalhadores.
A entrada dos profissionais na Ebserh se dá por meio de prova de concursos simplificados. Estes profissionais, uma vez aprovados, são contratados via CLT para o corpo funcional da própria empresa, e não mais como servidor público estatuário. Além de extinguir a modalidade de contratação por Regime Jurídico Único (RJU), que garante estabilidade aos funcionários públicos, optar pelo regime celetista pode resultar na fragilização das relações de trabalho.
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Entre outros desdobramentos desse mecanismo, os hospitais passaram a conviver com o duplo vínculo de seus trabalhadores (os antigos funcionários estatutários X funcionários celetistas) fragmentando e desmobilizando as lutas da classe trabalhadora, além de fomentar um ambiente de trabalho hostil, onde a competitividade e a disparidade são a tônica.
No que pese o fato de tratar-se de empresa pública, isso não atenua o caráter privatista da Ebserh. Ainda que possa não significar privatização no sentido estrito, a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares – cujo primeiro sinal da lógica de mercado é o próprio nome empresa – pode ser compreendida como uma terceirização da gestão e do trabalho em saúde. Ela está inserida no rol de contrarreforma do Estado e do avanço do projeto
neoliberal sobre a saúde no Brasil.
A situação torna-se mais alarmante diante das evidências de que os hospitais sob a gestão da Ebserh continuaram apresentando infraestrutura deficitária e força de trabalho insuficiente. Ou seja: além de criar novos problemas para os hospitais universitários federais, a empresa não dá conta de resolver sequer os problemas que justificariam sua existência.
As questões que envolvem a Ebserh revelam a necessidade de um debate amplo e transparente sobre os possíveis modelos de gestão em saúde e suas consequências. O que não vem acontecendo. A participação de diversos setores da sociedade nesta discussão ainda é incipiente, desafiando novamente a premissa do controle social no âmbito do SUS.
Ademais, essa forma de fragilização da administração direta do Estado pode comprometer o caráter de promoção, prevenção e assistência integral aos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), já que prevalece a lógica de atendimento mercantil.
Vendida como “única solução” para a crise enfrentada pelos HU desde 2011, a empresa faz remeter ao ditado “quem não te conhece, que te compre”.
Mas quem paga a conta, invariavelmente, é a soberania do SUS e os interesses do povo brasileiro.
Mariana Gonzalez é psicóloga e mestranda no Instituto de Medicina Social da UERJ
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Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha
editorial do jornal.
Edição: Elis Almeida