Em audiência pública na Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), parlamentares cobraram a transferência para a Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG) de estruturas e imóveis pertencentes ao antigo Complexo Cidade das Águas, da Fundação Hidroex, extinta em 2016.
Um edital, lançado em outubro pelo Governo de Minas, sob gestão de Romeu Zema (Novo), com finalidade de avaliar potenciais destinações dos imóveis, localizados no campus de Frutal da UEMG, gerou preocupação na comunidade acadêmica pela possível privatização da área. Por falta de manifestação de interesse, o edital acabou por ser arquivado.
“O nosso pensamento sempre foi de ocupação desses espaços para o uso pela universidade em prol da população. Isso foi totalmente ignorado pelo governo. O edital chegou com a proposta de destinação total dos prédios para fins outros que não a ocupação por estruturas da universidade e isso passa por cima de anos de trabalho, reuniões e esforços da comunidade acadêmica”, denuncia o professor Fernando Melo da Silva, da UEMG-Frutal e representante da unidade na diretoria colegiada da Associação dos Docentes da Universidade do Estado de Minas Gerais (Aduemg).
Incluindo estruturas importantes para a universidade, como o alojamento estudantil, o anfiteatro e blocos ocupados por laboratórios, o edital de tomada de subsídios era voltado para empresas públicas e privadas interessadas em propor o desenvolvimento de soluções técnicas, jurídicas e financeiras para o melhor aproveitamento dos imóveis.
Fernando relata que a comunidade acadêmica vem, desde 2016, realizando trabalhos, projetos e planos, a partir de demandas, inclusive do próprio governo do estado, para trabalhar a ocupação desses espaços.
“Existem planos de ocupação desenvolvidos pela comunidade acadêmica da unidade de Frutal da UEMG, que são de conhecimento da reitoria e do governo do estado”, ressalta.
Entenda
A Fundação Centro Educação, Capacitação e Pesquisa Aplicada em Águas, também conhecida como Cidade das Águas- Hidroex, foi extinta em 2016 por meio da Lei 22.291, após sérias denúncias de irregularidades e desvios de dinheiro público, deixando um imenso patrimônio em imóveis adjacentes ao campus da UEMG. De lá pra cá, se desenrolou uma luta pela transferência formal dos imóveis e pela regularização fundiária em favor da universidade.
A UEMG já utiliza os espaços como bloco administrativo, alojamento estudantil, laboratórios, galpão para o maquinário do curso de agronomia e uma fazenda escola, uma vez que, com a extinção da fundação Hidroex, os imóveis foram revertidos ao Estado.
Porém, por conta da irregularidade dos documentos, há obras inacabadas e o dinheiro público não pode ser empenhado nas mesmas. Para que o espaço possa ser reformado e melhor utilizado pela comunidade acadêmica, é necessária a regularização dos imóveis, que consta em projetos de lei propostos pelas deputadas Beatriz Cerqueira (PT) e Bella Gonçalves (PSOL).
“Nós temos, no âmbito da ALMG, a solução, que é o Projeto de Lei 2976/2024, que autoriza o executivo a fazer a doação dos imóveis”, relembrou, na audiência, a deputada Beatriz Cerqueira.
Os imóveis já estão em uso
Mesmo antes da transferência, a partir de projetos, foram instalados laboratórios, bibliotecas e prédios que funcionam como moradia estudantil. É o que relata o presidente do Centro Acadêmico de Direito da unidade, Lucas Guedes.
“O bloco D, por exemplo, tem mais de 7 milhões de investimentos só em laboratórios, tirando o laboratório voltado para a covid-19, que foi fundamental para os testes rápidos na época da pandemia. Há hoje também sete prédios de alojamento estudantil, que têm capacidade para 567 pessoas”, afirma o estudante.
Nesse sentido, a UEMG propôs um plano de uso dos imóveis para o governo do estado, que, segundo a deputada Bella Gonçalves, requerente da audiência pública sobre o tema, foi ignorado.
A universidade tem, além disso, recursos voltados para custear parte das reformas necessárias, assim que a questão fundiária for regulamentada. Os valores são provenientes da operação Equalis, do Ministério Público, que revelou a corrupção envolvida na construção da Hidroex.
“A UEMG tem um plano de uso desses imóveis, mas o mesmo não foi considerado e o edital foi lançado. O intuito do governo era ver se alguma instituição tinha interesse em fazer uma exploração econômica deles e o foco era liberar esses imóveis para a FIEMG”, relata a deputada.
Para o representante estudantil, trata-se de um ataque à educação por parte do governo de Minas.
“A gente vê claramente como um ataque à educação. Foi nitidamente uma estratégia para a entrada da FIEMG, que já tinha manifestado interesse em alguns desses prédios que a universidade já ocupa. O estranho é que a federação nem mesmo entrou no edital”, denunciou Lucas.
Fortalecimento da universidade e permanência estudantil
O professor Fernando Melo acredita que as áreas poderiam ser usadas com um potencial muito maior, para ampliação da unidade, implementação de novos cursos e criação de uma política de permanência estudantil.
Um exemplo, segundo ele, são prédios já concebidos como alojamento para pesquisadores que estão precarizados e inutilizáveis. Esses espaços poderiam ser revitalizados para se tornar alojamento estudantil, possibilitando que a área do atual alojamento seja revertida em um restaurante universitário. Mas, em sua perspectiva, isso não é prioridade no edital e nem para o governo de Minas.
“A unidade de Frutal recebe muitos alunos de fora e às vezes deixamos de ter estudantes matriculados por falta de estrutura de permanência destes, tanto na graduação como na pós-graduação”, relata o dirigente da Aduemg.
Já Lucas ressalta a importância de políticas de permanência estudantil para o acesso ao ensino superior público. Para ele, a luta pela regularização, que já se estende há quase 10 anos, é fundamental para a continuidade do projeto de educação pública, gratuita e de qualidade para todo o estado de Minas Gerais.
“A moradia estudantil é extremamente importante como política de permanência estudantil. Os estudantes, por volta de 50% do total da unidade, vêm de muitas cidades, tanto no entorno da cidade de Frutal, como também de outros estados”, afirma.
Durante a audiência pública, a deputada Beatriz Cerqueira (PT), que já acompanha essa demanda há alguns anos, ressalta que a legislação que solucionaria o problema precisa passar pelas comissões de Constituição e Justiça e de Administração Pública, ambas com maioria de parlamentares da base governista.
Para ela, é necessário que sejam aceleradas as tratativas para a entrega dos imóveis à universidade, conforme o plano de ocupação que já foi encaminhado ao governo do estado.
“O eixo de fomento à universidade deveria ser um eixo estrutural do governo de Minas", ressaltou a parlamentar.
Edição: Ana Carolina Vasconcelos