Talvez você sequer conheça esta história, mas, no dia 5 de julho de 1962, os trabalhadores brasileiros fizeram uma greve geral que foi decisiva para os rumos do país. Uma das conquistas do movimento, com certeza, você já ouviu falar: o décimo terceiro salário, esperado por muitos no último mês do ano.
Na época, o país convivia com a inflação elevada, prejudicando o poder de compra da população. Foi diante desse cenário que, sob protestos de empresários que diziam que o 13º salário seria “desastroso” para o Brasil, que se iniciou o movimento grevista que culminou na oficialização do direito por meio da Lei 4090, em 13 de julho daquele ano, pelo então presidente João Goulart.
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Doutor em sociologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pesquisador do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros, Rubens Goyatá Campante destaca que a primeira lição histórica deixada pela mobilização dos trabalhadores é a de que “as coisas não caem do céu”.
“As conquistas não são dadas ‘de graça’ e a imensa maioria dos direitos que os trabalhadores e o povo em geral têm hoje nasceram de lutas. Precisamos conhecer essa história. Durante muito tempo, essa greve de 1962 foi jogada para debaixo do tapete”, destaca.
O pesquisador comenta que a história também demonstra que a greve é uma das principais ferramentas de luta coletiva dos trabalhadores, mas a mobilização vitoriosa também teve o seu êxito na capacidade de articular diferentes formas de luta. Além disso, ele destaca que, ainda que o 13º salário tenha sido uma das conquistas do movimento, a ação foi essencialmente política.
“A greve combinou atuações jurídica, institucional e de rua. Além disso, foi uma greve não só pelo 13º, foi uma greve política que tinha 18 reivindicações. Ou seja, a greve é um instrumento dos trabalhadores que deve ser usada para questões ‘práticas’, como a remuneração e condições de trabalho, mas também para fazer a luta política”, explica.
Disputa política no país
O cenário do país em 1962 também era marcado pela instabilidade política. O presidente Jânio Quadros havia renunciado ao cargo no ano anterior e o vice João Goulart, conhecido como Jango, foi impedido de tomar posse, mesmo sendo essa a previsão da lei.
Para resolver esse impasse, foi implementado um regime de parlamentarismo, que limitava os poderes de Jango na condução do país, o que Rubens classifica como uma “solução meia boca, que, na verdade, era um golpe”. O político mineiro Tancredo Neves foi um dos articuladores da proposta, mas renunciou ao cargo de primeiro-ministro em junho daquele ano porque queria concorrer à Câmara Federal.
João Goulart queria indicar Santiago Dantas para ocupar o cargo deixado por Tancredo Neves, mas a proposta foi vetada pela direita, e assumiu o cargo Auro de Moura Andrade que, em 1964, foi peça fundamental para a efetivação do golpe militar.
Na época, existia também a movimentação pela realização de um plebiscito para a volta do presidencialismo no Brasil, que o novo primeiro-ministro era contrário.
“A greve de 1962 começou a ser pensada aí, como uma forma de pressionar o Auro Moura Andrade. E também para pressionar pelas reformas de base e contra os golpes, tanto o que tentou impedir a posse de Jango, quanto o golpe militar, que já era comentado naquela época e que veio a acontecer dois anos depois”, conta Rubens Goyatá Campante.
A amplitude das pautas defendidas pelo movimento grevista passava pela reivindicação das reformas universitária, agrária, bancária e eleitoral; pedia pela criação da Eletrobrás; pressionava pelo rompimento do Brasil com o Fundo Monetário Internacional (FMI), entre outros.
“E a greve foi para a rua no dia 5 e deu certo, principalmente no Rio de Janeiro, na Guanabara. A greve teve adesão de trabalhadores da iniciativa privada, ferroviários, metalúrgicos, têxteis, bancários, trabalhadores do transporte, da construção civil, garçons, etc. Houve também a adesão de trabalhadores de empresas estatais, como os da Petrobrás”, destaca Rubens Goyatá Campante.
Liderança mineira
Um metalúrgico nascido em Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira, Clodsmith Riani foi uma das principais lideranças do movimento. Em dezembro de 1961, ele havia conquistado a presidência da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria. Ele foi eleito deputado estadual em 1962 pelo PTB, mas foi um dos primeiros parlamentares cassados na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) pela ditadura militar, em 8 de abril de 1964. Riani faleceu em abril deste ano.
Em Minas Gerais houve mobilização entre os trabalhadores da Mannesmann e da Magnesita.
Mídia comercial e elite jogaram contra
Mesmo com a amplitude, o movimento enfrentou muita resistência, não apenas por parte dos empresários, mas também pelo mercado financeiro e pela mídia comercial. Os argumentos utilizados por esses setores na época não se diferenciam muito dos que são utilizados nos dias de hoje quando os trabalhadores se organizam por melhores condições.
Para Rubens, uma outra grande lição desse momento histórico é a de que “nunca devemos esperar nada da mídia comercial brasileira”.
“Não existia rede Globo de televisão ainda, mas o jornal O Globo estampava a manchete: ‘Considerado desastroso para o país um 13º mês de salário’. É sempre essa a linha de argumentação da mídia e da elite brasileira. Os donos da mídia são parte da elite brasileira”, explica.
“O argumento é de que ‘nós não podemos atender a essas reivindicações sociais porque isso vai quebrar o país. Vai ser pior para o povo. Os líderes das forças progressistas são demagogos, populistas, ficam pedindo isso, mas o resultado vai ser uma quebradeira’”, elucida o pesquisador.
O sociólogo conta que, na época, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), entidade que ainda atua influenciando na política do país, foi uma das instituições que previram o caos.
Atualmente, setores contrários à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que pede o fim da escala 6x1 têm mobilizado o mesmo argumento para defender a manutenção do regime no qual a pessoa trabalha seis dias da semana e tem apenas um dia de folga.
Todavia o que aconteceu foi justamente o contrário. A realidade tem mostrado cada vez mais que o 13º salário movimenta positivamente a economia brasileira. Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), em 2024, 92,2 milhões de pessoas receberão o direito e isso injetará mais de R$ 320 milhões na economia do país.
Edição: Elis Almeida