No último mês de outubro, o Brasil inteiro foi surpreendido com notícias nos jornais afirmando que 33 multinacionais com atuação no país combinavam os salários de seus profissionais por meio de um grupo de WhatsApp.
A prática desestimulava que empresas participantes da “confraria” remunerassem trabalhadores e trabalhadoras em valores maiores que o combinado, a fim de evitar “inflacionar o mercado”, além de desestimular a troca de empregos por profissionais cujos cargos foram “tabelados”.
Tal prática está sendo investigada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), com o entendimento de que essa concertação poderia configurar uma determinação artificial de parâmetros de mercado, o que popularmente chamamos de cartel.
No entanto, a notícia não surpreende o mercado corporativo brasileiro. A combinação de salários entre grandes corporações no Brasil é uma prática antiga e está profundamente sedimentada no mercado trabalhista, ocorrendo de forma muito mais sofisticada do que aquela praticada pelas multinacionais.
Como funciona o modelo?
Empresas de consultoria assessoram grandes corporações na construção de planos de cargos e na determinação de tabelas de salários. Essas consultorias oferecem como diferencial justamente o fato de terem construído planos similares para outras grandes corporações. Assim, o plano de cargos e salários recebe valores para remuneração piso, média e teto, de acordo com as atribuições e qualificações do cargo.
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Se uma mesma consultoria presta assessoria de RH para todas ou quase todas as grandes empresas de um mesmo ramo (como o setor elétrico, por exemplo), o que temos, na prática, é um grande tabelamento de salários em todo o setor.
Essa prática, embora também artificial, não tem o amadorismo de uma combinação via WhatsApp. Pelo contrário, vangloria-se de ser revestida de técnica, sendo apresentada pelos gestores de RH como "boas práticas de mercado".
A extensão do controle corporativo
A mesma dinâmica é reproduzida no que diz respeito a benefícios de Acordos Coletivos de Trabalho ou ao pagamento de Participação nos Lucros e Resultados (PLR). Por exemplo, no setor elétrico brasileiro, estabeleceu-se a “boa prática” de limitar o pagamento de PLR a, no máximo, duas remunerações anuais por trabalhador, independentemente do avanço da lucratividade ou de outros parâmetros de desempenho.
Com a capacidade de influenciar as próprias consultorias, as grandes corporações tornam-se verdadeiros market makers no mercado de trabalho. Isso significa que elas têm o poder de influenciar diretamente o trabalho dessas consultorias, direcionando os resultados e impactando todo o mercado.
O discurso de conveniência
Essa prática revela que o discurso de livre mercado só é válido quando é conveniente para as empresas. Quando a ação da famigerada “mão invisível” do mercado não interessa, entra em cena a “mão grande” dos cartéis para subtrair dos trabalhadores e trabalhadoras a oportunidade de usufruir da escassez de mão de obra em um determinado nicho e alcançar melhores remunerações.
Resta saber se o CADE ou algum outro órgão do Ministério da Economia ou do Ministério do Trabalho se dispõe a investigar também essa prática. Embora mais sofisticada que o cartel das multinacionais, ela é igualmente danosa ao mercado de trabalho, comprometendo a justa remuneração dos trabalhadores e a livre concorrência no país.
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Emerson Andrada é coordenador-geral do Sindicato Intermunicipal dos Trabalhadores na Indústria Energética de Minas Gerais (Sindieletro-MG)
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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato MG.
Edição: Ana Carolina Vasconcelos