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Coluna

Trem para o povo e não para o minério na RMBH

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Reprodução - Guilherme Bergamini/ALMG
Haviam diversas estações de trem para passageiros em BH e cidades vizinhas

Por Artur Colito & Patricia Sousa


Colagem criada por alunas/os da Arquitetura e Urbanismo da UFMG em disciplina promovida pela profa. Junia Mortimer/LabUrbj / Reprodução

Trabalhadoras e trabalhadores da Regional Leste de Belo Horizonte, residentes do Bairro Mariano de Abreu, Caetano Furquim e Casa Branca, trouxeram um importante relato do desmonte do transporte de passageiros nas linhas de trem de Belo Horizonte. Os trabalhadores são participantes do curso de Agentes Populares de Cultura, promovido pelo Movimento Brasil Popular junto ao LabUrb UFMG e a Associação de Moradores do Bairro Mariano de Abreu, que tem o objetivo de construir e visibilizar coletivamente a memória popular da região.

Os cursistas contam que, antigamente, haviam diversas estações de trem para passageiros em Belo Horizonte e nas cidades vizinhas. A passagem era uma das mais baratas, de forma que era uma das principais opções de transporte da classe trabalhadora, já o ônibus só era utilizado por quem tinha salários maiores. 

Durante muitos anos, havia, inclusive, passagens de pedestres que cruzavam as linhas de trem. Por conta dessa circulação, uma das preocupações da empresa concessionária (que na época era a Vale, e hoje a MRS Logística, subsidiária da Vale) era a de patrocinar ações sociais no entorno da comunidade. Assim, havia ainda que de forma tímida, investimentos da empresa no entorno do empreendimento, beneficiando a população. Uma das iniciativas apoiadas era as comemorações do Dia das Crianças. Houve, também, a promessa de criar um parque na região, o que nunca foi feito. 

Isso durou apenas até o momento em que a empresa decidiu bloquear a travessia de pedestres, isolando a comunidade e dificultando seu acesso ao outro lado da linha férrea. Isso fez com que os moradores tivessem de se deslocar ainda mais para chegar a bairros que estão próximos, e que ficaram quase inacessíveis.


Colagem criada por alunos da Arquitetura e Urbanismo da UFMG / Reprodução

Não foi só um bloqueio físico que se instalou com o muro: a empresa também deixou de dialogar e investir em ações sociais junto à comunidade. Uma vez que não tinha mais que “conviver” com a circulação dos moradores, logo acabou também sua “preocupação social”, revelando a lógica fria e desumana do capital. Por isso, o parque não saiu do papel. 


Colagem criada por alunos da Arquitetura e Urbanismo da UFMG / Reprodução

Essa lógica de construção de muros para afastar a comunidade das linhas férreas tem se repetido em Belo Horizonte no último período. Em maio de 2024, o vereador Bruno Pedralva (PT) repercutiu a denúncia de moradores do bairro Lindéia, na região do Barreiro, de que a MRS teria cortado 58 árvores, algumas centenárias, e estava marcando outras 82 árvores para corte, isso tudo, segundo a empresa, para garantir a “segurança da linha férrea”.

Dessa forma, vemos que mesmo em meio a uma intensa crise climática e ambiental, onde Belo Horizonte foi a capital que mais esquentou, as grandes empresas não hesitam em prejudicar ainda mais o meio ambiente para garantir a reprodução e aumento de seus lucros, jogando o prejuízo nas costas da população.

Essa movimentação recente da MRS Logística vem em meio a uma grande onda de criminalização dos atingidos por barragens no estado, situações em que as pessoas atingidas, revoltadas com os crimes de rompimento das barragens em Mariana e Brumadinho e com a falta de reparação integral, tem feito manifestações em cima das linhas de trem, paralisando temporariamente suas operações, e com isso, ameaçando a logística da circulação dos minérios. 

Em resposta, as empresas Vale e MRS já entraram com mais de 4 dezenas de processos contra pessoas atingidas, buscando em alguns casos expropriar das pessoas atingidas indenizações de centenas de milhares de reais, o que é uma aberração jurídica. 

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Assim, vemos uma repetição do que já foi denunciado em “Veias Abertas da América Latina”, de Eduardo Galeano: As linhas férreas cortam as cidades e a capital Belo Horizonte feito veias abertas, mas já há anos deixaram ter sua função social estimulada: hoje, são apenas duas viagens de trem de passageiros por dia, e só há uma estação na região metropolitana. De resto, são trens de minérios, carregando toneladas e toneladas de ferro e outros metais que resultam em milhões de lucro para empresas transnacionais. 

Ou, como diria Galeano:  “A divisão internacional do trabalho consiste em que alguns países se especializam em ganhar e outros em perder. Nossa comarca no mundo, que hoje chamamos de América Latina, foi precoce: especializou-se em perder desde os tempos remotos”.

Indignados com essa situação, recentemente iniciou-se um movimento pela volta dos trens de passageiros na RMBH. Importante ressaltar que a oferta dos trens de passageiros não é um presente das empresas: é um requisito da concessão da linha ferroviária, que tem sido descumprido há décadas. O efeito disso é deixar a população refém do transporte de ônibus, que tem ficado cada vez mais caro e excludente (como já denunciado em nossa coluna), ou do metrô, que só possui até o momento uma linha. 

Sobre o metrô, importante uma ressalva: A ampliação, custeada com dinheiro da reparação do crime da Vale em Brumadinho, está sendo conduzida de maneira autoritária e desrespeitosa as famílias que moram na beira das linhas, negando direitos em meio a uma série de desapropriações e obras que tem causado dano à moradia e à saúde das comunidades do entorno. Isso tudo custeado com milhões de dinheiro público, mesmo após a privatização do metrô. Novamente, setores do empresariado estão se beneficiando da violação de direitos humanos. 

Dessa forma, é importante lutar para que o nosso direito à mobilidade seja efetivado. Só com luta vamos derrotar interesses econômicos de empresários que pouco ou nada se importam com o bem estar social e ambiental da população que vive na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Hoje, esses espaços públicos estão abandonados e depredados, expondo a perigos na região do entorno. Ou como diria David Harvey, “o direito à cidade não é simplesmente o direito ao que já existe na cidade, mas é o direito de transformar a cidade em algo radicalmente diferente”. 

Criemos nosso projeto popular para as cidades do Brasil. Não temos nada a perder, a não ser os grilhões, que nos exilam nas periferias e na precariedade, impedindo que tenhamos acesso e direito à usufruir da cidade.

Artur Colito é advogado popular especialista em direitos difusos e coletivos & Patricia Sousa é doutoranda em Comunicação Social pela UFMG. Ambos são militantes do Movimento Brasil Popular. 

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Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

 

Edição: Elis Almeida