Minas Gerais

DESMONTE

Cemig e Copasa: conheça a origem das estatais mineiras que Zema quer privatizar

Especialistas apontam a importância das empresas e denunciam o boicote que elas têm sofrido

Belo Horizonte (MG) |
Guilherme Dardanhan - Foto:

O governo de Minas Gerais, sob gestão de Romeu Zema (Novo), encaminhou, no último mês, à Assembleia Legislativa (ALMG) dois projetos de lei (PL) visando a privatização da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) e da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa). O ataque às estatais tem sido frequente desde o início do primeiro mandato do governador, como denunciam especialistas. 

Apesar dos frequentes boicotes, as empresas, que têm uma trajetória longa de atuação, prestam serviço em áreas estratégicas e são reconhecidas por entidades nacionais e internacionais. Atualmente, Cemig e Copasa são duas das poucas companhias públicas que ainda fornecem o abastecimento de água, luz e saneamento nos estados do Brasil. 

“O governo Zema defende que a Copasa e a Cemig são deficientes e que têm que ser privatizadas. Isso é altamente discutível, já que as empresas têm muito dinheiro em caixa, acesso ao mercado e um corpo profissional dos mais gabaritados. A Copasa foi eleita pela revista Time como a melhor empresa de saneamento”, afirma o assessor do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgotos do Estado de Minas Gerais (Sindágua-MG) Wagner Xavier.

As empresas têm papel estratégico no projeto de desenvolvimento de Minas Gerais e são um legado de um período histórico conhecido como desenvolvimentista, em que, no início da consolidação do capitalismo no Brasil, o Estado assumiu o protagonismo no processo de modernização.

Isabella Mendes, economista, integrante do Movimento Brasil Popular e coordenadora do Plebiscito Popular em Defesa das Estatais, explica que essa visão se estendia à opinião pública. 

“A sociedade entendia que o Estado devia ter o papel de induzir o desenvolvimento da economia e, aqui em Minas, não foi diferente. A disputa atual não é só em torno do ato jurídico e burocrático de privatização das empresas. Estamos lutando também por um projeto para as empresas estatais como ferramentas de desenvolvimento”, explica. 

A importância das estatais 

A economista ressalta ainda que a Cemig e a Copasa são fundamentais para Minas Gerais, dado o tamanho do estado e as enormes lacunas em serviços básicos. Para Isabella, as estatais possibilitam um projeto de desenvolvimento econômico e social, diferente das empresas privadas, onde o imperativo é o lucro. 

“A Cemig, por exemplo, é muito importante, enquanto estatal, para conseguir implementar políticas de democratização do acesso à energia elétrica, como o Luz Para Todos. A estatal interioriza o acesso à energia elétrica, chegando em locais que o setor privado não chegaria, porque são locais que não necessariamente dão lucro. Com o saneamento é a mesma coisa”, enfatiza. 

João Bosco Senra,  doutor em saneamento, meio ambiente e recursos hídricos pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), explica que tratamento e distribuição de água e de energia elétrica são áreas estratégicas e, portanto, têm relação com a sobrevivência humana e com a soberania. Sendo assim, na avaliação dele, precisam ser de responsabilidade de empresas públicas, uma vez que, as mesmas apresentam um olhar voltado ao bem público. 

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“Todos os sistemas privatizados do Brasil deixaram de investir nas áreas mais carentes, porque não trazem o retorno financeiro que essas empresas almejam. Elas vão atender prioritariamente, tanto em nível de corrigir problemas, quanto no nível de investimento, sempre a classe mais abastada e os grandes consumidores, deixando a população carente desassistida”, alerta. 

Além disso, as empresas são lucrativas, o que ressalta as problemáticas em querer privatizá-las. Só em  2024, a Copasa já distribuiu R$ 752 milhões para os seus acionistas.

“As estatais funcionam, não só como empresas que vendem um serviço e geram lucro, e elas geram muito lucro, mas também, por estar sob controle do Estado, elas têm um papel de induzir o desenvolvimento”, destaca Isabella Mendes.

A economista reforça ainda que outro agravante é que a distribuição e o tratamento de água e de esgoto, assim como de energia elétrica, são monopólios naturais. 

No caso específico da Cemig, Jefferson Silva, secretário-geral do Sindicato Intermunicipal dos Trabalhadores na Indústria Energética em Minas Gerais (Sindieletro-MG), ressalta que a transição energética, necessária frente às mudanças climáticas, só será possível com a condução pelo setor público. 

“Além disso, outro fator relevante é a geração de emprego de qualidade, que oportuniza uma melhora na condição de vida dos trabalhadores e de suas famílias. Diferente do modelo de emprego em uma empresa privada, exemplificado na condução atual da Cemig, que estabelece uma condição de trabalho muito precária”, comenta. 

Privatização já está em curso 

Apesar das garantias legais que asseguram o caráter público dessas empresas, o governo do estado vem, há anos, colocando em curso um processo de preparação para a privatização. Isso se aplica na maneira como tem sido conduzida a gestão dessas estatais. 

Na análise de Jefferson Silva, houve uma intenção deliberada de terceirizar os serviços e de enfraquecer as empresas para favorecer a privatização.

“O que vemos hoje é, por parte do governo Zema, a implementação de um modelo de gestão de empresas privadas. É como se a Cemig fosse no cartório uma empresa pública, mas, na prática, é privada”, denuncia. 

Consequências

Os especialistas chamam a atenção para o fato de que, nos estados onde os serviços foram privatizados, as consequências foram o aumento de tarifas, falta de planejamento de distribuição, diminuição nos investimentos estruturais e demissão da mão de obra experiente, o que prejudicou o atendimento. 

“Em casos onde houve a privatização de serviços essenciais, como energia e saneamento, os consumidores passaram a pagar mais caro por um serviço pior. O que também significa uma tentativa de aumentar o lucro diminuindo os custos, com demissões, piora nos direitos trabalhistas e aumento na rotatividade do emprego”, explica Isabella Mendes. 

Para os analistas, essa tendência se mantém e pode ser constatada em exemplos muito recentes, como o último apagão de São Paulo, que perdurou por dias. 

“O que vemos com a privatização é o que aconteceu em São Paulo no último apagão, em que a população ficou mais de uma semana sem luz. Ter essas empresas públicas é a garantia de um serviço que não deixa a população na mão. A Copasa e a Cemig são um patrimônio do povo mineiro, que deveria ter muito orgulho delas”, comenta João Bosco Senra. 

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Ele ainda explica que as empresas públicas apresentam maiores níveis de transparência, o que possibilita o controle social dos serviços. 

Conheça a Copasa 

A Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) não nasceu com esse nome. Em 1963, foi criada como Companhia Mineira de Água e Esgoto (Comag). Com a instituição do Sistema Financeiro do Saneamento e do Plano Nacional de Saneamento (Planasa) durante a ditadura militar e a criação das Companhias Estaduais de Saneamento Básico, a Comag incorporou o Departamento Municipal de Águas e Esgoto (Demae), que atendia ao município de Belo Horizonte, assumindo então, em 1974, o nome que conhecemos. 

No ano passado, a empresa pública registou ampliação na cobertura dos serviços e, segundo a companhia, a cobertura de água manteve-se acima dos 99%, superior ao preconizado pelo Novo Marco do Saneamento. Quanto ao esgoto coletado e tratado, o índice de cobertura global no ano foi de 75%.

Atualmente, dos 853 municípios do estado, 632 têm o serviço de água operado pela Copasa e pelo menos 300 cidades têm o esgoto garantido pela empresa. Em torno de 11,5 milhões de mineiros são atendidos pela estatal, o que representa mais de 56% da população de Minas Gerais. 

Grande parte das reclamações sobre o serviço prestado pela companhia, que cresceram vertiginosamente desde o início do governo Zema, se deve à política de condução escolhida pelo mesmo. 

É o que afirma Wagner Xavier, que relembra que em 2021 a empresa contava com 10,6 mil funcionários, mas no último levantamento divulgado ao mercado aparece  com 928 funcionários a menos. 

“A Copasa poderia ter condição de resolver todos os problemas de saneamento do estado de Minas Gerais, mas está sofrendo um desmonte”, alerta o sindicalista. 

Conheça a Cemig 

Criada em março de 1952, a Cemig foi obra de Juscelino Kubitschek, que era o governador do estado na época. Seu intuito era abastecer a instalação de fábricas em uma zona industrial de Belo Horizonte, já que a concessionária privada, que à época fornecia energia para a capital mineira, não tinha interesse em investir no desenvolvimento. 

Assim, o parque industrial foi transferido para a zona industrial de Contagem, na região metropolitana, e a estatal foi criada como recurso estratégico para o desenvolvimento.

“Desde a fundação da Cemig, foi elaborado um planejamento, a fim de garantir o dimensionamento do setor elétrico em Minas Gerais para atender todas as regiões do Estado. Toda a sua história foi visando o desenvolvimento industrial, social, cultural  e das relações econômicas nas regiões atendidas, garantindo a infraestrutura e a dinâmica das cidades”, ressalta Jefferson Silva.

A estatal chegou a 2022 com um parque gerador com cerca de 60 usinas hidrelétricas, duas plantas fotovoltaicas e sete complexos eólicos, totalizando uma capacidade de geração de 5,6 gigawatts de potência. 

São mais de 5 mil quilômetros de linhas de transmissão, com 40 subestações interligando a linha e mais de 565 mil quilômetros de rede de distribuição, com as respectivas subestações. A empresa  atende em 774 municípios de Minas Gerais, com 9 milhões de unidades consumidoras, entre consumidores residenciais, industriais, comerciais e rurais.

Isabella Mendes ressalta que o governo do estado tem desperdiçado o potencial dessas importantes ferramentas de desenvolvimento e democratização dos serviços.

“O que enxergamos hoje é um governo que, mesmo tendo as estatais na mão, esse instrumento de desenvolvimento econômico e social, a gestão não as utiliza com esse fim”, pondera. 

Tendência mundial é de reestatização 

Em contrapartida aos esforços do governo de Minas para a privatização, a tendência mundial é a de reestatização. O relatório “Reconquistar os Serviços Públicos: Como estão as cidades e os cidadãos a reverter as privatizações”, construído pelo European Federation of Public Service Unions (EPSU) e Transnational Institute (TNI), aponta diversos exemplos de retomada de áreas estratégicas para a gestão pública ao redor do mundo. 

O relatório cita como exemplos bem sucedidos as cidades de Oslo na Noruega; Deli na Índia; Grenoble em Nice (França); Hamburgo na Alemanha; Nottingham, Leeds e Bristol no  Reino Unido; entre outras.

Ainda de acordo com o texto, esse processo é fundamental como estratégia para a transição energética, torna o serviço mais eficiente e barato para a gestão pública e democratiza os serviços e necessidades básicas dos cidadãos. 

O relatório aponta ainda outros argumentos, dados e exemplos. Para acessá-lo na íntegra, basta clicar aqui. 

 

 




 

Edição: Ana Carolina Vasconcelos