Ocupação de fazenda na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), greves de servidores públicos, lutas de enfrentamento ao modelo de mineração e defesa das estatais. Essas e outras mobilizações populares marcaram 2024 como um ano de luta em Minas Gerais.
Mesmo com as investidas da extrema direita, em um ano de eleições municipais, e com o projeto neoliberal em curso no governo estadual, comandado por Romeu Zema (Novo), os trabalhadores mineiros resistiram e defenderam o seu projeto para o estado.
Para Silvio Netto, dirigente nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em Minas Gerais, a análise do ano precisa ser realista frente aos retrocessos enfrentados, principalmente no que tange à luta institucional.
“Tivemos muitas perdas que se manifestaram nas disputas eleitorais municipais e poucos avanços do ponto de vista de políticas públicas e conquistas para o povo trabalhador. Precisaríamos ter sido mais incisivos na construção de espaços unificados da esquerda mineira, principalmente de enfrentamento ao governo neofascista de Romeu Zema”, avalia.
Ao mesmo tempo, ele destaca que é fundamental reconhecer as importantes lutas e vitórias. Como exemplos, o dirigente do MST cita a ocupação da fazenda Aroeiras, no município de Lagoa Santa, e a expectativa de assinatura do decreto de desapropriação da antiga Usina Ariadnópolis, atual Quilombo Campo Grande, no sul de Minas Gerais
“O caminho da organização popular é unificar o conjunto da esquerda mineira, mobilizando uma quantidade expressiva de trabalhadores e trabalhadoras, para desvelar o conteúdo nefasto desse governo [de Romeu Zema] e desbloquear a nossa pauta aqui em Minas Gerais”, destaca Silvio Netto.
O Brasil de Fato MG reuniu um compilado das principais mobilizações do campo popular em Minas Gerais ao longo de 2024.
Defesa das estatais
Desde o início do seu primeiro mandato, o governador Romeu Zema executa uma política de desmonte das estatais mineiras, com o objetivo de privatizá-las.
Com diversas manobras, o governo buscou driblar a legislação estadual que garante o caráter público de empresas como a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) e a Companhia de Gás de Minas Gerais (Gasmig), consideradas fundamentais para a democratização do acesso a serviços básicos, como água, energia e saneamento.
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Em resposta, mais de 500 movimentos populares e sindicais promoveram, no primeiro semestre de 2024, o Plebiscito Popular em Defesa das Estatais de Minas Gerais. A ação consultou mais de 300 mil mineiros, em 120 cidades, de todas as regiões do estado. Entre os participantes da iniciativa, 95% acreditam que as empresas devem permanecer públicas.
O plebiscito foi considerado uma vitória por lideranças populares, por ter despertado o interesse do povo sobre o seu patrimônio.
“Demos o recado ao governador empresário de que o povo mineiro não aceitará um ‘cala a boca’, enquanto ele penhora a nossa soberania. Foi lindo ver tantos mineiros e mineiras exercendo o seu poder de opinar sobre o futuro de Minas”, avaliou na época Luana Ramalho, da direção do Partido Comunista do Brasil (PCdoB).
Luta pela terra
Em Minas Gerais, a população também se organizou na luta por reforma agrária e justiça social. Como parte das mobilizações nacionais do 8 de março, Dia Internacional de Luta das Mulheres, o MST ocupou a fazenda “Aroeiras,” no município de Lagoa Santa, na RMBH.
A ocupação, que contou com mais de 500 famílias, enfrentou um cerco da Polícia Militar e ataques diretos por parte do governador. Mesmo assim, saiu vitoriosa. Firmando um acordo com o Incra , o MST conseguiu a realocação das famílias para duas áreas públicas.
Na Zona da Mata, com o lema “Ocupar para o Brasil alimentar”, o movimento também abriu um novo acampamento na fazenda Confraria, acolhendo 250 famílias que viviam em situação de insegurança alimentar na cidade de Juiz de Fora.
Infelizmente, a violência continua presente no meio rural e, também em março deste ano, o Cacique Merong Kamakã, líder da retomada indígena Kamakã Mongoió no município de Brumadinho, foi encontrado morto. Apesar de o Boletim de Ocorrência feito pela Polícia Militar apontar suicídio, lideranças indígenas e amigos levantaram a hipótese de assassinato.
“Já nos foi informado também que o cacique era alvo constante de ameaças e estava sendo perseguido, em razão da sua liderança pela defesa de territórios indígenas”, afirmou em ofício, na época, a deputada federal Célia Xakriabá (PSOL).
Lutas na educação
Outra área que vem sofrendo ataques por parte do governo estadual é a educação. Por meio do projeto Somar, que visa “compartilhar” a gestão da educação pública com Organizações da Sociedade Civil (OSCs), a gestão Zema ameaça as escolas de Minas, na avaliação de educadores.
Na prática, segundo eles, a medida vai privatizar a educação. Os educadores alertam que o projeto piloto do programa demonstrou uma série de fragilidades, como a queda de matrículas nas escolas onde foi implementado e o fechamento de turmas da Educação de Jovens e Adultos (EJA).
Frente ao risco de precarização do ensino na rede estadual, o Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG) impetrou, em setembro, um mandado de segurança coletivo, com pedido de liminar, contra o Somar e a sua ampliação. Na época, o Fórum Estadual Permanente de Educação de Minas Gerais (Fepemg) avaliava o projeto como uma ameaça.
“A lógica de mercado tende a privilegiar o lucro, em detrimento da qualidade e da inclusão. É papel do Estado assegurar educação de qualidade para todas as pessoas, sem distinção, e isso só é possível por meio de um sistema público forte e bem estruturado”, declarou.
Mas, na luta em defesa da educação, também houveram vitórias. Após intensa mobilização da comunidade escolar organizada no movimento “Todos pelo Tito”, que teve início em 2021, a Escola Estadual Tito Fulgêncio conquistou o direito à oferta do Ensino Médio Regular diurno para parte de seus estudantes.
Os profissionais da educação em Minas também aderiram às mobilizações nacionais deste ano. Os professores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e de outras instituições federais de ensino, juntamente com os servidores técnicos-administrativos, participaram de uma paralisação nacional que durou mais de 50 dias, com o objetivo de pressionar o governo federal a negociar os reajustes salariais.
Já a greve dos professores da Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG), que também ultrapassou os 50 dias, com início no fim de abril, denunciou os baixos salários e a falta de abertura para negociação por parte do governo Zema.
Luta contra o RRF
Desde que assumiu em seu primeiro mandato, o governador Romeu Zema também vem tentando aderir ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), que oferece aos estados um alongamento do prazo para quitação de sua dívida com a União, em troca da adoção de uma série de medidas, como a privatização de empresas públicas, a criação de um teto de gastos estadual, o congelamento de carreiras e salários de servidores, além da não realização de concursos públicos.
Em julho deste ano, quando o Projeto de Lei 1.202/2019 e o Projeto de Lei Complementar 38/2023, de adesão ao RRF, foram pautados na ALMG, os servidores públicos estaduais se mobilizaram contra a aprovação da medida.
Na avaliação de movimentos populares e sindicatos, a proposta não resolve o problema fiscal do Estado e pode penalizar milhares de trabalhadores e trabalhadoras. Como alternativa ao RRF, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), criou o Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag).
Ainda assim, em agosto, o Zema firmou um acordo com a União para a retomada do pagamento da dívida e publicou um decreto que impõe o teto de gastos no estado, congelando o salário e a carreira dos servidores públicos e suspendendo a realização de concursos.
Em defesa dos bens naturais
Com o constante ataque aos bens comuns da natureza, a mobilização em torno da pauta ambiental também se manteve aquecida. Minas vive uma situação crítica em relação à conservação do meio ambiente, principalmente por conta do impacto da atuação da mineração, que segue tentando avançar sobre territórios preservados.
Em entrevista ao Brasil de Fato MG, o bispo Dom Vicente de Paula, alertou para a necessidade de repensar o modelo de mineração vigente no estado.
“Não existe mineração sustentável. Todo território minerado sofre com o impacto da morte, porque as comunidades ficam sem nada e a natureza fica destruída. A mineração é um campo de guerra. Onde há empreendimentos de mineração, tem disputa, injustiça social, pobreza e impacto ambiental. Isso é um dado da realidade”, disse.
Foi essa lógica que resultou no rompimento da barragem da Vale/Samarco/BHP em Mariana em 2015, que teve o acordo de repactuação assinado este ano. O plano prevê, para a reparação dos danos causados pelo crime, o valor de R$ 170 bilhões, incluindo R$ 38 bi já gastos e R$ 32 bi em obrigações a fazer das empresas.
A mesma mineradora, que também era a responsável pela barragem que rompeu em Brumadinho, quer agora explorar a Serra do Gandarela, localizada na região do quadrilátero ferrífero mineiro.
Entre os possíveis impactos da implementação do projeto, que prevê uma cava de sete quilômetros de extensão e 200 metros de profundidade, especialistas alertam para a ameaça da segurança hídrica da RMBH.
Mas, após intensa mobilização popular, parlamentar e nas redes sociais, a Justiça Federal determinou a anulação das audiências públicas do processo de licenciamento ambiental para o projeto.
Outra serra, porém, permanece em risco. Cartão-postal da capital mineira, a Serra do Curral vem sendo explorada ilegalmente há anos e permanece em disputa. Em março, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) ajuizou uma ação civil pública contra a mineradora Fleurs Global, que cometeu 17 infrações contra o meio ambiente e o interesse coletivo. Mas, em agosto, o governo de Romeu Zema autorizou a mineradora a voltar a operar na região pelos próximos seis anos.
“Caso aconteça qualquer situação emergencial, a Serra do Curral é uma das últimas áreas onde podemos recorrer. O que as mineradoras estão fazendo é destruir essa última área de recarga hídrica. A Fleurs tem um histórico de manobras judiciais para se manter atuando ali”, avaliou Marcelo Barbosa, do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), na época.
Com isso, a população segue pressionando pelo tombamento estadual da Serra do Curral, já protocolado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha), que agora depende da aprovação do governo de Minas.
Na capital mineira, outra disputa que movimentou o debate ambiental foi a realização da Stock Car, na região da Pampulha.
Para acontecer a corrida, foram derrubadas 63 árvores, a partir de uma decisão do Conselho Municipal de Meio Ambiente (Comam). A UFMG, localizada na região onde aconteceu o evento, se queixou de falta de transparência e diálogo por parte da prefeitura.
Na época, um ofício foi encaminhado ao procurador-geral de Justiça de Minas Gerais, Jarbas Soares Júnior, e ao procurador da República, Carlos Bruno Ferreira da Silva, pela reitora Sandra Regina Goulart Almeida.
“A Universidade tomou conhecimento dos acordos pactuados para a realização do evento por meio da mídia”, afirmou a reitora no documento.
Por fim, a mobilização popular também teve conquistas com o decreto da Mata do Jardim América, que possibilitou a sua desapropriação para fins de utilidade pública. O local será transformado em território ecológico e aberto à população.
Outras mobilizações
Neste ano, algumas mobilizações conhecidas também fizeram “aniversário”. No dia 1º de abril de 2024, completou-se 60 anos do golpe militar no Brasil. A data emblemática suscitou mobilizações e, na capital mineira, centrais sindicais, movimentos populares e partidos progressistas organizaram um ato público. Com o tema “Sem Anistia! Ditadura nunca mais!”, a população protestou contra a anistia aos golpistas envolvidos nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023.
“Todas as formas de vida importam. Mas quem se importa?” foi o lema do Grito dos Excluídos deste ano. A tradicional manifestação, que acontece no dia 7 de setembro, completou 30 anos de luta por justiça social.
Já a Parada do Orgulho LGBTQIAPN+ de Belo Horizonte fez 25 anos e reuniu, em julho, pelo menos 300 mil pessoas.
Em 2024, a capital mineira sediou também a sua primeira Parada Negra LGBT+. Tendo como objetivo destacar a interseccionalidade entre as pautas e propondo uma discussão racializada sobre os desafios enfrentados pelas duas comunidades, o evento foi organizado pela Rede Afro LGBT-MG.
Edição: Ana Carolina Vasconcelos