PSDB era a nossa Linha do Equador, nossa Tordesilhas! Saudade de FHC
Por André Ferreira
Analisar aquilo que se chama de esquerda, hoje em dia, é para mim bastante tenso e complexo, pois, eu, como observador analítico, já me vejo ansioso e aturdido, perplexo o suficiente para não validar minha análise para um espaço de tempo que não seja muito maior do que as horas que vou levar para concluir este texto. Na minha cabeça ou no meu coração (não sei bem qual é o órgão em questão...), a dificuldade começa quando tento identificar o que é esquerda.
Há uns anos, tal identificação era uma tarefa fácil: esquerda era todo mundo que, ao fazer oposição ao PSDB, não pregava mais privatizações. A oposição à direita facilmente se identificava por seu apetite voraz sobre o Estado. A pessoa poderia até defender a Amazônia, o mico-leão-dourado ou “tolerar o casamento gay” (sic), mas, se insistisse que a suposta melhoria dos serviços prestados por TIM’s, OI’s e VIVO’s justificassem a venda das empresas de telefonia estaduais, já poderia ser, indubitavelmente, carimbada como de direita.
Uma sobrinha ligada ao universo profissional da saúde emocional me disse que essa vertiginosa confusão vivida num mundo demasiadamente confuso, afeta inclusive a saúde do meu couro capilar, ampliando, na minha cabeça, os espaços ausentes de raízes e dificultando o desenvolvimento de seus respectivos fios: eia aí uma metáfora da condição da política na atualidade, perdendo raízes e expondo vazios.
Acho que o grande culpado pela atual perplexidade pela qual passam as esquerdas (e minha mente analítica) é o PSDB.
O Partido Social Democrata Brasileiro não deveria ter ruído. Que o Partido Comunista do Brasil tivesse em suas fileiras Álvaro Rabelo e sua relatoria pouco ecológica do código florestal, ainda dava para suportar. Mas, preterir Alckmin na eleição de 2022 para o governo de SP, foi cruelmente mortal para o partido e para minha habilidade de identificar quem está a leste ou a oeste, ou, a oeste ou a leste (nem sei mais como localizar esses pontos sem ter a consciência de estar cometendo alguma xenofobia ocidentalcêntrica).
O PSDB era a nossa Linha do Equador. Mais do que isso, era o nosso Tordesilhas! Saudade de FHC. Daquela foto dele com Clinton numa sala de jantar bacana.
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Saudade da intelectualidade de classe média alta paulista a comentar, em inglês impecável, que não existia mais esquerda e direita. (Agora também deu saudade de Tony Blair.). O PSDB era a realização do espírito objetivo do hegelianismo fukuyamista em terras brasilis. A história havia concluído seu périplo via a efetividade do centro político: técnico, moderno e tolerante; que superara dialeticamente as históricas lutas entre os modos de senhorio e de escravidão, que teriam no embate esquerda/direita sua última configuração. O centro, por se achar a referência racional do fim da história, era o marco da continuidade da nossa história. Quando o PSDB dizia enxugue-se o Estado, nós respondemos com SUS e Bolsa Família; quando o PSDB dizia privatize-se a Petrobras, nós respondemos com a agência do Pré-Sal.
Mas, essa constatação não aplaca minha perplexidade, pois, tais respostas foram dos governos do PT, especificamente de Lula. E, das esquerdas, quais foram as respostas? Lembro de Zé Maria, no Congresso Nacional do ANDES, defendendo estratégias escoradas nas teses da Terceira internacional. Lembro que o PSB, Partido Socialista Brasileiro, pós-Eduardo, apoiou o golpe contra Dilma.
Recentemente, vi intelectual de esquerda atacar outros de esquerda em veículos de esquerda tendo como pano de fundo um mote que todos concordavam: a retirada do nome de uma figura de direita num auditório de uma instituição tida como de esquerda pela direita e pela esquerda.
Estes episódios todos, que me vêm à lembrança, só aumentam a minha perplexidade em relação à esquerda.
E, não vale colocar a extrema-direita como referência de localização! Acho um acinte à memória política de centristas como FHC, Eduardo Campos, ou mesmo Mário Covas e Ulisses, referenciar meu lugar político tendo como baliza a oposição a Bolsonaro, Caiado, Zema, Ratinho (pai e filho) e tantos outros desmerecedores de nominação. Não sairá boa coisa de uma reinvenção que tem como mote ser apenas alternativa a um trogloditismo que faz corar a racionalidade do Estado nazista e a elaboração imagética do poder fascista.
Também não acho que a disputa por likes e seguidores em Instagram’s, TikTok’s e afins será nossa salvação. A questão não é a aparência a ser vista, mas as raízes das quais sairão novos fios de desenvolvimento de nossas pautas e lutas. A propósito disto, aquela minha sobrinha profissional da saúde emocional, condenou veementemente o artifício da peruca como solução à ausência de radicalidade na minha cabeça: propôs implante capilar.
André Ferreira é professor do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e membro do Centro Paulo Freire de Estudos e Pesquisas.
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Este é o quarto artigo da série Sobre a Perplexidade das Esquerdas, organizada pela Coluna Cidade das Letras
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Leia outros artigos sobre educação e literatura na coluna Cidades das letras: Literatura e Educação no Brasil de Fato MG
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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal
Edição: Elis Almeida