A causa palestina é a causa “dos de baixo”
Não há lugar mais triste e mais esquecido globalmente do que a Palestina na atualidade. Este texto tem como propósito trazer o incômodo sobre um tipo comum de esquecimento entre nós. Algo que vai além de acordos assinados e não cumpridos por países signatários das Nações Unidas e da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Os países nada fazem para que o povo palestino pare de ser assassinado por Israel, Estados Unidos e outros atores globais com interesses econômicos com o genocídio. Não há ingenuidade nas posições.
O silenciamento sobre essa inoperância política global ocorre por meio das mídias comerciais e empresariais, aparelhos ideológicos que apresentam o genocídio como guerra; a morte diária de crianças como efeito colateral de mísseis guiados por precisão; o reposicionamento imperialista como justificativa moral de algo que é desumano.
A causa palestina é a causa “dos de baixo”, deste “sul” que é o nosso “norte”. É preciso sentir na pele, no suor e no sangue. A causa palestina é de quem tem a lucidez e o propósito político organizativo de denunciar a exploração que sustenta os grandes conglomerados.
O que representa as mais de 45 mil pessoas assassinadas e as mais de 110 mil pessoas feridas na Palestina, desde outubro de 2023? São mais de 18 mil crianças assassinadas; são 104 pessoas mortas por dia, nos 380 km² entre a Faixa de Gaza e a Cisjordânia. A destruição acumula destroços que eram moradias, hospitais e escolas, que hoje estão completamente devastadas. Há uma limpeza étnica em curso.
Estamos emergidos em um contexto de violências que também são provocadas pelas chacinas nas favelas, pelos massacres no campo, pela perseguição às lideranças em terras indígenas e nas comunidades quilombolas.
Cada número tem um pouco de nós e cada metro quadrado é a retirada do espaço em que também vivemos. O efeito concreto dessa realidade é a constatação de um projeto que nos exclui e mata. Projeto esse que criou um “Estado” para ser base militar estadunidense nas disputas geopolíticas. Um “Estado” constituído pelo falso discurso do reconhecimento e que sequer tem algum lastro histórico para sustentar a sua própria justificativa.
Hoje, o nosso pequeno levante enquanto classe, sob a causa Palestina, precisa ser refletido e provocado. Realmente lutamos por essa causa?
Precisamos que os nossos discursos não sejam também produto do silenciamento global. A compreensão internacionalista deve nos engajar em ações que denunciem o genocídio. O imperialismo tem o apoio desse silêncio, que pode ser derrubado não apenas pelas lutas do chão no Oriente Médio, mas também pela solidariedade de classe internacional.
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O que cabe aos movimentos sociais, sindicais e populares no Brasil? Qual conteúdo estamos construindo ao denunciar o genocídio? Como apresentamos a resistência vivenciada pelo povo palestino?
Evidenciar nossa contribuição à causa palestina é também retirar de nós, por vezes mergulhados em pautas corporativas, e trazer ao diálogo público a unidade em torno do nosso projeto de sociedade. A construção de uma outra ordem possível nasce da atualidade dos povos que lutam, resistem e sofrem pela violência do imperialismo em expansão.
Precisamos articular mediações reflexivas entre o que vive o povo palestino e a violência que nós sofremos nos grandes centros urbanos; a perseguição das elites fundiárias à resistência dos movimentos camponeses; o massacre realizado nos territórios de povos originários que lutam contra a expropriação dos recursos naturais; e os que dizem não ao sequestro do fundo público frente ao financiamento dos projetos das elites.
Todo esse contexto pode ser articulado para trazer de forma didática à coletividade a grave condição vivida pelo povo palestino em Gaza e na Cisjordânia.
Como trataremos, enquanto coletividade, o papel do imperialismo? Como a expansão global dessa fase do capital tem atravessado as nossas vidas? Como os efeitos do capitalismo afetam as mudanças climáticas e ampliam o racismo ambiental?
Questões para além deste texto estão para serem apresentadas a partir da causa Palestina, que hoje sofre como um grande laboratório de testes bélicos, químicos, imobiliários, industrial e expansionista.
Cabe a nós, classe trabalhadora, construir as condições de mudança do tempo em que vivemos. Somos constituídos por essas violências e desigualdades, assim como também somos responsáveis por uma outra história que não caberá aos que exploram. Esta outra história não caberá mais fronteiras que limitam o nosso tempo de ser e estar. Um projeto revolucionário precisa voltar a inspirar as nossas análises, corações e posições.
Leonardo Koury Martins é assistente social, doutorando em Serviço Social pela UFJF e integra a coordenação do Fórum Nacional de Trabalhadoras e Trabalhadores do Sistema Único de Assistência Social (FNTSUAS).
Leia outros artigos da coluna de Leonardo Koury em sua coluna no Brasil de Fato MG.
Edição: Elis Almeida