O governo de Minas Gerais, sob comando de Romeu Zema (Novo), leiloou mais quatro hidrelétricas da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), em um evento realizado na B3, a Bolsa de Valores de São Paulo, no início deste mês. As usinas foram adquiridas pela Âmbar Energia, empresa do grupo J&F, controlado pelos irmãos Joesley e Wesley Batista, por R$ 52 milhões.
O leilão marca a venda de 19 ativos da Cemig desde o início do governo Zema, sendo 15 deles comercializados em 2023. Recentemente, o governador encaminhou à Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) dois projetos de lei para privatizar tanto a Cemig, quanto a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa).
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As usinas leiloadas incluem instalações em Juiz de Fora e Manhuaçu, na Zona da Mata; em Águas Vermelhas, no Norte de Minas; e uma Pequena Central Hidrelétrica (PCH) em Uberlândia, no Triângulo Mineiro.
Jefferson Silva, secretário-geral do Sindicato Intermunicipal dos Trabalhadores na Indústria Energética em Minas Gerais (Sindieletro-MG), aponta que o movimento de venda de ativos da Cemig faz parte de um projeto maior de desmonte do controle estatal no setor elétrico.
"Essas vendas representam a entrega de um setor estratégico para a iniciativa privada, que opera com foco na maximização do lucro e não no desenvolvimento socioeconômico de longo prazo", afirmou.
O sindicalista também alertou para a perda de capacidade instalada do Estado ao longo dos últimos anos.
"Somando os 14,8 MW vendidos agora aos 41,2 MW das 15 PCHs leiloadas em 2023 e à participação de 45% da Cemig na empresa Aliança, vendida à Vale, estamos falando de mais de 1.500 MW de energia sob controle privado apenas no governo Zema. Isso compromete o planejamento de longo prazo do setor elétrico em Minas Gerais", destaca.
Em abril deste ano, a Vale anunciou a compra das ações da Cemig na Aliança Energia. Com a movimentação, a mineradora passou a deter 100% do capital de uma das principais empresas geradoras do setor energético do Brasil.
:: Entenda: Vale compra ações da Cemig na Aliança Energia e aumenta seu poder no setor elétrico ::
A compra foi fechada por R$ 2,7 bilhões. Somente em 2023, a Aliança registrou receita de R$1,3 bilhão e lucro líquido de R$356 milhões.
Jefferson também relembra o impacto das privatizações ocorridas no governo de Michel Temer, em 2017, quando grandes usinas como São Simão e Jaguara foram vendidas a estatais estrangeiras.
"Se incluirmos os mais de 1.400 MW dessas privatizações, temos mais de 3.000 MW que deixaram de estar sob controle estatal. Isso representa uma perda significativa para o Brasil, em termos de soberania energética", acrescenta.
Transição energética desigual
Carlos Machado, economista do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), questiona o contexto das vendas em meio à transição energética global.
“Precisamos nos perguntar por que a Cemig está vendendo essas hidrelétricas e por que existe tanto interesse do setor privado na compra. Curiosamente, um grupo ligado ao setor frigorífico, uma empresa do grupo JBS, adquiriu essas quatro hidrelétricas, assim como já havia comprado várias usinas da Eletrobras, incluindo termelétricas”, reflete o especialista.
Para ele, é importante questionar por que o governo do estado decidiu vender essas usinas em um momento de transição energética, com o crescimento de fontes de energia solar e eólica, que são intermitentes, ou seja, só geram energia quando há sol ou vento.
“A energia proveniente de hidrelétricas e termelétricas desempenha um papel crucial nesse novo modelo que está emergindo. Essas usinas garantem o fornecimento de energia nos momentos em que as fontes intermitentes não geram, além de ajudar no controle da tensão elétrica no sistema, já que fontes intermitentes são mais instáveis nesse aspecto”, explica.
A resposta para essa pergunta, segundo ele, parece ser ideológica, com um desejo deliberado de privatizar a empresa, avançando gradualmente na privatização por meio de ativos menores.
“Essa visão ideológica, que sustenta que o mercado é mais eficiente, é, na verdade, uma grande falácia. Esse discurso serve para mascarar os verdadeiros interesses do setor privado e o projeto de desmontar o estado”, critica.
Impactos tarifários e sociais
Um estudo do Dieese demonstrou que, entre 1995, ano em que ocorreu a primeira privatização do setor elétrico, com a venda da Escelsa, e 2015, a inflação acumulada foi de 342%, enquanto o reajuste da tarifa de energia elétrica foi de 751%, mais que o dobro da inflação.
Esse fator, segundo Jefferson Silva, tem a ver com a desverticalização do setor elétrico, que passou por uma série de reestruturações impulsionadas pelo poder econômico, principalmente a partir dos anos 1990, com a desregulamentação financeira, a abertura comercial e as privatizações.
Anteriormente, de acordo com ele, o setor era integrado, de forma que a geração, transmissão e distribuição de energia funcionavam de forma interdependente. A Cemig, por exemplo, operava com um único CNPJ.
“Após a desverticalização, surgiram empresas distintas para geração, transmissão e distribuição, cada uma com seu próprio CNPJ, o que permitiu vender ativos de forma segmentada e maximizar lucros. Essa fragmentação, porém, aumentou as tarifas, já que os consumidores passaram a pagar separadamente pelos serviços das diferentes empresas”, pondera.
Referendo popular
Desde seu primeiro mandato, Zema propõe a privatização das empresas públicas mineiras. No ano passado, ele enviou à ALMG uma proposta de alteração da Constituição do Estado, com objetivo de retirar do texto a obrigatoriedade de realização de um referendo popular para vender as empresas mineiras estratégicas.
“Quando caracterizamos o governo Zema como ‘fascista’, muitos associam o termo apenas à violência explícita. No entanto, o fascismo também se manifesta pelo desrespeito às leis e instituições que regulam a política social, colocando o desejo do governante acima de qualquer norma”, aponta Jefferson Silva.
Para Carlos Machado, esse movimento demonstra a falta de compromisso com a sociedade mineira e com uma transição energética justa.
“O governo prioriza os interesses privados e sustenta uma visão ideológica que promove o mercado como a melhor forma de conduzir a economia. No entanto, essa visão apenas mascara os interesses do setor privado e favorece o desmonte do estado e das políticas públicas”, chama a atenção.
O outro lado
O Brasil de Fato MG procurou o governo de Minas para comentar sobre as denúncias, mas não obteve respostas até o fechamento desta matéria. O espaço segue aberto para manifestações.
Edição: Ana Carolina Vasconcelos