Minas Gerais

Coluna

Pesquisa, território e inclusão de juventudes: pelo direito à memória das comunidades tradicionais

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Quilombo do Grotão - Foto: reprodução
A festa e a convivência são instrumentos de luta

Por Ariel Morelo e José Vitor Cruz

Na região oceânica de Niterói, no Rio de Janeiro, o Quilombo do Grotão e a Comunidade Caiçara de Itaipu, imersos em um contexto de crescente urbanização e especulação imobiliária, lutam por reconhecimento e direitos territoriais, além de manter vivas suas práticas culturais, como o samba de roda e a pesca artesanal. 

Por meio de esforços coletivos, articulações com pesquisadores da Universidade Federal Fluminense (UFF) e parcerias com organizações sociais, ambas as comunidades resistem ao apagamento e ao empobrecimento, utilizando a memória como instrumento de resistência e de fortalecimento de suas identidades. 

Este artigo surge a partir da visita técnica do Observatório das Desigualdades, da Fundação João Pinheiro, no âmbito de uma pesquisa sobre juventudes patrocinada pela FAPEMIG. 

Em encontro com lideranças das comunidades tradicionais na Biblioteca Engenho do Mato (BEM) — um espaço autogestionado que surge da ocupação cultural de um prédio abandonado pelo poder público —, os pesquisadores puderam conhecer os diferentes diálogos entre os saberes tradicionais e a pesquisa acadêmica, criados a partir do encontro, da festa e da luta territorial.

O contexto das comunidades tradicionais e a luta por reconhecimento territorial

A região oceânica de Niterói, embora rica em biodiversidade e cultura, carrega as marcas de desigualdades históricas. O Quilombo do Grotão, um dos mais emblemáticos remanescentes de quilombo no estado do Rio de Janeiro, e a Comunidade Caiçara de Itaipu, ambos alicerçados em práticas de resistência e manutenção de seus modos de vida, enfrentam desafios relacionados ao processo de reconhecimento de seus territórios e à preservação de suas memórias culturais.

De acordo com pesquisas anteriores, o Quilombo do Grotão, por exemplo, tem se articulado de maneira ativa para preservar suas tradições, incluindo a música e as danças, que são parte fundamental da sua identidade. 

Para os caiçaras de Itaipu, as questões socioambientais, como os impactos de atividades antrópicas sobre a pesca artesanal, são centrais para sua sobrevivência e para a manutenção de sua cultura (Moura, 2011). Contudo, o reconhecimento formal de seus territórios ainda é um processo em construção e os desafios são imensos. 

A atuação de grupos acadêmicos, por meio de pesquisas científicas e relatórios técnicos, tem sido essencial nesse processo, fornecendo subsídios para a criação de documentos que permitam a demarcação de terras e o reconhecimento legal dessas comunidades.

Juventudes e lideranças: o encontro, a festa e a luta

O encontro entre jovens pesquisadores da UFF e as lideranças do Quilombo do Grotão e da Comunidade Caiçara de Itaipu se dá nas rodas de samba tradicionais do quilombo ou nas atividades culturais realizadas na BEM. 

Nesses espaços, as juventudes, tanto acadêmicas quanto tradicionais, partilham histórias e estratégias para a construção e preservação das memórias de suas comunidades. Os pesquisadores, por meio de suas dissertações e relatórios de campo, contribuíram diretamente para a construção de documentos que fundamentaram as reivindicações das comunidades em relação à demarcação de seus territórios.

O Quilombo do Grotão, por exemplo, possui um rico patrimônio imaterial, como as rodas de samba, que não são apenas manifestações culturais, mas também uma forma de resistência à homogeneização cultural imposta pelo processo de urbanização (Ribeiro, 2019). 

As pesquisas acadêmicas, ao documentar e difundir essas práticas, ajudam a fortalecer a identidade quilombola e a lutar pela preservação de suas terras. Para os caiçaras de Itaipu, as pesquisas têm se concentrado nos impactos ambientais e socioeconômicos causados pelas mudanças nas práticas pesqueiras e na perda de acesso a recursos naturais vitais para sua subsistência (Moura, 2011). 

Rodas de samba são uma forma de resistência à homogeneização cultural

O encontro, que se caracteriza como um espaço de troca, desempenha um papel fundamental no fortalecimento da identidade dos jovens moradores da região oceânica de Niterói. Ao criar ambientes seguros para a celebração e a expressão de suas culturas, esse encontro se torna um local de resistência contra a imposição das normas e valores dominantes, frequentemente promovidos pelo poder econômico e pela urbanização acelerada. 

Assim, a festa e a convivência se tornam instrumentos de luta, em que se criam alternativas de vivência que se opõem à pressão do mercado e da especulação imobiliária que, muitas vezes, tentam subverter a cultura local em prol de um modelo econômico que não considera as necessidades e a história das populações tradicionais.

Os autores agradecem à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) pelo financiamento do projeto Impactos das Desigualdades Sociais sobre a Juventude Brasileira, que viabilizou a realização desta pesquisa e a elaboração do presente artigo.

Agradecemos também à Maria Elisa Pimentel, gestora da Rede Quimera, por sua valiosa orientação durante a visita técnica, e às lideranças Renatão do Quilombo, Seu Chico e Erika Gonçalves, pelo apoio e contribuições que enriqueceram este trabalho.

Referências

[1] Ribeiro, Y. G. (2019). Os momentos e seus públicos nas rodas de samba do Quilombo do Grotão/RJ. (SYN) THESIS, 12(2), 38-46.

[2] Moura, R. C. (2011). Determinantes socioambientais em saúde e bem-estar em grupo da população de pescadores artesanais de Itaipu-Niterói, RJ: avaliação do histórico de impactos na pesca causados por atividades de origem antrópica e consequências na qualidade de vida (Doctoral dissertation).

O Observatório das Desigualdades

Parceria entre a Fundação João Pinheiro (FJP) e o Conselho Regional de Economia de Minas Gerais (Corecon-MG), o Observatório das Desigualdades, criado em agosto de 2018, é um projeto de extensão do curso de Administração Pública da FJP que busca contribuir com o debate informado sobre as diferentes faces da desigualdade social, os mecanismos que as produzem e reproduzem e as formas de enfrentá-la, difundindo e tornando mais acessível o conhecimento sobre o tema.

Ariel Morelo

Cientista Social pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e bolsista de pesquisa no Observatório das Desigualdades através da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig). É mãe, professora, militante e produtora cultural. Faz parte da atual gestão do Conselho Municipal de Juventudes (COMJUVE) de Belo Horizonte.

José Vitor Cruz

Graduando em Administração Pública pela Escola de Governo Professor Paulo Neves de Carvalho da Fundação João Pinheiro (EG-FJP) e bolsista de iniciação científica do Observatório das Desigualdades. Atua também como estudante voluntário de iniciação científica no grupo de Pesquisa Estado, Gênero e Diversidade (Egedi), sobretudo em pesquisas com temática LGBTQIAP+.

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Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Ana Carolina Vasconcelos