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RRF ou Propag? Governo Federal homologa plano de recuperação fiscal de MG; entenda os impactos

Proposta alternativa pode ser sancionada até segunda-feira (13)

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
Foto - - Luiz Santana/ALMG

O Governo Federal homologou, nesta semana, o plano de recuperação fiscal de Minas Gerais, a pedido da gestão estadual de Romeu Zema (Novo). Com a medida, o estado passou a aderir na prática ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF) que, na avaliação do Executivo mineiro, seria uma resposta às dívidas com a União, que já chegam a mais de R$ 160 bilhões. 

Todavia, especialistas alertam que, além de não resolver o problema, o RRF pode ser uma armadilha ainda pior. Valquiria Assis, economista e ex-presidenta do Conselho Regional de Economia (Corecon-MG), destaca entre os riscos a possibilidade de crescimento da dívida e os impactos nocivos aos serviços e servidores públicos. 

“São vários desafios e preocupações do RRF que podem afetar a economia do estado, a qualidade dos serviços públicos e as condições de trabalho dos servidores públicos. A estrutura do RRF implica que, embora os pagamentos imediatos sejam reduzidos, a dívida pode continuar a acumular juros, potencialmente aumentando o montante total devido ao longo do tempo. Isso pode levar a um prolongamento da dependência fiscal do estado em relação à União, limitando a autonomia financeira”, alerta.

O regime, criado em 2017 pelo governo de Michel Temer (MDB), oferece aos estados o alongamento do prazo para o pagamento da dívida. Porém, os juros continuam sendo cobrados. 

Dívida do Rio de Janeiro durante a vigência do RRF saltou de R$ 132 bilhões para R$ 151 bilhões

O primeiro a aderir ao RRF foi o Rio de Janeiro, no ano de criação da medida. Durante a vigência, a dívida do estado saltou de R$ 132 bilhões para R$ 151 bilhões, crescendo mais de 14%. 

Além disso, a adesão ao RRF impõe um conjunto de restrições e obrigações, como o congelamento de salários, o impedimento da realização de concursos públicos, a privatização de empresas estatais, a suspensão de direitos dos servidores e um teto de gastos estaduais, entre outras medidas. 

:: Relembre: Os retrocessos que o Regime de Recuperação Fiscal (RRF) pode representar aos serviços públicos ::

“Com o congelamento dos salários dos servidores, há uma diminuição no poder de compra, o que pode impactar negativamente o comércio local e a economia dos municípios.  Isso pode levar à desmotivação e ao aumento da evasão de profissionais, afetando a capacidade de o Estado prestar serviços de qualidade. A imposição de um teto de gastos também pode forçar cortes em serviços essenciais como saúde, educação e segurança”, continua Valquíria.

Ao longo dos últimos anos, o governo Zema vem enfrentando uma série de embates com os trabalhadores do funcionalismo público, que já realizaram dezenas de manifestações e greves contra a adesão do estado ao RRF.  

Mesmo assim, em agosto do ano passado, o governador firmou um acordo com a União para a retomada do pagamento da dívida e publicou um decreto que impõe teto de gastos no estado, congelando o salário e a carreira dos servidores públicos e suspendendo a realização de concursos. As medidas foram tomadas sem o aval da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

Alternativa em debate

O plano de adesão ao RRF foi homologado pelo Governo Federal na segunda-feira (6), poucos dias após o Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag) ser aprovado pelo Senado, no mês passado. A proposta alternativa foi elaborada pelo atual presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD). 

O Propag mantém o formato atual de juros, definido pela inflação mais 4%, mas prevê mecanismos de redução do índice adicional, como a federalização de ativos para o abatimento de parte da dívida. 

Além disso, o programa congela o valor principal da dívida atual, sem descontos;  abate até 2% dos juros com a federalização de bens e créditos estaduais; revê até 1% dos juros com a condição de investimentos no estado e até 1% dos juros para aplicação em um fundo que atenderá a todos os estados. Além disso, permite que as dívidas sejam parceladas em até 30 anos.

Dívida de Minas já passa de R$ 160 bi

Na avaliação de Valquiria, o Propag é menos danoso que o RRF. Todavia, o projeto, que deve ser aderido pelo governo de Minas caso haja a sanção do presidente Lula (PT), também possui contradições e impõe desafios. 

"O principal atrativo do Propag é a redução do custo da dívida. O programa permite amortizar até 20% da dívida por meio da federalização de estatais, o que levanta questionamentos importantes para Minas Gerais, considerando a possibilidade de ofertas financeiras como Cemig, Copasa e Codemge”, chama a atenção.  

:: Leia também: RRF ou Propag? Entenda como funcionam as duas propostas de solução da dívida de MG com a União ::

"A federalização de estatais, embora financeiramente vantajosa a curto prazo, pode ser motivo de controvérsia, já que as empresas têm papel estratégico para a economia e para a prestação de serviços essenciais. Além disso, a ampliação do prazo para pagamento da dívida pode transferir o problema para futuras administrações, sem resolver de forma definitiva o desequilíbrio fiscal estrutural”, continua a economista. 

Dívida deveria ser revista

Diante desse cenário, Weslley Cantelmo, doutor em economia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), destaca que, na realidade, para ele, a dívida sequer é legítima.

Weslley entende que no último período houve uma subversão do sentido do pacto federativo, que criou uma ideia de que há competências concorrentes entre os entes federativos, quando, na verdade, deveria haver um sentido de maior colaboração entre as partes. 

“Quando a União exige o pagamento dessa dívida, que tem uma origem muito complexa, e inviabiliza a ação de um ente federativo, sob o ponto de vista da política fiscal, quem sai prejudicada é a população, que é representada pela própria União. Ou seja, é um paradoxo. Os termos de resolução dessa dívida deveriam ser outros”, avalia o economista. 

Ele destaca a necessidade de uma reforma do pacto federativo, que, na avaliação do especialista, foi prejudicado com as reformas neoliberais da década de 90.

De forma imediata, Weslley enfatiza que o RRF é a pior das alternativas, enquanto o Propag, mesmo com as contradições, é melhor, por oferecer mais liberdade aos estados. Para ser aderido pelos estados, o Propag precisa ser sancionado por Lula até a próxima segunda-feira. 





 

Edição: Elis Almeida