O racismo e o sexismo estruturam o acesso às oportunidades
Muito se discute sobre o programa Bolsa Família e, até hoje, há questionamentos sobre o “merecimento” daqueles que o recebem ou sobre as “contrapartidas” que deveriam ser exigidas dos beneficiários.
Entretanto, o que essas pessoas não sabem é que existe um benefício ainda mais elevado, amplamente aceito e raramente questionado: a “bolsa homem branco”. Trata-se de um bônus permanente, superior ao valor do Bolsa Família, sem exigências ou contrapartidas, garantido unicamente pela condição de um indivíduo nascer homem e branco.
Tal descoberta foi revelada pela mais recente nota técnica do Observatório das Desigualdades e mostra, por meio de diferentes métodos estatísticos, o privilégio sobre a renda de se nascer homem e branco. O trabalho na íntegra pode ser encontrado neste link.
O estudo analisou a vantagem líquida de ser homem branco na renda do trabalho e na renda domiciliar per capita (RDPC), com base nos dados da PNADC 2023. Com isso, a metodologia adotada foi dividida em três etapas principais, sendo elas: o Propensity Score Matching (PSM), a regressão linear e um exercício contrafactual.
Seguindo tal metodologia, o estudo apurou que em Minas Gerais, em 2023, homens brancos receberam no trabalho, em média, R$ 742,98 a mais que outros trabalhadores, mesmo quando comparados a pessoas com características similares, como idade, grau de instrução, carga horária, setor de ocupação e localização (urbana ou rural).
Esse valor equivale a uma espécie de “bolsa mensal” paga pelo mercado de trabalho aos homens brancos, superior ao benefício médio do Bolsa Família no estado, que foi de R$670,36 no mesmo ano.
E se a “bolsa homem branco” fosse universalizada?
O estudo também demonstrou os impactos da extensão desse benefício para toda a sociedade, ou seja, estimou o que aconteceria com os rendimentos do trabalho se esse “bônus” se estendesse a todos os trabalhadores, alcançando as mulheres e negros. Dessa forma, a análise calcula como a universalização da “bolsa homem branco” afetaria a distribuição de rendimentos do trabalho no estado de Minas Gerais.
Os resultados indicam que, caso os homens brancos tivessem seus rendimentos estendidos para todos os ocupados, a renda média do trabalho aumentaria 18,96% no estado, dependendo da metodologia utilizada para a estimativa. Além disso, a universalização desse benefício reduziria a desigualdade da renda, com o Índice de Gini apresentando uma redução de 13,64%.
Fonte: elaboração própria a partir da PNAD/C (IBGE)
Efeitos da universalização sobre a desigualdade de rendimento entre os distintos grupos
O estudo também avalia o impacto hipotético da universalização da “bolsa homem branco” para diferentes grupos. Nesse sentido, a maior elevação relativa da renda ocorreria entre as mulheres negras, que veriam um aumento de 47% em seus rendimentos.
Já as mulheres brancas teriam um aumento de 26%, enquanto os homens negros veriam um acréscimo de 18% em sua renda.
Contudo, a análise deixa claro que, mesmo com esses aumentos, a disparidade permanece. As mulheres brancas atingiriam a mesma renda que os homens brancos, mas as mulheres negras e os homens negros continuariam com rendimentos muito abaixo dos homens brancos. Isso reflete a complexidade das desigualdades no mercado de trabalho e como o racismo e o sexismo estruturam o acesso às oportunidades.
A importância de analisar as desigualdades
Diante do exposto, o estudo desenvolvido é um importante mecanismo de denúncia sobre as desigualdades normalizadas em Minas Gerais. Nesse sentido, quantificar e dar nome a um privilégio invisibilizado é um caminho para desnaturalizar as injustiças, mostrando como as diferentes formas de desigualdades se entrelaçam e resultam em uma estrutura opressiva e excludente.
O Observatório das Desigualdades
Bruno Lazzarotti é professor e pesquisador da Fundação João Pinheiro, coordenador do Observatório das Desigualdades e doutor em Sociologia e Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Clarice Miranda é discente do curso de Administração Pública da Fundação João Pinheiro, integrante do Observatório das Desigualdades e apaixonada por políticas públicas e gestão governamental.
Parceria entre a Fundação João Pinheiro (FJP) e o Conselho Regional de Economia de Minas Gerais (Corecon-MG), o Observatório das Desigualdades, criado em agosto de 2018, é um projeto de extensão do curso de Administração Pública da FJP que busca contribuir com o debate informado sobre as diferentes faces da desigualdade social, os mecanismos que as produzem e reproduzem e as formas de enfrentá-la, difundindo e tornando mais acessível o conhecimento sobre o tema.
Leia outros artigos do Observatório das Desigualdades em sua coluna no Brasil de Fato MG.
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Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do jornal
Edição: Ana Carolina Vasconcelos