Jovens estão pressionados por perspectivas conflitantes
Por Natália Gil (UFRGS)
Outro dia, eu conversava com meu filho adolescente sobre o aumento dos casos de ansiedade climática nos últimos anos em diversos países do mundo. Enquanto conversávamos fui me dando conta que a preocupação é bem maior para ele do que para mim. Claro que, se o mundo acabar num futuro próximo, será horrível para todos nós!
Só que ansiedade é um sentimento relacionado à ideia de futuro, mas que a gente vivencia no presente. E, nesse caso, tem uma grande diferença que eu já esteja em uma etapa da vida em que fiz muita coisa, realizei vários planos que tinha, me frustrei com alguns deles, conheci muitos lugares, enfim, já vivi muita coisa do que eu queria viver quando eu era adolescente.
Ele, ao contrário, está na fase de elaborar seus planos de futuro. Então, dá para compreender que projetar o porvir e se deparar com a possibilidade de que o planeta não resista tempo suficiente para poder realizar os planos feitos tende, de fato, a ser mais angustiante para os mais jovens.
No início dos anos 2000, surgiu o termo crise climática para se referir aos riscos que o aquecimento global representa para a preservação da vida na Terra. De lá para cá, muito se tem discutido na mídia, nas escolas, nas conversas cotidianas acerca dessa questão e das alternativas viáveis de reversão do problema. Inscritas nessa problemática, catástrofes naturais sucessivas (como furacões, inundações, incêndios florestais etc.) cada vez mais vem sendo apresentadas como fenômenos articulados a uma mesma grande causa.
A insegurança quanto ao futuro do planeta impacta, evidentemente, cada pessoa de forma específica e ainda há poucos estudos a respeito. Mas, de qualquer modo, tem ficado evidente um crescente mal-estar geral em relação ao tema.
Esse sentimento de angústia e preocupação quanto às consequências do aquecimento global tem sido chamado de ansiedade climática. A Associação Americana de Psicologia estima que entre 25% e 50% das pessoas que estiveram expostas a um desastre climático podem vir a desenvolver problemas de saúde mental associados ao fenômeno.
Não bastava a gravidade da situação em si, para piorar, vivemos um período em que as ideias neoliberais têm grande espaço na organização das escolas. Isso significa, por exemplo, que na atualidade prevalece a compreensão de que a função da escola é formar cidadãos para o futuro, pessoas que estejam preparadas para continuar aprendendo durante toda a vida podendo se adaptar continuamente a um mundo dinâmico e interconectado.
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Há cem anos, o que se esperava da escola era muito mais que ensinasse as crianças e os jovens a conhecerem a cultura da humanidade, a viver juntos garantindo a paz mundial e a contribuir para o bom funcionamento da sociedade democrática e o progresso da economia nacional. As funções da escola estão, efetivamente, longe de ser atemporais: cada época tem seus focos principais.
Projeto de Vida
Especialmente no que diz respeito aos currículos no século XXI, uma moda global é a inserção de uma disciplina chamada “Projeto de Vida”. Nela se espera que os alunos aprendam a se tornarem condutores da própria vida e empreendedores de si mesmos. Bem ao gosto neoliberal, sugere-se que os problemas sociais não seriam resultantes de uma estrutura socialmente injusta que determina, em larga medida, a variação de renda, educação, empregabilidade, moradia etc. para cada grupo social.
O que se ensina aos alunos nessa disciplina é que os jovens devem estabelecer seus sonhos, planejar seu destino e construir eles próprios as possibilidades para prosperar.
Na Base Nacional Comum Curricular, que estabelece o currículo que deve ser seguido em todas as escolas de Educação Básica no Brasil, consta que uma das competências gerais a ser desenvolvida durante os anos de escolarização é que os alunos aprendam a “valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade”.
Não é difícil observar, portanto, que os jovens estão pressionados por perspectivas conflitantes.
De um lado, escutam a todo momento que a crise climática vem se agravando e que as consequências podem ser irreversíveis, inviabilizando a manutenção da biosfera. De outro, aprendem na escola que seu futuro depende apenas deles próprios, dos planos que fazem e da capacidade que desenvolvem de buscar o que querem com liberdade e autonomia. Assim, a ansiedade só tem mesmo como aumentar.
Natália Gil é doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Professora na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenadora do grupo de pesquisa “HISTEB - História da escolarização no Brasil: políticas e discursos especializados”. Tem se dedicado a investigar a história da exclusão na escola brasileira e as implicações dos processos de quantificação em educação.
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Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal
Edição: Elis Almeida