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Programa Mais Professores: reflexões iniciais

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Quase 90% dos professores brasileiros se sentem desvalorizados, segundo estudo - Foto: Wilson Dias/Agência Brasi
O problema é a desvalorização da profissão docente e não as licenciaturas

Por Luciano Mendes e Natália Gil

Provocados pelo colega Marcelo Silva, na UESC-BA, esboçamos 10 argumentos/teses que parecem pertinentes para pensarmos o Programa recém lançado pelo governo federal para tentar fazer frente à falta de atratividade da profissão docente no Brasil, sobretudo no que se refere à escola básica.

1) Há uma TRADIÇÃO, no campo da educação pública, de tratar os desafios estruturais como se fossem questões emergenciais, o que tem autorizado ações políticas imediatistas, na forma de campanhas ou programas, que passam ao largo dos problemas de fundo a serem enfrentados.

2) A FALTA DE PROFESSORAS na educação básica brasileira é um problema que vem sendo anunciado há mais de duas décadas e pouca ou nenhuma relação guarda com a questão da formação docente, mas está relacionado, isto sim, à precarização das carreiras, dos salários e das condições de trabalho docente. Ou seja, o problema é da desvalorização da profissão docente e não das licenciaturas.

3) O enfrentamento dos PROBLEMAS ESTRUTURAIS da educação básica exige uma ação conjugada dos entes federados (municípios e estados) e dos poderes da república, sobretudo no que se refere às carreiras, aos salários e às condições de trabalho docente dos estados e dos 5.570 municípios brasileiros.

4) Há muitas décadas Anísio Teixeira e, como ele, uma multidão de professoras e pesquisadoras, têm afirmado que é impossível fazer uma escola de qualidade sem que se invistam os RECURSOS NECESSÁRIOS e o Brasil teima em contrariar esta máxima, investindo um valor per capta, por aluno, muito abaixo da média de boa parte dos países do mundo.

5) Com exceção do Piso Salarial Nacional, pouca coisa se fez, de fato, nas últimas décadas para enfrentar a PRECARIZAÇÃO DAS CARREIRAS, DOS SALÁRIOS E DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO DOCENTE, sendo que o que sempre teve proeminência nas políticas, inclusive federais, foram as propostas de Formação e Avaliação Docente. Enquanto os professores não puderem, por exemplo, completar a carga horária semanal em uma única escola, vinculando-se afetiva e profissionalmente a uma mesma comunidade escolar, vai ser difícil que a profissão se torne atrativa.

6) O Programa Mais Professores, em que pese a pertinência de algumas de suas ações, incorre, novamente, no erro de considerar que a questão fundamental da falta de professoras na educação básica está relacionada à falta de atratividade dos cursos de formação docente, as licenciaturas, e não na DESVALORIZAÇÃO da profissão docente.

7) A proposta de um Pé-de-Meia Licenciaturas vem ao encontro de uma antiga reivindicação dos sindicatos docentes e dos centros de formação, pois poderá contribuir para que as alunas das licenciaturas possam se dedicar integralmente ao seu curso de formação e não ter que dispersar seu tempo e energia em outro trabalho ou nos “estágios não obrigatórios” que, em boa parte das vezes, são formas de EXPLORAÇÃO DE TRABALHO qualificado a baixo custo.

8) No entanto, não está claro, nos documentos publicados, como será realizada a seleção das bolsistas. Há uma menção de que o Pé-de-Meia Licenciatura ajudaria na busca pelas “licenciaturas por estudantes com alto desempenho no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem)”. Isto quer dizer o quê, exatamente? E, como sabemos, entrar e concluir a licenciatura não significa, necessariamente, entrar e PERMANECER NA PROFISSÃO DOCENTE. 

De outra parte, não custa perguntar: não seriam as pessoas que têm as menores notas no ENEM e que buscam as licenciaturas as que mais precisariam deste tipo de apoio para concluírem o curso?

9) O governo federal acena, novamente, com a Bolsa Mais Professores, passando ao largo das questões relativas à carreira, aos salários e às condições de trabalho, e com o agravante de correr o risco de deixar de fora justamente as professoras que TÊM OS MENORES SALÁRIOS e as piores carreiras e condições de trabalho, que são aquelas que trabalham na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental. 

Como a bolsa é por apenas dois anos, resta perguntar: e depois? De novo, volta-se ao círculo vicioso da precariedade das carreiras, dos salários e das condições de trabalho. Se não se soluciona isso, não há bolsa ou curso de formação que possa tornar a profissão docente atrativa para a nossa juventude.

10) No Programa Mais Médicos, que parece ter inspirado o nome do Mais Professores, “é concedida aos médicos participantes do programa uma bolsa-formação no valor mensal bruto de R$ 14.058,00, sendo o pagamento líquido no valor de R$ 12.500,80”. Já no Programa Mais Professores, o “participante receberá uma bolsa mensal no valor de R$ 2.100, mais o salário do magistério, a ser pago pela rede de ensino a que estiver vinculado. Além disso, durante o período da bolsa, o professor cursará uma pós-graduação lato sensu com foco em docência”. A DIFERENÇA DOS VALORES nos ajuda, eloquentemente, a entender a baixa atratividade da profissão docente no Brasil. Ou não?

Luciano Mendes (UFMG) e Natália Gil (UFRGS) são editores da coluna Cidade das Letras do Brasil de Fato MG.
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Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Lucas Wilker