O governador Romeu Zema (Novo) vetou diversos dispositivos do Plano Plurianual de Ação Governamental (PPAG) 2024-2025, publicado no último dia 31 no Diário Oficial do Estado. Dentre eles, estão ações importantes de apoio a mulheres em situação de vulnerabilidade social, inclusão da população LGBTI+ e auxílio a cuidadores exclusivos de pessoas com deficiência.
Especialistas avaliam com preocupação os vetos, que podem prejudicar a assistência a essas populações, já vulnerabilizadas. A Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), no retorno às atividades parlamentares, deve analisar os vetos do governador, que podem ser derrubados por maioria absoluta de 39 votos.
O PPAG indica, para o período de quatro anos, os gastos e investimentos previstos pelo Estado, sendo revisado anualmente. É por meio dele que o governo e a sociedade civil planejam suas ações e distribuição de recursos, estabelecendo metas e programas a longo prazo.
Barbara Ravenna, presidente da União Brasileira de Mulheres em Minas Gerais (UBM-MG) , questiona os vetos. “As ações vetadas pelo governador fazem parte do dever estatal de garantir direitos sociais fundamentais, conforme previsto na Constituição”, defende.
“Quando o governador veta essas propostas ele está mais uma vez se isentando da sua responsabilidade com o povo mineiro. O papel do governo é garantir o bem-estar e a proteção de todos os cidadãos, especialmente dos grupos mais vulneráveis. Esses vetos não só dificultam a vida dessas populações, mas também mostram que o governo não está sendo sensível ou responsável com a vida de muitos mineiros", denuncia Barbara.
Acenos a extrema direita
Isabel Gonçalves, da Coordenação Estadual da Marcha Mundial das Mulheres (MMM), ressalta que esta irresponsabilidade com as populações vulnerabilizadas está diretamente relacionada a uma tentativa de aproximação, por parte de Zema, de pautas caras à extrema direita.
“A investida da extrema direita sobre nossas vidas é impulsionada por uma agenda conservadora que promove violência e discriminação. Os vetos realizados por Zema são a expressão concreta desse projeto que possui caráter patriarcal, LGBTfóbico e racista”, comenta.
Vetos afetam ações para mulheres, população LGBTI+ e pessoas com deficiência
Perspectiva com a qual Barbara Ravenna também corrobora. “Tem áreas, principalmente quando falamos de assistência social e inclusão, em que a ação do Estado é importantíssima para garantir que as pessoas mais vulneráveis recebam o apoio que precisam. A população não elegeu uma empresa, embora o governador ache que o Estado seja uma de suas empresas privadas", critica Isabel.
Pessoas com deficiência e cuidadores exclusivos
No que tange às pessoas com deficiência, foram vetados os dispositivos que instituíram o auxílio biopsicossocial a cuidadores exclusivos de pessoas com deficiência e transtornos do neurodesenvolvimento, incluído no Programa Mineiro de Acessibilidade, Inclusão e Saúde (Promais) e a priorização de criação de centros de referência para a prestação de atendimento integral de forma regionalizada a pessoas com deficiência.
Segundo o governo estadual, no primeiro caso, o veto se justifica uma vez que, os deputados previram que os recursos seriam oriundos do cancelamento da política de desestatização, e que a medida seria inconstitucional. Já sobre o veto a regionalização do atendimento o governo entende que a medida contraria o interesse público.
“Cuidar de alguém com deficiência ou transtornos do neurodesenvolvimento é um trabalho complicado e desafiador, em sua grande maioria executado por mulheres. Sem essa política pública efetiva, tanto as pessoas com deficiência quanto seus cuidadores podem se sentir ainda mais sozinhos e vulneráveis. É aquela famosa pergunta: Quem cuida de quem cuida?”, questiona Ravenna.
Gonçalves aponta ainda que as justificativas do governador ignoram a legislação de proteção e inclusão a essas pessoas.
“Esses vetos ignoram o disposto na Constituição Federal (art. 203) e na Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015), que garantem direitos fundamentais às pessoas com deficiência. Além disso, implicam na redução do acesso a serviços especializados, especialmente em regiões periféricas, no aumento da sobrecarga das cuidadoras e no comprometimento da qualidade de vida e da saúde de pessoas com deficiência", aponta Gonçalves.
Violência de gênero e população LGBTI+
Três dispositivos voltados ao enfrentamento a violência de gênero e à inclusão da diversidade sexual também foram excluídos. Entre elas, a incorporação das pessoas LGBTI+ na política de inclusão produtiva de mulheres em situação de vulnerabilidade econômica e social no mundo do trabalho; e a criação de dispositivo no PPAG de enfrentamento à violência política contra mulheres.
Ambas com a justificativa de que a criação desse tipo de ação é privativa do Poder Executivo, e, portanto, a proposição feita pela ALMG fere, de acordo com Zema, o princípio de separação dos poderes. Para Bárbara, a justificativa contraria o papel do governo de garantir o bem-estar e a proteção de todos os cidadãos, assegurando que, independentemente de sua orientação sexual ou identidade de gênero, tenham as mesmas oportunidades de trabalho.
“Deixar de incluir pessoas LGBTI+ na política de inclusão produtiva acaba limitando as chances delas de conseguir um emprego formal, o que mantém ciclos de pobreza e vulnerabilidade social. Essa inclusão é de extrema importância para que pessoas LGBTs tenham acesso a recursos e oportunidades, ajudando a diminuir a discriminação”, destaca Ravenna.
Maicon Chaves, presidente do Centro de Luta Pela Livre Orientação Sexual de Minas Gerais (Cellos/MG) e Secretário de Relações Internacionais Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT) , ressalta que o governador insiste em não fazer políticas públicas que atendam a toda a população, reiteradamente excluindo pessoas LGBTI+ no estado. Ele destaca ainda que as exclusões se sobrepõem.
“Quando ele, por exemplo, retira ações importantes voltadas à inclusão produtiva de mulheres em situações de vulnerabilidade social, nós estamos dizendo de um recorte que abarca travestis, transexuais e lésbicas. Elas estão nas periferias e tem uma atividade produtiva potente que o governador desconsidera ",afirma.
Em 2024, cerca de 160 mil mulheres foram vítimas de violência doméstica em MG
Já a terceira proposição previa a concessão de auxílio transitório para vítimas de violência doméstica, inclusa na ação de enfrentamento da violência doméstica. Segundo o governador, o veto se explica porque tais ações cabem aos municípios e não ao governo estadual. O que, para Isabela, não serve como justificativa.
“O governo estadual tem o dever de coordenar, fomentar e financiar políticas públicas que garantam proteção integral às vítimas, especialmente em situações de emergência. A descentralização das políticas públicas não exime o Estado de sua responsabilidade”, problematiza.
Ainda de acordo com a coordenadora estadual da Marcha Mundial das Mulheres, as retiradas contrariam o disposto na lei Maria da Penha e na lei nº 14.192/2021, que tratam do combate à violência contra mulheres.
Em 2024, cerca de 160 mil mulheres foram vítimas de violência doméstica no estado de Minas Gerais e ao menos 126 foram mortas em casos de feminicídio.
“Os vetos trazem graves consequências à vida das mulheres, intensificando seu desamparo econômico (em especial as mulheres negras e pobres), a manutenção de barreiras à participação política, perpetuando desigualdades de gênero nos espaços de poder. O enfraquecimento da rede de proteção social e enfrentamento a violência”, explica Isabela.
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Para ela, a comunidade LGBTI+ também está sujeita a essas consequências e a promoção da inclusão produtiva é uma estratégia importante na redução das desigualdades e combate aos preconceitos, contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
“A exclusão da população LGBTI+ das políticas de inclusão produtiva impede que um grupo historicamente marginalizado tenha acesso a oportunidades econômicas e sociais. Essa exclusão aumenta a vulnerabilidade econômica dessas pessoas, mantém e intensifica a discriminação contra essa população no mercado de trabalho e agrava o risco de violência e exclusão social”, denuncia.
Edição: Elis Almeida