Minas Gerais

IMPACTOS

Artigo | Entre a inércia e a urgência de organizar-se

"Em tempos de governos progressistas, muitas vezes caímos na armadilha da inércia"

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
Bloco Afoxé Bandarerê, em parceria com a Nzo Jindanji kuna Nkosi, se organiza conectando ancestralidade e cultura - Foto: Luiz Rocha

O carnaval é um exemplo de como a coletividade pode transformar

As recentes falas de Mark Zuckerberg em seu aceno as políticas de retrocesso do governo Trump são um lembrete de que nossas lutas não podem enfraquecer. Sabemos que há um inegável impacto direto e indireto, em todo o mundo, com a guinada conservadora dos Estados Unidos.

Precisamos, então, transformar momentos de incerteza em oportunidades de fortalecimento coletivo. Para nós, que vivemos a realidade de populações historicamente marginalizadas, a organização não é uma escolha – é uma necessidade. A luta pela equidade racial é, antes de tudo, sobre sobrevivência, dignidade e o direito de existir.

Inércia

Em tempos de governos progressistas, muitas vezes caímos na armadilha da inércia. Sem um inimigo declarado, acreditamos que estamos avançando, quando, na verdade, estamos apenas marcando o passo.

Agora, diante de movimentos que colocam em risco conquistas sociais e ampliam desigualdades, precisamos resgatar o ímpeto de mobilização que vem da coletividade. A pluralidade de vozes, experiências e percepções é o que nos permite construir soluções criativas e efetivas para os desafios que enfrentamos.

Carnaval

O carnaval é um exemplo poderoso de como a organização e a coletividade podem transformar. Ele é muito mais do que uma celebração cultural – é um ato político, um espaço de resistência onde diversas histórias se encontram para reafirmar quem somos e o que defendemos.

Como exemplo disso, o bloco Afoxé Bandarerê, em parceria com a Nzo Jindanji kuna Nkosi, se organiza conectando ancestralidade e cultura. O 12º Presente Ecológico de Iemanjá, que inaugura as atividades carnavalescas do Afoxé, não apenas celebra a vida, mas também nos convoca a refletir sobre a preservação de nossas águas e recursos naturais, enquanto fortalece a sabedoria ancestral das comunidades tradicionais de matrizes africanas.

Lutas conectadas

Essas iniciativas nos ensinam que interseccionalidade não é apenas um conceito, mas uma prática essencial. Não podemos falar de equidade racial sem abordar outras pautas igualmente urgentes, como justiça ambiental, direitos das mulheres, proteção dos povos originários e de pessoas com deficiência.

Todas essas lutas estão intimamente conectadas. Hoje, vivemos em um país onde a violência contra a população negra e os povos indígenas atinge números alarmantes. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que negros representam a ampla maioria das vítimas de violência policial.

Ao mesmo tempo, comunidades indígenas enfrentam a destruição de seus territórios pela grilagem e pela expansão do agronegócio. Esses problemas não podem ser tratados como questões isoladas; eles são fruto de um sistema que precisa ser confrontado com força coletiva e soluções construídas por múltiplas vozes.

A transformação acontece quando construímos pontes entre pautas, pessoas e organizações. É ao dialogar com comunidades e movimentos que surgem as ideias mais criativas e as ações mais impactantes. Cada projeto, cada parceria e cada conversa são oportunidades de reforçar nossa luta por um futuro onde a equidade racial e a justiça social sejam centrais.

Organização

A convocação que deixo aqui é simples: vamos nos organizar. A pluralidade é o que nos fortalece. O candomblé ensina que quando estamos juntos, construindo, dançando, cantando e resistindo, somos imbatíveis.

Que essa energia nos guie para transformar incertezas em movimento, diálogos em ações e desafios em oportunidades. A nossa força está na coletividade.

Vamos juntos transformar o presente para garantir um futuro onde todos possam existir e prosperar. Seguimos firmes, atentos e organizados.

Luiz Phellipe Vieira (Muzenza Muxelumbembi) é integrante da Casa de Candomblé Nzo Jindanji kuna Nkos’i, produtor executivo do Afoxé Bandarerê e coordenador de Negócios e Relacionamento do Instituto Identidades do Brasil

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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.

Edição: Elis Almeida