Minas Gerais

MORADIA

Decreto busca combater imóveis ociosos em BH, mas esbarra em desafios estruturais e políticos

Regulamentação municipal aponta avanços, mas movimentos sociais destacam limitações e riscos à sua efetividade

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG | |
Divulgação - Berlemes

A Prefeitura de Belo Horizonte publicou recentemente o Decreto 18.928/25, que busca regulamentar o uso de imóveis ociosos e subutilizados na cidade. Apesar de ser um avanço importante, movimentos sociais apontam que a medida, por si só, não resolve problemas estruturais relacionados à moradia, desigualdade e urbanização.

O decreto, que regulamenta dispositivos do Plano Diretor e da Lei 11.216/2020, prevê a notificação de proprietários para comprovar a utilização de seus imóveis ou apresentar projetos de construção e adaptação em conformidade com a legislação. Caso as exigências não sejam cumpridas, os responsáveis podem enfrentar o aumento da alíquota do IPTU. 

A princípio, o mapeamento será realizado na região do Hipercentro, com critérios técnicos que identificam imóveis ociosos, como a ausência de contas ativas de água ou energia.

Para Wallace Oliveira, integrante do Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD), a iniciativa da prefeitura é bem-vinda, mas insuficiente sem uma política integrada e comprometida com a habitação social. 

“Qualquer medida para combater a especulação imobiliária e a ociosidade dos imóveis contribui para reduzir os preços dos aluguéis, promover habitação de interesse social e garantir o direito à cidade. Mas é fundamental que o decreto seja implementado de fato, com mapeamento transparente e a participação da sociedade na fiscalização”, afirmou. 

Wallace também destacou o papel de grandes proprietários e empresas no controle de imóveis ociosos. Para ele, essas práticas não geram emprego, renda ou moradia, mas contribuem para a especulação financeira e a valorização de terrenos de forma desigual. 

“Se essa medida do governo for o início de uma política que envolva outras ações, como a desapropriação para fins de interesse social, podemos começar a ter esperanças. Mas isso depende de decisão política firme, que enfrente a forte reação do setor imobiliário”, completou. 

Ednéia de Souza, militante do Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM), reforçou que a regulamentação é um passo importante, mas exige atenção especial ao público de baixa renda. 

“É preciso garantir que as moradias no centro atendam prioritariamente quem ganha até três salários mínimos, que não consegue acessar programas habitacionais pelo mercado. Apesar de ser uma vitória, ainda temos muito que lutar para assegurar políticas públicas que valorizem esse público e promovam justiça tributária”, destacou.

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Críticas à aplicação e riscos políticos

Ambos os entrevistados expressaram preocupação com a fragilidade da medida, já que foi implementada por decreto e não por lei. Para Wallace, isso torna a política mais suscetível a revogações ou mudanças em função de interesses políticos ou econômicos. Além disso, ele criticou o histórico do poder público de não enfrentamento à especulação imobiliária. 

“O Estado atua com rigor quando o pobre ocupa por necessidade, mas faz vista grossa para grandes proprietários que mantêm imóveis ociosos e, muitas vezes, até se apropriam de espaços públicos”, criticou.

Ednéia também chamou a atenção para a necessidade de ampliar a aplicação da política para outras regiões da cidade, além do Hipercentro, e alertou para o impacto dos benefícios fiscais concedidos a grandes proprietários em áreas valorizadas. Segundo ela, a política só será efetiva se o IPTU progressivo for aplicado de maneira rigorosa e se os imóveis forem destinados a fins sociais.

Desdobramentos esperados

Movimentos sociais defendem que o mapeamento dos imóveis ociosos seja público, permitindo maior fiscalização e garantindo que os recursos arrecadados com o IPTU progressivo sejam destinados ao Fundo Municipal de Habitação de Interesse Social.

Além disso, Ednéia destaca que é preciso definir critérios claros para a ocupação das moradias adaptadas. Para ela, a luta pela regulamentação dos imóveis ociosos é histórica, mas sua efetividade ainda depende de um conjunto de políticas complementares e de maior articulação com os movimentos populares.

Apesar das limitações, o decreto é visto como um indicativo de avanço no debate sobre a função social da propriedade em Belo Horizonte. No entanto, como conclui Wallace, o enfrentamento à especulação imobiliária só será possível com a união de medidas legais, vontade política e mobilização social. 

“Sem isso, continuaremos vendo o Estado ser omisso enquanto o trabalhador pobre enfrenta despejos, mora em áreas de risco e sofre com as consequências da falta de políticas habitacionais efetivas”.

Edição: Elis Almeida