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DIREITOS

Minas Gerais sanciona Estatuto da Igualdade Racial com avanços e desafios

Governo Zema veta dispositivos sobre consulta prévia e concursos públicos; deputadas negras celebram avanço histórico

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
Entre as principais iniciativas está a criação do Sistema Estadual de Promoção da Igualdade Racial - Foto: Willian Dias / ALMG

O Estatuto da Igualdade Racial do Estado de Minas Gerais entrou em vigor após a publicação da Lei 25.150, de 2025, no Diário Oficial de Minas Gerais. Sancionada pelo governador Romeu Zema (Novo) com dois vetos, a norma é fruto do Projeto de Lei (PL) 817/23, aprovado de forma definitiva no dia 18 de dezembro pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

Resultado de um trabalho coletivo liderado pelas deputadas Ana Paula Siqueira (Rede), Andreia de Jesus (PT), Leninha (PT) e Macaé Evaristo (PT), atualmente ministra dos Direitos Humanos e da Cidadania, a lei representa uma conquista significativa para a população negra, povos e comunidades tradicionais no estado. Durante o ano passado, as parlamentares lideraram encontros regionais e na capital para formular e debater as propostas que deram origem ao Estatuto.

“O Estatuto é uma conquista histórica na luta antirracista. Um avanço não só no papel, mas um passo firme e concreto rumo a uma sociedade mais justa e igualitária. Um marco, pois consolida um conjunto de políticas públicas e estabelece diretrizes destinadas a enfrentar as desigualdades e discriminações estruturais que afetam a população negra e os povos e comunidades tradicionais”, afirmou Ana Paula Siqueira.

Pretos e pardos somam quase 60% da população mineira

Seminários legislativos sobre o Estatuto da Igualdade Racial, organizados pela ALMG, contou com sete reuniões na capital e em diferentes regiões do estado. Pesquisadores e representantes de movimentos sociais participaram dos encontros, apresentando sugestões para o então projeto. O relatório final, com 120 páginas, foi usado como base para a elaboração e aprimoramento do texto que veio a ser aprovado. A lei destaca cinco formas de racismo presentes na sociedade e propõe ações que garantem direitos alimentares, habitacionais, culturais, entre outros.

“Minas Gerais tem população majoritariamente negra; pretos e pardos somam quase 60% da população. Portanto, a ampliação das políticas públicas afirmativas irá garantir que a maioria dos mineiros e mineiras vivam com mais dignidade e acesso aos direitos fundamentais”, destacou Ana Paula Siqueira.

Vetos polêmicos

Ao sancionar a lei, o governador Romeu Zema vetou dois dispositivos importantes, segundo especialistas. O primeiro, o inciso XII do artigo 4º do PL original, previa a extensão do direito à consulta prévia, livre, informada e participativa para a população negra. Zema justificou o veto alegando que esse direito é exclusivo de povos tribais e indígenas, conforme a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Decreto Federal 5.051, de 2004.

O segundo veto foi ao artigo 55, que determinava a inclusão de temas referentes às relações étnico-raciais e à história da população negra, indígena e de povos tradicionais em concursos públicos e processos seletivos estaduais. Para o governador, a gestão dos concursos é prerrogativa exclusiva da administração pública estadual, tornando a medida inconstitucional.

Yone Gonzaga, doutora em Educação pela UFMG, criticou os vetos, mas destacou os avanços do Estatuto. 

“A partir da existência de um estatuto, a população negra e os grupos de povos e comunidades tradicionais têm mais um instrumento para cobrar do Estado a efetivação de políticas que garantam os direitos individuais, coletivos e difusos”, analisou.

Sistema Estadual de Promoção da Igualdade Racial

Entre as principais iniciativas do Estatuto está a criação do Sistema Estadual de Promoção da Igualdade Racial (Sisepir), que prevê financiamento de projetos e ampla participação social em sua gestão. Segundo a deputada estadual Ana Paula Siqueira, é essencial que o governo estadual apresente prestações de contas regulares e facilite o controle social. 

“Vamos trabalhar para garantir que o Sisepir esteja incluído no planejamento orçamentário do Estado e buscar outras fontes de recursos, como programas do governo federal”, afirmou.

Andreia de Jesus destacou a necessidade de promover o diálogo com municípios, sociedade civil organizada, ONGs e OSCIPs para implementar as diretrizes do Estatuto. 

“Hoje, o socioeducativo no Estado precisa ser pensado também como um campo de promoção da igualdade racial, principalmente para os jovens em cumprimento de medidas educativas ou que estão em conflitos com a lei”, ressaltou.

Representatividade negra

Para especialistas e movimentos sociais, a participação de deputadas negras foi fundamental para a criação do Estatuto.

“Ter Ana Paula Siqueira, Andreia de Jesus, Leninha e Macaé Evaristo liderando esse processo é muito importante. É a prova de que a representação faz a diferença”, disse Yone Gonzaga. Ela reforçou a importância de eleger mais pessoas negras para ocupações no poder legislativo.

Nas redes sociais, Leninha comemorou.

“Minas Gerais agora tem seu próprio Estatuto da Igualdade Racial. Construído a muitas mãos. Continuamos em luta pela sua efetivação”. 

Macaé Evaristo destacou o caráter participativo do processo.

“Durante o ano passado, sete encontros em diferentes regiões do Estado contaram com participação popular, de pesquisadores e de representantes de movimentos sociais. Esse debate foi essencial para aprimorar o projeto”.

Andreia de Jesus reforçou a importância de sensibilizar a sociedade para garantir os direitos previstos nos mais de 50 artigos da lei. 

“Estamos falando de direitos à moradia, à educação, à cultura, ao empreendedorismo e à proteção de territórios vulnerabilizados. Precisamos unir forças para garantir a implementação plena do Estatuto”.

Um marco na história mineira

O Estatuto da Igualdade Racial de Minas Gerais consolida a luta de décadas de movimentos sociais. Para as deputadas, especialistas e movimentos sociais, apesar dos desafios impostos pelos vetos, o avanço representa um marco na construção de um estado mais justo e inclusivo, reafirmando a urgência de manter o debate e fortalecer as ações afirmativas em todas as esferas.

Edição: Elis Almeida