No sábado (25), completam-se seis anos do rompimento da barragem da Vale, na mina Córrego do Feijão, em Brumadinho. Até agora, nenhum dos responsáveis foi punido criminalmente. O estouro da barragem levou 272 vidas, sendo duas ainda por nascer, e despejou 13 milhões de metros cúbicos de lama na bacia do rio Paraopeba.
Hoje, o processo criminal corre em âmbito nacional, 15 pessoas responde por homicídio doloso e as empresas Vale S.A. e Tüv Süd (responsável por atestar a segurança da barragem) são acusadas de vários delitos da lei ambiental. Os diversos percalços no processo e a demora por respostas frustra e revitimiza as famílias que perderam entes queridos.
Processos criminais tramitam no Brasil e em Munique
É o que relata Maria Regina da Silva, integrante da Associação de Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão (Avabrum) e mãe de Priscila Ellen Silva, uma das vidas perdidas durante o rompimento. “A gente tem muita dificuldade de entender porquê, até hoje, se fala tanto que é um processo muito complexo. Eles mataram! E se eles mataram, eles têm que ser julgados e condenados”.
Para as famílias, a reparação está condicionada à punição dos envolvidos - que, à época do crime, tinham consciência da possibilidade de rompimento - uma vez que, sem a aplicação da lei penal, não acontecerá a mudança de comportamento que se espera. Como justifica, Danilo Chammas, jurista, advogado da Avabrum para os processos criminais e presidente do Instituto Cordilheira.
“Existem provas contundentes de que algumas pessoas tinham conhecimento sobre a situação de risco da barragem e tomaram, conscientemente, a decisão de ocultar essa informação dos órgãos públicos, dos próprios trabalhadores da mina, dos moradores do entorno e da sociedade em geral”, afirma o advogado.
Como estão os processos agora
Os processos criminais tramitam, desde o início de 2023, na esfera federal, a pedido da defesa de alguns réus, que alegavam a presença de sítios arqueológicos na área atingida, o que não foi provado. Ainda assim, a ação foi transferida. Após anos parada e com atraso, dada a necessidade de recomeçar a ação do zero e refazer os atos processuais, está agora a ponto de concluir a etapa das respostas à acusação.
“Nessa disputa de opiniões e de teses jurídicas, passaram-se três longos anos. Ao final, quem ganhou com isso foram os réus e quem perdeu foram todos aqueles interessados na realização da justiça, pois o processo teve que ser retomado do início e diversos atos processuais tiveram que ser refeitos”, explica Danilo.
A esperança das famílias organizadas na Avabrum é que, ainda em 2025 sejam realizadas audiências para os depoimentos das testemunhas de acusação, das testemunhas de defesa, e, por fim, dos acusados. Maria Regina relata o temor de que o processo não se sustente ou volte novamente às fases anteriores.
“O processo começou novamente a caminhar, então nós estamos muito agradecidas a Deus por isso. Nós queremos que o processo caminhe com celeridade sim, mas que caminhe com certeza de que estamos fazendo as coisas todas dentro da lei, do jeito certo”, ressalta.
Homicídio doloso e Tribunal do Júri
As famílias consideram primordial que a acusação de homicídio doloso - quando há a intenção de matar ou sabe-se do risco de matar - seja mantida ao longo de todo o processo.
Uma eventual desclassificação para homicídio culposo, ou outro crime ainda menos grave, retiraria o processo do Tribunal do Júri e diminuiria bastante as possibilidades de aplicação de uma pena proporcional ao tamanho da brutalidade que as vítimas sofreram. Outra importante reivindicação, envolve a participação dos familiares no julgamento, como explica Chammas.
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“A Avabrum, representa 374 familiares de vítimas fatais nesses processos e tem solicitado insistentemente que as audiências aconteçam em sessões públicas, de forma presencial, em um espaço com capacidade para acomodar um número considerável de familiares de vítimas e demais pessoas verdadeiramente interessadas na realização da justiça”, afirma.
Além dos processos que tramitam no Brasil, vem sendo conduzidas investigações pela Procuradoria criminal de Munique, na Alemanha. A esperança da Associação é que esse procedimento se conclua em 2025, com a abertura de uma ação penal contra a empresa e os cidadãos alemães considerados co-responsáveis pelos crimes praticados em 2019.
Presidente da Vale conseguiu habeas corpus preventivo
“O que nos interessa mesmo é o desfecho criminal, que aconteça o julgamento e que, quem não tiver culpa que saia, ma, quem tiver, que seja condenado. Afinal de contas, foram 272 pessoas mortas por um crime que aconteceu e que a empresa sabia", ressalta Maria Regina.
Habeas corpus do ex-presidente
Em março do ano passado, o Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6), concedeu ao ex-presidente da mineradora Vale Fabio Schvartsman, um habeas corpus retirando seu nome da lista de réus no processo. A decisão partiu do entendimento de que não há provas do envolvimento de Schvartsman no rompimento da barragem. Visão com a qual as famílias atingidas discordam veementemente.
“Seguiremos atentos para que mais nenhum réu seja presenteado com o benefício de se livrar prematuramente do processo. No caso de Fábio Schvartsman, trabalhamos para que a decisão do TRF 6, que não é definitiva, seja revertida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ)”, afirma o advogado da Avabrum.
As famílias seguem na luta
Foi lançado, no ano passado, o Observatório das Ações Penais sobre a Tragédia em Brumadinho, iniciativa de um coletivo de entidades do Brasil e do exterior. A página na internet é considerada uma importante ferramenta de acesso à informação sobre os processos existentes.
Além disso, o Observatório atua como um centro de documentação, que preserva a memória da atuação dos magistrados, membros do Ministério Público e das próprias vítimas nesses processos. Ainda no início de fevereiro de 2025, uma nova versão da página será disponibilizada ao público, com ainda mais informações e documentos.
Para Maria Regina, a organização das famílias tem sido fundamental na busca por justiça, embora a vida de entes queridos seja um bem irreparável.
“Na busca por justiça a gente se organiza de todas as formas que podemos para que esse crime seja esclarecido, para que eles vejam que a gente não é bobo, sabemos o que está acontecendo e vamos atrás até o final. Para nós, que perdemos pessoas não têm reparação, o lema do ato de 6 anos é ‘memória irreparável', pessoas não se reparam, não se constrói outra pessoa”.
Edição: Elis Almeida