A economista mineira Tania Cristina Teixeira é a primeira mulher a presidir o Conselho Federal de Economia (Cofecon). Eleita para o cargo em dezembro de 2024, ela também foi presidenta do Conselho Regional da categoria entre os anos de 2020 e 2022.
Tania Teixeira é graduada em Ciências Econômicas pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), instituição da qual também foi docente; mestra em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); e doutora em Economia aplicada pela Universidade de Valência, na Espanha.
Para a próxima gestão do Cofecon, ela espera ajudar a promover uma economia mais inclusiva, que dê centralidade ao desenvolvimento e à justiça social. Além das perspectivas de atuação do conselho, Tania também avaliou o atual cenário político e econômico do país, em entrevista ao Brasil de Fato MG.
“Os ganhos dos últimos dois anos são inegáveis. O desemprego caiu. A fome e a pobreza tiveram uma redução substancial, o salário mínimo aumentou acima da inflação e o governo Lula aprovou uma reforma tributária que, embora represente apenas a primeira etapa daquilo que efetivamente precisa ser feito, foi algo que governos anteriores (inclusive do próprio Lula) não puderam realizar”, comenta.
Ficaram para trás os anos de estagnação econômica
“Mas a relação com o Congresso não é fácil. O governo convive com a liberação cada vez maior de emendas para os parlamentares, o que acaba tirando do Executivo uma fatia importante do orçamento público”, continua Tania.
Em relação ao contexto de Minas Gerais, a nova presidenta do Cofecon enfatiza a importância do estado para a economia nacional. Porém, segundo ela, a condução neoliberal do governador Romeu Zema (Novo), centrada na diminuição do papel do Estado e nas tentativas de privatizações, impõe desafios políticos, sociais e econômicos.
“Zema tem priorizado a concessão de benefícios fiscais ao empresariado, com isenções bilionárias. Embora essas medidas sejam justificadas como estratégias para atrair investimentos e gerar empregos, elas têm sido criticadas por favorecer setores privilegiados”, chama a atenção.
Tania também destaca sobre os possíveis impactos da posse de Donald Trump na presidência dos Estados Unidos e a influência política dos grupos e famílias que hoje controlam as redes sociais — majoritariamente alinhados à extrema direita.
Confira a entrevista completa:
Brasil de Fato MG - Como você avalia o atual cenário político e econômico do Brasil?
Tania Cristina Teixeira - Os ganhos dos últimos dois anos são inegáveis. O desemprego caiu para 6,1% no trimestre encerrado em novembro, o que representa o melhor resultado da série histórica da Pnad Contínua, iniciada em 2012.
A fome e a pobreza tiveram uma redução substancial, o salário mínimo aumentou acima da inflação e o governo Lula (PT) aprovou uma reforma tributária que, embora represente apenas a primeira etapa daquilo que efetivamente precisa ser feito, foi algo que governos anteriores, inclusive o próprio Lula, não puderam realizar.
A relação com o Congresso não é fácil, porque o campo progressista não tem maioria nas casas legislativas. Embora haja ganhos importantes, o governo convive com a liberação cada vez maior de emendas para os parlamentares, o que acaba tirando do Executivo uma fatia importante do orçamento público. Esse assunto foi discutido pelo Cofecon em um seminário realizado na Câmara dos Deputados no ano passado.
Durante a segunda metade de 2024, o governo Lula conviveu com pressões para “cortar gastos” e o pacote de cortes enviado pelo governo foi suavizado no Congresso Nacional, eliminando ou mitigando os efeitos de medidas que atingiam supersalários ou emendas parlamentares.
O capital não assistiu a essa situação de braços cruzados, pressionou pelo corte de gastos
No cenário externo, Donald Trump tomou posse como presidente dos Estados Unidos e, entre as medidas assinadas, ele classificou cartéis de drogas como organizações terroristas, abrindo caminho para intervenções em países da América Latina. Além disso, declarou emergência nacional na fronteira com o México e retomou a construção do muro.
Possíveis políticas comerciais protecionistas podem afetar exportações de aço, alumínio e produtos agrícolas para os Estados Unidos, além de impactar a inflação e a competitividade das empresas brasileiras. O outro lado da moeda é que, caso os EUA intensifique sua guerra comercial com a China, o Brasil pode se beneficiar com o aumento das exportações para o país asiático, como já aconteceu durante o governo anterior de Trump.
Outra mudança que impacta o Brasil é o recente alinhamento da Meta — empresa que tem em seu guarda-chuva as redes sociais Facebook, Instagram e Whatsapp — ao governo Trump e a decisão de eliminar o programa de checagem de fatos, o que levou o Supremo Tribunal Federal (STF) a exigir explicações buscando cumprir as leis brasileiras. Várias mudanças nas políticas da empresa já estão vigentes no Brasil sob pretexto de “garantir maior espaço para a liberdade de expressão”.
Por fim, Trump anunciou a saída dos EUA do Acordo de Paris, repetindo uma decisão de seu mandato anterior, o que pode afetar os esforços globais de combate às mudanças climáticas. Decisões importantes da COP 30 precisam do apoio mais representativo possível dos países participantes, e a falta de apoio norte-americano pode prejudicar medidas que são fundamentais para enfrentar a crise ecológica, quando existe cada vez menos tempo para combatê-la.
Quais foram os principais avanços econômicos desde a terceira eleição de Lula?
O primeiro fator a destacar é que ficaram para trás os anos de estagnação econômica. Pelo terceiro ano seguido, o país está crescendo em um nível próximo de 3%. O setor industrial é algo que exige uma atenção especial, com os níveis de atividade próximos aos de 2012 – por isso a importância de um programa estruturante como o plano Nova Indústria Brasil (NIB).
Muito além de apoiar o setor industrial, tal como já o tivemos um dia, o NIB aponta para uma indústria alinhada com a transformação tecnológica, energética e ecológica que o mundo está vivendo. O cenário é desafiador, mas traz uma oportunidade de ouro para que o Brasil possa se reposicionar com a força industrial que já teve um dia.
O governo também apresentou um programa de infraestrutura, o novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), com foco em rodovias, ferrovias, portos, habitação e energia. O setor de energia é particularmente importante devido a necessidade de descarbonização da economia. Assim, tem havido um investimento em energias limpas como a eólica e a solar, consolidando o Brasil como um líder em sustentabilidade energética, embora alguns economistas as classifiquem como insuficientes.
Alimentação e aluguel subiram acima da inflação, afetando negativamente a avaliação do governo
O desemprego também tem caído durante o mandato do presidente Lula, chegando em 2024 ao menor nível em uma década. Essa situação também aquece o mercado de consumo, permitindo um crescimento econômico maior no curto prazo. Vale lembrar que, tanto em 2023 quanto em 2024, as expectativas do mercado eram bastante baixas no início do ano, mas o crescimento surpreendeu bastante. Junto a esses índices, a pobreza e a fome também foram fortemente reduzidas.
A volta da política de aumento real do salário mínimo também foi um avanço econômico importante, pois traz uma melhoria na renda para pessoas que estão na base da pirâmide, reativando o consumo, porque as pessoas de menor condição financeira têm uma propensão a alocar uma porcentagem maior de recursos para o consumo, já que possuem mais necessidades não atendidas.
O capital não assistiu a essa situação de braços cruzados e, ao longo do segundo semestre de 2024, pressionou pelo corte de gastos do governo federal, o que culminou num pacote de medidas que limitam o aumento real do salário mínimo, alteraram o acesso ao abono salarial e dificultaram o acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), mas o Congresso Nacional enfraqueceu bastante outras medidas que afetavam supersalários e emendas parlamentares.
A aprovação do Novo Arcabouço Fiscal foi uma medida de relativa importância, uma vez que substituiu algo que havia entrado em colapso, o Teto de Gastos. No entanto, sua introdução também trouxe uma série de amarras à política fiscal, reduzindo a margem de manobra do governo. Vários economistas defendem que, no lugar do Teto de Gastos, não deveria ter sido introduzida outra regra, abrindo espaço para que a política fiscal fosse praticada de forma mais livre e eficiente.
Da mesma forma, a aprovação da primeira fase da reforma tributária foi um ganho importante, pois sinaliza para um ambiente mais simples para a economia e os negócios. Mas, embora afete as expectativas de forma positiva, os ganhos práticos ainda levarão algum tempo para se manifestarem.
Resultados práticos da política de Zema têm ficado abaixo das expectativas
A avaliação, após duas gestões neoliberais [Michel Temer e Jair Bolsonaro], é que o Estado tem retomado o protagonismo que nunca deveria ter perdido. Não se trata da falsa dicotomia entre Estado e mercado, mas de cada um cumprir o papel que lhe corresponde.
Nos governos anteriores, Temer (MDB) e Bolsonaro (PL), o Estado teve o seu papel bastante diminuído.
A própria junção de vários ministérios em um só, criando o Ministério da Economia, foi uma medida que reduziu em muito a interlocução do governo com diversos setores da sociedade. Restaurar as funções originais dos ministérios responsáveis pela política econômica, criando ainda uma pasta para a gestão e inovação em serviços públicos, permitiu recuperar esta interlocução.
Por que, em sua avaliação, a melhora dos indicadores econômicos não é acompanhada de um aumento da popularidade do atual presidente?
Existem vários indicadores que melhoraram ao longo dos últimos dois anos. Se tomarmos os indicadores de inflação, por exemplo, o IPCA de 2024 foi de 4,83%, parecido com o de 2023 (4,62%) e menor que os de 2022 (5,79%) e 2021 (10,06%). Comportamento semelhante se manifesta no INPC (4,77%; 3,70%; 5,94%; e 10,16%), mostrando que a inflação teve uma queda nos últimos dois anos.
No entanto, ao decompor os índices, vemos que itens que pesam muito no bolso do brasileiro tiveram uma alta maior. O grupo alimentação e bebidas subiu 7,69%; já a gasolina subiu 9,71%.
Essa variação, às vezes, pode levar ao consumidor a sensação de que os índices de inflação não estão captando a realidade do que mais afeta os brasileiros. O IGP-M, que é usado para reajustar os contratos de aluguel no Brasil, também fechou o ano num patamar mais alto (6,54%).
Além disso, a elevação dos salários pode não acompanhar a inflação. Entre janeiro e março de 2024, a renda média dos brasileiros foi de R$ 3.137, contra R$ 3.017 no mesmo período do ano anterior – uma alta de 3,97%, que é compatível com a alta do INPC de 2023 (apesar de estarmos falando de períodos diferentes), mas abaixo da alta dos preços de alimentos. A elevação dos salários pode não se refletir também nos rendimentos dos trabalhadores informais.
:: Receba notícias de Minas Gerais no seu Whatsapp. Clique aqui ::
Além disso, se o crescimento econômico for impulsionado por setores como agronegócio ou exportações, que nem sempre beneficiam diretamente os trabalhadores urbanos ou informais, pode haver a percepção de que a economia não melhorou tanto assim. Há crescimento, mas não necessariamente a população sente.
As pessoas também avaliam sua situação econômica com base em expectativas para o futuro e no sentimento de segurança. Se elas se sentirem inseguras no emprego, por exemplo, elas podem ter uma percepção negativa, mesmo com a melhora dos indicadores de desemprego. Além disso, melhorias macroeconômicas, como a confiança empresarial, podem levar tempo até serem sentidas pela população na forma de mais empregos e melhores salários.
Fatores como esses podem fazer com que, apesar de haver ganhos macroeconômicos nos últimos dois anos, a sensação não seja necessariamente a de melhora.
Como você avalia o atual cenário político e econômico de Minas Gerais? Qual balanço você faz sobre a política econômica de Romeu Zema?
A economia de Minas Gerais é um dos pilares fundamentais do desenvolvimento nacional, destacando-se por sua diversidade setorial e por sua significativa contribuição ao Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.
Com um crescimento de 12,9% no PIB no terceiro trimestre de 2024 em relação ao mesmo período do ano anterior, o estado reafirma sua importância como motor econômico do país.
No entanto, o panorama econômico mineiro não está isento de desafios, especialmente no que diz respeito à necessidade de equilibrar o desempenho desigual entre setores, promover políticas públicas mais inclusivas e sustentar o crescimento em um cenário de adversidades climáticas e estruturais.
Já a política do governador Romeu Zema (Novo) à frente de Minas Gerais apresenta um panorama contraditório e polarizado, caracterizado por tentativas de implementar um modelo de gestão neoliberal, centrado na diminuição do papel do Estado. O balanço de sua administração evidencia uma série de desafios e críticas, tanto no âmbito político quanto social e econômico.
Um dos pontos centrais da administração Zema foi a tentativa de realizar privatizações e promover a recuperação fiscal do Estado. No entanto, esses esforços enfrentaram obstáculos significativos. A adesão ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF) por meio de decreto, sem o pleno apoio do Poder Legislativo ou de um debate mais amplo com a sociedade, evidencia a dificuldade de consolidar esse projeto.
Além disso, o governo não conseguiu concretizar privatizações amplas, destacando um impasse entre suas intenções e a realidade política e administrativa.
A gestão Zema também tem priorizado a concessão de benefícios fiscais ao empresariado, com isenções bilionárias e incentivos para a instalação de empreendimentos. Embora essas medidas sejam justificadas como estratégias para atrair investimentos e gerar empregos, elas têm sido criticadas por favorecer setores privilegiados.
O governo de Romeu Zema tem apostado no programa Minas Livre Para Crescer e na Lei de Liberdade Econômica como pilares para o desenvolvimento e o crescimento da economia mineira. Essas iniciativas, alinhadas a uma política de viés neoliberal, buscam desburocratizar processos, reduzir a intervenção estatal e atrair investimentos privados.
No entanto, os resultados práticos dessa política têm ficado abaixo das expectativas. Apesar de avanços em alguns setores, como energia renovável, e do reconhecimento internacional do programa, o impacto geral no crescimento econômico tem sido limitado, especialmente em regiões mais vulneráveis.
Críticos apontam que essa estratégia favorece grandes investidores e empresas, enquanto os benefícios sociais e o desenvolvimento regional permanecem insuficientes.
Quais são os principais desafios do país no campo da economia?
Retomar um crescimento consistente e sustentável após quase uma década de estagnação é algo que requer um nível de investimentos maior do que aquele que vem sendo praticado pelo Brasil (no terceiro trimestre de 2024, o número correspondeu a 17,6% do PIB).
Elevar os investimentos também é um desafio à parte. O Brasil se livrou do Teto de Gastos, mas o Novo Arcabouço Fiscal traz metas de superávit primário na tentativa de conter a trajetória da relação dívida/PIB.
Além disso, o Brasil precisou enfrentar um quadro social no qual aproximadamente 33 milhões de brasileiros estavam em situação de fome. Para essas pessoas, não é possível esperar um crescimento de longo prazo. Crianças e adolescentes que atravessam essa situação carregarão consequências por toda a vida, várias delas irreversíveis.
Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) apontam que mais de 24 milhões de brasileiros saíram da condição de fome entre 2022 e 2023. Apesar dessa vitória, ainda há muito o que fazer para diminuir a desigualdade regional. O Nordeste, por exemplo, tem cerca de 28% da população brasileira, mas apenas 14% do PIB, e seus nove estados ocupam várias das últimas posições no ranking de PIB per capita.
O ano de 2024 teve inflação de 4,83%. O número, embora tenha superado a meta estabelecida para o período, está alinhado com a realidade das últimas duas décadas e foi apenas o 12º maior nos últimos 20 anos (e estaria dentro da meta estabelecida para 18 destes mesmos 20 anos).
No entanto, o descumprimento da meta leva o Banco Central a elevar ainda mais os juros, que já estão altíssimos, na casa de 12,25% (ou 6,91% de juros reais, quando se leva em conta a projeção de 5% para 2025 emitida no último boletim Focus). E os juros altos são uma trava para o crescimento da economia em 2025.
O Brasil aprovou uma Reforma Tributária, mas a regulamentação ainda vem exigindo muito trabalho, uma vez que diversos setores querem benefícios. A simplificação de impostos é importante, mas ainda não toca na tributação de renda e riqueza, que é uma das mais nefastas faces da desigualdade no Brasil: ricos pagam proporcionalmente menos impostos do que as camadas mais baixas da pirâmide social. Esta vem sendo uma bandeira do Cofecon antes mesmo que se falasse na atual reforma tributária.
O que é o Cofecon e quais são os seus objetivos? Quais são as principais perspectivas da nova gestão?
O Conselho Federal de Economia é uma autarquia de fiscalização profissional e tem suas atribuições dadas pelo artigo 7º da Lei 1.411/51. Uma das funções do Cofecon é ampliar o reconhecimento social e institucional do economista, além de promover estudos e campanhas em prol da racionalização econômica do país.
A autarquia também emite posicionamentos sobre temas relevantes na área econômica, recomendando caminhos a seguir diante de determinadas situações e propondo políticas adequadas para a solução de problemas específicos.
As principais ações da nova gestão estão alinhadas com o lema “protagonismo, diversidade e desenvolvimento”. Queremos promover uma economia mais inclusiva e equitativa, comprometida com o desenvolvimento econômico, com a justiça social e com a sustentabilidade.
Nossas principais bandeiras incluem desenvolvimento e sustentabilidade, consolidando o Cofecon como referência no debate sobre desenvolvimento sustentável, com ênfase em economia e meio ambiente, e participação ativa na COP 30, promovendo políticas econômicas alinhadas com os compromissos climáticos globais, como os estudos sobre mudanças climáticas e economia circular.
Também pautamos a diversidade, buscando promover a igualdade de gênero, raça e etnia no mercado de trabalho da economia e realizando campanhas para combater desigualdades e discriminações.
Outra bandeira é o reconhecimento e a valorização, ampliando a fiscalização e assegurando o exercício legal da profissão, difundindo a relevância dos economistas em setores estratégicos e mobilizando esforços para a aprovação do Projeto de Lei (PL) 3178/2024, que moderniza a legislação da profissão.
Também queremos participação e transparência, fortalecendo a colaboração entre o Cofecon e os conselhos regionais, participando de eventos e expandindo a comunicação com a sociedade.
Edição: Elis Almeida