Minas Gerais

IMPACTOS

Dois anos após privatização, precariedade do metrô de BH causa queda no número de usuários

Passagem sofreu 2 aumentos, superlotação tem sido um desafio constante e intervalos entre os trens são cada vez maiores

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
Nos horários de pico, principalmente por volta das 17h30, o metrô tem ficado extremamente lotado, relata usuária - Foto: Luiz Santana/ALMG

Em março de 2025, completam-se dois anos desde que a Metrô BH passou a controlar o sistema metroviário de Belo Horizonte, em Minas Gerais. A privatização do transporte ocorreu sob o pretexto de que a empresa investisse, nos cinco anos seguintes, cerca de R$ 500 milhões na revitalização e expansão do modal. 

A maior parte dos recursos para a construção da linha 2 e a reforma da linha 1, no entanto, vem dos cofres públicos. O projeto, que tem um custo total de R$ 3,7 bilhões, conta com investimentos significativos da União e do governo de Minas Gerais, correspondendo a quase 90% do valor total.

A concessão à iniciativa privada, apesar disso, tem gerado inúmeros problemas à população. Nesses dois anos, a passagem sofreu dois aumentos, a superlotação tem sido um desafio constante, os usuários enfrentam intervalos entre os trens cada vez maiores devido às obras e o metrô até para, no meio do caminho, sem explicações, com cada vez mais regularidade. 

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A estudante Kivia Costa, por exemplo, relata que, com o processo de privatização, teve a percepção de que o transporte parecia piorar um pouco a cada semana. 

“Eu uso o metrô pelo menos uma ou duas vezes por semana, saindo da estação José Cândido até a estação Central. Nos últimos meses, especialmente da metade de 2024 em diante, percebi que sempre havia obras acontecendo, tornando a experiência de usar o metrô bastante tumultuada. Além disso, a cada semana o acesso às plataformas mudava: uma hora se entrava por um lado, depois fechavam essa entrada e abriam outra. Isso aconteceu várias vezes”, conta.

Outro problema que a jovem percebeu foi a diminuição da quantidade de vagões. Nos horários de pico, principalmente por volta das 17h30, quando costuma voltar para casa, o metrô tem ficado extremamente lotado, “a ponto de ser insalubre”, diz ela. 

“Muitas vezes, as pessoas têm dificuldade até para sair do vagão na estação desejada”, lamenta. 

Privatização custa caro ao usuário

Críticas à privatização apontam  que a premissa para conceder o metrô à iniciativa privada é equivocada e tem se mostrado falha até mesmo em experiências internacionais. Segundo André Veloso, do movimento Tarifa Zero, o sistema metro-ferroviário, por definição, é deficitário. 

Ele explica que a tarifa e o número de passageiros não conseguem cobrir o custo total de operação e, quando ocorre a privatização, há um novo custo incluído: o lucro dos empresários, ou seja, o retorno do capital investido. Isso, na avaliação dele, faz com que o Estado tenha que repassar ainda mais recursos às empresas concessionárias e, no caso do metrô de Belo Horizonte, o resultado é um “desrespeito absurdo” com os passageiros.

“A Via 4 em São Paulo é um exemplo de má privatização, de como as coisas podem dar errado. É uma parte do sistema que mais dá problema, que tem mais pane, mais superlotação e mesmo assim é a que mais recebe recurso de repasse do governo do estado.
Tem outras partes do metrô que não são privatizadas e que funcionam bem melhor. No Rio de Janeiro, o sistema até funciona razoavelmente bem, mas é a maior tarifa do país. Então, exclui muita gente também”, lembra. 

É possível realizar reformas sem causar tantos problemas?

Para André, o cronograma das obras é ruim, assim como a comunicação com os usuários. Além disso, segundo ele, a concessionária não quer empregar todos os trens disponíveis na operação. 

“Por isso, quando realizam as reformas, acabam reduzindo a frequência dos trens e obrigando a baldeação, piorando ainda mais a vida dos passageiros.  Se houvesse disposição para aumentar os custos da operação, a situação poderia ser melhor para os usuários. No entanto, parece que, como a concessionária não está lucrando com o metrô neste momento, seu foco é apenas concluir a reforma o mais rápido possível, sem se preocupar com a qualidade do serviço oferecido”, pontua.

O Sindicato dos Metroviários de Minas Gerais (Sindimetro-MG) defendeu, desde o início do processo de privatização da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) que a melhor empresa para conduzir a expansão era a própria CBTU, por ser uma empresa pública e ter conhecimento profundo na operação metroferroviária nas capitais. 

“Hoje, todos os cronogramas das obras estão atrasados, o que tem gerado um grande desconforto para os usuários. Além disso, a Metrô BH tem, em alguns momentos, precarizado a prestação do serviço, alterando horários de trens, entre outros fatores, para cumprir prazos e garantir acesso aos recursos financeiros”, ressalta Daniel Carvalho, diretor do sindicato. 

Impacto sobre os trabalhadores

Desde o início da concessão do metrô de Belo Horizonte para a iniciativa privada, ocorreram mudanças profundas na gestão da empresa. Atualmente, segundo Daniel, não há mais um calendário de manutenção preventiva, que foi deixado de lado em favor das obras de expansão.  

“Isso fez com que, já no primeiro ano, a população de Belo Horizonte enfrentasse diversas falhas técnicas, tanto nos trens quanto na infraestrutura, o que impactou significativamente a qualidade do serviço”, pontua. 

Além das mudanças na prestação de serviço e na gestão da empresa, o sindicalista recorda que o metrô de Belo Horizonte passou por uma drástica redução no seu quadro funcional. 

“No ano passado, a Metrô BH realizou um programa de demissão coletiva, desligando mais de 250 funcionários em menos de um ano, sem negociação com o sindicato ou qualquer política de mitigação de danos.  Além disso, estamos caminhando para o terceiro ano consecutivo sem um acordo coletivo. As condições de trabalho vêm sendo definidas unilateralmente pela empresa, com o único objetivo de reduzir custos”, critica. 

:: Sindicato pressiona e Justiça manda Metrô BH interromper demissões em massa ::

Reformas e aumento da passagem 

Segundo Daniel, em 2014, antes do aumento da tarifa de R$ 1,80 para quase o dobro, o metrô de Belo Horizonte transportava entre 240 mil e 250 mil usuários por dia. Atualmente, esse número não chega a 100 mil, com uma média diária de 85 a 90 mil passageiros.  

“O sindicato não tem mais acesso a dados transparentes sobre a arrecadação da bilheteria e o número de passageiros transportados. No entanto, é evidente que essa queda no fluxo de usuários não se deve apenas às obras, mas, principalmente, ao aumento da tarifa, que impacta diretamente a acessibilidade ao serviço”, sinaliza.   

“Atualmente, o governo estadual é responsável pela manutenção do transporte metroferroviário e deve compensar eventuais déficits operacionais, conforme previsto no edital de concessão. Se houver queda no número de usuários e, consequentemente, prejuízo na arrecadação, quem arca com essa perda é o governo do estado”, observa.  

Tarifa Zero é a solução

A proposta da Tarifa Zero, neste contexto, tem crescido no Brasil. Atualmente, já são 121 municípios com esse modelo, e um exemplo é o metrô de Teresina, no Piauí, que opera gratuitamente.  

“Embora seja um sistema menor do que o de Belo Horizonte e movido a diesel, a gratuidade demonstra que é possível viabilizar o transporte sem cobrar tarifa”, reforça André Veloso. 

“Com o aumento da passagem e a piora do serviço, muitas pessoas deixam de usar o metrô e buscam outras formas de transporte, o que contribui para mais carros e motos nas ruas, além do crescimento do uso de transporte por aplicativo”, continua. 

Famílias são afetadas pelas obras

Mais de 350 famílias são afetadas pelas obras da linha 2 do metrô, que começaram em 16 de setembro do ano passado, e ligarão o bairro Nova Suiça ao Barreiro. Moradores dos bairros Gameleira, Nova Gameleira, Nova Cintra, Betânia, Vista Alegre e no Barreiro, todos na região Oeste da capital, denunciam falta de diálogo e indenizações insuficientes.

A empresa se programa para desembolsar um total de R$ 28,7 milhões. Dessa forma, o valor médio proposto para cada família é em torno de R$ 89 mil. 

A proposta da empresa é de que as famílias sejam indenizadas somente pelas benfeitorias realizadas nos imóveis, sendo desconsiderado o valor dos terrenos, que foram ocupados irregularmente. Além disso, a MetrôBH defende que as negociações sejam conduzidas individualmente com cada família.

O outro lado

A reportagem entrou em contato com a Metrô BH para comentar o conteúdo deste texto, mas, até o momento da publicação, não obteve respostas. O espaço segue aberto para manifestações. 
 

Edição: Ana Carolina Vasconcelos