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Coluna

Nada de novo: mineradoras não querem pagar imposto. Quem vai pagar por elas?

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Imagem - Luiz Santana/ALMG
Ao contrário da população, as mineradoras não pagam pela água que utilizam

O Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM) divulgou que o setor mineral foi responsável por 47% do saldo positivo da balança comercial brasileira em 2024, arrecadando quase R$ 100 bilhões em tributos. No entanto, a entidade expressa preocupação com a possível incidência de um imposto seletivo sobre as exportações minerais, argumentando que tal medida poderia prejudicar a balança comercial e a competitividade do setor. 

Dependência excessiva da exportação de commodities reforça uma estrutura vulnerável às oscilações do mercado global

Em primeiro lugar, embora o superávit ou déficit da balança comercial seja frequentemente usado como indicador da saúde econômica de um paí­s, ele não deve ser analisado isoladamente. Com a globalização e a fragmentação das cadeias globais de produção, muitos países apresentam déficits comerciais sem comprometer seu desenvolvimento econômico, pois importam insumos estratégicos para agregar valor internamente e exportar produtos de maior complexidade tecnológica.

No caso da mineração, o Brasil exporta grandes volumes de minérios brutos, o que impulsiona o saldo positivo da balança comercial, mas isso não significa, necessariamente, um fortalecimento econômico.

A dependência excessiva da exportação de commodities reforça uma estrutura produtiva primária e vulnerável às oscilações do mercado global, limitando o desenvolvimento de setores industriais de maior valor agregado e perpetuando um modelo econômico baseado na exploração intensiva de recursos naturais, com poucos benefícios para a diversificação e sofisticação da economia nacional.

Vender minério barato e comprar produto industrializado  

Por exemplo, o Brasil é um dos maiores produtores de minério de ferro do mundo, com vastas reservas desse recurso natural. No entanto, grande parte desse minério é exportada em estado bruto, sem qualquer beneficiamento ou valor agregado. Em 2022, por exemplo, o país exportou aproximadamente 344,1 milhões de toneladas de minério de ferro, representando 69,3% das exportações minerais.

Ao exportar minérios a preços baixos, o Brasil deixa de arrecadar recursos para saúde, educação e infraestrutura

Essa prática de vender matérias-primas sem processamento, conhecida como primarização da economia, resulta em produtos de baixo valor agregado sendo enviados ao exterior. Posteriormente, esses mesmos minérios retornam ao Brasil na forma de produtos industrializados, como máquinas, veículos e eletrônicos, com preços significativamente mais altos.

Consequentemente, a população brasileira enfrenta dificuldades para acessar esses produtos devido aos altos custos, enquanto o país perde oportunidades de gerar empregos qualificados e desenvolver tecnologia própria.

Além disso, ao exportar minérios a preços relativamente baixos, o Brasil deixa de arrecadar recursos que poderiam ser investidos em áreas essenciais como saúde, educação e infraestrutura. Esse modelo econômico perpetua a dependência de exportações de commodities e impede o avanço industrial e tecnológico do país, limitando o acesso da população a produtos de maior valor agregado e comprometendo o desenvolvimento econômico sustentável.

Imposto Seletivo, de 0,25%, representa menos de 1% do faturamento das empresas

Que imposto é esse

O Imposto Seletivo mencionado pelo Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM) é uma tributação proposta na reforma tributária brasileira, destinada a incidir sobre produtos considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. No caso da mineração, a Emenda Constitucional n.º 132/2023 estabelece que a alíquota máxima para bens minerais não renováveis é de 0,25% sobre o valor de mercado do produto. 

Em termos de desempenho financeiro, o faturamento do setor mineral brasileiro em 2024 foi de R$ 270,8 bilhões, um crescimento de 9,1% em comparação com 2023. Considerando a alíquota máxima proposta de 0,25% para o Imposto Seletivo, a arrecadação adicional seria de aproximadamente R$ 677 milhões, o que representa menos de 1% do faturamento total do setor.

Portanto, embora o Imposto Seletivo represente um novo encargo para a indústria mineral, seu impacto financeiro direto seria relativamente pequeno em comparação com o seu faturamento recolhido.

A aplicação do Imposto Seletivo sobre a exportação de minérios, especialmente o minério de ferro, é defendida por especialistas que argumentam que a medida pode incentivar a industrialização nacional e a agregação de valor aos produtos minerais dentro do país. Ao tributar a exportação de minérios brutos, cria-se um estímulo para que as empresas invistam em processos de beneficiamento e industrialização no território nacional, gerando empregos qualificados e promovendo o desenvolvimento tecnológico.

Além disso, a arrecadação proveniente desse imposto pode ser direcionada para mitigar os impactos socioambientais da atividade mineradora, promovendo a sustentabilidade e o bem-estar das comunidades afetadas. Portanto, a implementação do Imposto Seletivo no setor mineral é vista como uma ferramenta para alinhar a atividade econômica aos interesses sociais e ambientais do país.

A mineração atende as necessidades da população brasileira?

Além disso, o IBRAM destaca o aumento na arrecadação de tributos e na geração de empregos pelo setor mineral em 2024. No entanto, para avaliar a importância do setor mineral para a economia nacional, é importante verificar se os benefícios dessa atividade realmente alcançam a população brasileira.

Atualmente, grande parte dos lucros gerados pela mineração é direcionada para o exterior, enquanto as comunidades locais arcam com os impactos socioambientais negativos, como desmatamento, poluição das águas, do ar e do solo, além de violações de direitos humanos.

A mineração no Brasil é um setor intensivo no uso de água, especialmente em atividades como o beneficiamento de minérios, que requerem grandes volumes para a separação do minério de ferro. A extração de água para a lavagem e transporte do minério é muito comum, mas o que muitos não sabem é que, ao contrário dos cidadãos comuns, as mineradoras não pagam pela água que utilizam. Em Minas Gerais, por exemplo, algumas das maiores mineradoras do estado, como a Vale, utilizam grandes volumes de água de rios e aquíferos, mas o pagamento por esse recurso é muitas vezes inexistente.

Enquanto isso, os cidadãos que utilizam água potável para consumo doméstico enfrentam uma tarifa progressiva que vai aumentando conforme o consumo, além de pagarem pelas infraestruturas de tratamento e distribuição. Isso cria uma situação em que a população arca com os custos da água que consome, enquanto as grandes empresas mineradoras, que consomem volumes imensos de água e muitas vezes poluem os corpos d’água ao longo de suas atividades, pagam uma fração insignificante do valor real consumido.

Essa situação revela uma clara distorção no uso dos recursos naturais no Brasil, onde o setor mineral se beneficia da água como se fosse um recurso praticamente gratuito, enquanto o cidadão comum paga por cada litro que utiliza, independentemente de seu poder aquisitivo.

Mineração não significa mais desenvolvimento

Estudos indicam que municípios dependentes da mineração não apresentam, necessariamente, níveis mais elevados de desenvolvimento socioeconômico. Por exemplo, pesquisa realizada em Minas Gerais revelou que a dependência econômica da mineração pode limitar a diversificação produtiva e o desenvolvimento sustentável dessas localidades.

Além disso, os desastres de Mariana (2015) e Brumadinho (2019) evidenciam os riscos associados a atividade mineradora, resultando em perdas humanas, degradação ambiental e prejuízos econômicos para as comunidades afetadas. Portanto, para que a mineração seja verdadeiramente benéfica para o paí­s, é fundamental que os ganhos econômicos sejam revertidos em melhorias concretas para a população brasileira, e não se concentre exclusivamente nas mãos das elites e econômicas e políticas estrangeiras.

Neste contexto, é fundamental avaliar o papel do imposto seletivo no contexto de uma estratégia econômica mais ampla, que vise não apenas o fortalecimento do setor mineral, mas também a promoção de um desenvolvimento econômico mais equilibrado e sustentável para o Brasil.

Mineradoras sempre sonegaram imposto e querem continuar sonegando

A reação desproporcional e a insatisfação do setor mineral em relação à cobrança do referido imposto reforça o histórico significativo de sonegação fiscal, especialmente no que tange à Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), conhecida como os royalties da mineração.

Entre 2017 e 2022, aproximadamente 70% dos mais de 30 mil processos ativos de mineração não realizaram o pagamento espontâneo da CFEM. Além disso, de 134 processos fiscalizados pela Agência Nacional de Mineração (ANM), apenas 40% efetuaram o pagamento devido, evidenciando falhas no sistema de auto declaração adotado.

Estima-se que, entre 2014 e 2021, cerca de R$ 12,4 bilhões deixaram de ser arrecadados devido a sonegação, e outros R$ 4 bilhões foram perdidos por créditos prescritos entre 2017 e 2021, totalizando um prejuízo potencial de R$ 16,4 bilhões aos cofres públicos. A falta de estrutura e pessoal na ANM contribui para esse cenário, dificultando a fiscalização e a cobrança efetiva desses tributos.

Esta sonegação fiscal do setor mineral se insere em um contexto mais amplo de desoneração histórica da atividade mineradora no Brasil, sendo um dos exemplos mais emblemáticos a Lei Kandir (Lei Complementar n.º 87/1996). Essa legislação isentou do ICMS as exportações de produtos primários e semielaborados, incluindo os minérios, sob o argumento de estimular as vendas externas e fortalecer a balança comercial. No entanto, na prática, a Lei Kandir consolidou um modelo extrativista voltado para a exportação de matérias-primas com baixo valor agregado, beneficiando grandes empresas mineradoras e prejudicando estados e municípios mineradores, que perderam bilhões em arrecadação ao longo das décadas.

Se optar por proteger os lucros das mineradoras multinacionais, o Congresso estará reforçando um sistema tributário regressivo

Um estudo da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (2019) apontou que, apenas entre 1997 e 2016, os estados deixaram de arrecadar aproximadamente R$ 637 bilhões devido a desoneração da Lei Kandir. Essa política, combinada ao histórico de sonegação fiscal do setor, evidencia um modelo de exploração mineral que transfere os benefícios para o grande capital e para os mercados internacionais, enquanto sobrecarrega a população brasileira com os custos socioambientais dessa atividade.

Deputados vão ficar ao lado do povo ou dos bilionários?

Caso as lideranças do Congresso Nacional decidam derrubar a cobrança do Imposto Seletivo sobre a mineração, conforme defendido pelo IBRAM, estarão, na prática, isentando um setor que já acumula lucros bilionários e transferindo o ônus tributário para a população, especialmente os mais pobres. Como dito, o setor mineral faturou R$ 270,8 bilhões em 2024 e o Imposto Seletivo geraria uma arrecadação adicional inferior a R$ 677 milhões, um valor irrelevante frente ao faturamento, mas que poderia ser significativo para investimentos sociais e ambientais.

Se optarem por proteger os lucros das mineradoras multinacionais, que já se beneficiam da exportação de recursos estratégicos sem agregar valor ao paí­s, o Congresso estará reforçando um sistema tributário regressivo, que penaliza os trabalhadores e os setores mais vulneráveis da sociedade. Esse movimento revela a captura do Estado pelos interesses do grande capital mineral, em detrimento do interesse público e da justiça fiscal.

Vamos acompanhar e pressionar os congressistas para saber de que lado ficarão: ao lado do povo brasileiro ou o lado dos bilionários.

Marina Oliveira é graduada, mestre e doutoranda em Relações Internacionais pela PUC-Minas. Atualmente é professora substituta do Departamento de Relações Internacionais da PUC-Minas. É colunista do Brasil de Fato Minas Gerais e Militante do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) e do Movimento Brasil Popular (MBP). Atingida pelo rompimento da barragem e autora do livro “O preço de um crime socioambiental: os bastidores do processo de reparação do rompimento da barragem em Brumadinho”.

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Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a opinião do Brasil de Fato MG

Edição: Elis Almeida