Desde que foi eleito presidente dos Estados Unidos, Donald Trump tem tomado medidas econômicas controversas na aplicação de taxas adicionais a alguns países. Na terça-feira, a China foi o alvo, já que começou a vigorar uma taxação adicional de 10% aplicada aos produtos do país.
Pequim reagiu e também resolveu impor tarifas a produtos americanos, como carvão, gás natural e maquinário agrícola. Já na segunda-feira (3), o México e o Canadá conseguiram diálogo com o presidente para suspender uma sobretaxação de 25%.
Questionamentos sobre os impactos de uma possível taxação no Brasil tomaram conta das conversas entre brasileiros. Mas, e em Minas Gerais? Haveria algum impacto específico? O Brasil de Fato MG conversou com economistas para esclarecer as dúvidas e entender melhor o cenário.
Efeitos nas exportações de produtos primários
Minério de ferro e soja vão majoritariamente para a China e café para a Europa. Assim, impacto imediato seria limitado
Weslley Cantelmo, doutor em Economia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e membro do Instituto Economias e Planejamento, destaca que o impacto está associado a pauta de exportação de Minas Gerais, fortemente concentrada em produtos primários como minério de ferro e petróleo cru.
“No caso desses produtos primários, o impacto pode nem ser tão grande. Pode haver alguma queda, dependendo das mudanças de rota que os compradores norte-americanos decidam fazer. Por exemplo, no petróleo cru, eles podem intensificar compras de outras fontes. Para o minério de ferro, essa mudança já é um pouco mais difícil. No caso dos alimentos, a gente exporta, mas nem tanto. Eles poderiam reforçar a produção interna ou trocar fornecedores, algo que já vêm fazendo”, explica.
Para ele, o impacto pode não ser tanto no volume, mas sim no preço e poderia haver um aumento nos preços globais desses produtos. Se os EUA adotarem barreiras, na avaliação do economista, isso pode pressionar os preços internacionais e gerar uma inflação interna no mercado norte-americano.
“Não sei se eles vão investir tanto nisso, porque tem um efeito de encarecimento para o próprio consumidor americano. Mas, para alguns produtos como o aço e alimentos, eles já fazem isso em momentos pontuais para proteger a produção interna. Aí, sim, afeta bastante o faturamento das empresas brasileiras”.
9% a 10% das exportações do estado têm os EUA como destino
Ricardo Ruiz, professor da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG, complementa que, para Minas, o impacto direto seria modesto, dado que apenas 9% a 10% das exportações do estado têm os EUA como destino.
“Minério de ferro e soja vão majoritariamente para a China, enquanto o café é destinado principalmente à Europa. Assim, o impacto imediato seria limitado”, avalia.
Impacto setorial e regional
Weslley aponta que setores específicos, como o de aço e alumínio, podem sentir um impacto mais direto, especialmente em regiões como o Quadrilátero Ferrífero e o Vale do Aço.
“O efeito local é ruim. Essas indústrias tendem a reduzir o ritmo de produção, podendo gerar demissões. Mas, para a economia mineira como um todo, o impacto é localizado”, pondera.
Segundo ele, na arrecadação, o efeito também varia. No caso do aço, que é um produto mais acabado, tem imposto de exportação, então a arrecadação pode cair. Já o minério de ferro não paga imposto de exportação, então não teria esse impacto tributário.
Ricardo Ruiz concorda e ressalta que, mesmo em setores como o automotivo, que possui uma fábrica em Minas exportando para os EUA, o impacto seria pontual.
“Os impactos seriam pontuais, pequenos e bem circunscritos a alguns tipos de produtos, não atingindo setores inteiros”, diz.
Diversificação de destinos e flexibilidade
Apesar da concentração em poucos produtos, Weslley destaca que Minas Gerais tem uma diversificação geográfica nas exportações importante. Os Estados Unidos são o segundo maior parceiro comercial do país, o primeiro é a China.
“Exportamos para a China, Japão, Vietnã e Coreia. Isso nos dá alguma flexibilidade para remanejar exportações e minimizar os impactos das tarifas norte-americanas”, avalia.
Taxa de câmbio e competitividade
Quanto ao impacto de possíveis taxas de juros nos EUA, o economista observa que um dólar mais forte pode desvalorizar o real, tornando as exportações brasileiras mais competitivas.
“Mas recentemente, as incertezas geradas pelo próprio Trump têm causado um efeito contrário, valorizando moedas de países emergentes, incluindo o real. Se o real desvalorizar, as exportações brasileiras ficam mais competitivas, aumentando o faturamento das empresas exportadoras. Por outro lado, as importações ficam mais caras, o que pode afetar a aquisição de bens de maior valor agregado, como tecnologia, que hoje é majoritariamente importada da Ásia”, destaca.
Ricardo Ruiz destaca a expectativa de redução dos juros americanos em 2025, o que poderia valorizar o real.
“A expectativa de muitos é que haja uma redução da taxa de juros americana em 2025, o que tenderia a valorizar o real. Dessa forma, a taxa de câmbio, que hoje está em torno de 5,6 a 5,9, poderia cair para um patamar próximo a 5,0”, explica.
“Se isso ocorrer, os produtos importados tendem a ficar mais baratos, reduzindo a pressão inflacionária sobre os consumidores mineiros. Esse efeito pode ser particularmente sentido nos alimentos, melhorando o poder de compra da população”, continua.
Por outro lado, enquanto a desvalorização do real incentiva as exportações, ela também pode elevar o custo dos alimentos e outros produtos essenciais, algo que tem sido uma grande preocupação dos brasileiros, segundo o professor da UFMG.
Possíveis retaliações e oportunidades internas
Se o Brasil aplicasse medidas de reciprocidade contra as tarifas dos EUA, Minas Gerais poderia ser afetada na importação de alguns produtos minerais, como briquetes de carvão e coque, e também na compra de máquinas, turbinas a gás, tratores e equipamentos para mineração, de acordo com Weslley.
“Também importamos fertilizantes, pesticidas e reagentes de laboratório, sendo os fertilizantes os mais relevantes. Se houvesse tarifas sobre esses produtos, o agronegócio poderia ser afetado. No entanto, tecnologicamente, não é tão difícil o Brasil desenvolver a produção interna e reduzir a dependência dessas importações. Esse tipo de mudança exigiria medidas complementares, como incentivos fiscais, algo que não combina totalmente com o atual arcabouço fiscal”, complementa.
Ainda assim, segundo ele, isso poderia ser uma oportunidade para fortalecer setores produtivos internos e mitigar a perda de sofisticação econômica que Minas Gerais vem sofrendo há décadas.
China e Europa
Ricardo Ruiz alerta que uma grande incerteza em relação à política econômica de Trump para o Brasil, e consequentemente para Minas Gerais, está nos possíveis conflitos com a China.
Se afetar a China, nos afeta, já que o país é muito relevante para as exportações mineiras
“Como a demanda chinesa é muito relevante para as exportações mineiras, qualquer crise econômica ou recessão na China causada por tensões com os Estados Unidos poderia afetar diretamente a economia de Minas Gerais”, afirma.
O mesmo raciocínio se aplica à Europa. Caso Trump entre em conflitos mais acirrados com países como França e Alemanha, que são grandes mercados consumidores de produtos brasileiros e chineses, e essas economias enfrentem recessões mais profundas, a demanda por produtos exportados por Minas Gerais poderia ser impactada.
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“Assim, os efeitos sobre Minas Gerais seriam indiretos, mas poderiam ser significativos dependendo da intensidade dos conflitos comerciais entre os Estados Unidos, a China e a Europa”, sinaliza.
Mercados globais
Para o professor, além do impacto direto sobre as exportações mineiras, a política de Trump pode ter efeitos indiretos sobre Minas, especialmente em relação ao controle de exportações de produtos estratégicos para o Brasil.
“Por exemplo, se Trump decidir restringir a exportação de petróleo ou componentes essenciais para a indústria brasileira, isso poderia afetar indiretamente a economia mineira, mesmo que o estado não tenha participação direta nesses setores. Um exemplo seria a Embraer, que poderia sofrer restrições para importar componentes americanos, afetando a economia nacional e, por consequência, Minas Gerais”, afirma Ruiz.
Outro possível impacto, segundo ele, seria uma redução dos investimentos de empresas multinacionais americanas no Brasil.
“No entanto, é improvável que os Estados Unidos consigam restringir totalmente as operações de suas empresas no Brasil, pois isso poderia abrir espaço para concorrentes europeus e chineses”, observa.
Embora seja difícil prever com exatidão os efeitos das políticas de Trump sobre Minas Gerais, o professor afirma que é provável que impactos indiretos ocorram devido às interações entre os mercados globais.
Edição: Elis Almeida